Como o uso de dados anonimizados pode ajudar a curar doentes no futuro

Coleta de informações sobre pessoas em tratamento, devidamente não identificadas, permitiriam avanços em pesquisas sobre várias doenças

Crédito: Joshua Coleman/ Jan Antonin Kolar/ Unsplash

Eric Lefkofsky 4 minutos de leitura

A prática da medicina muitas vezes exige que se tire o máximo proveito de uma situação trágica, como quando os profissionais aprendem com uma doença para depois ajudar outras pessoas a permanecerem saudáveis. Mas o maior exemplo disso é a doação de órgãos.

O gesto altruísta de um doador pode transformar uma perda familiar na última esperança para pacientes doentes – aqueles com maior urgência de cirurgia, identificados na lista de espera do sistema de saúde. Cada doador tem o potencial de salvar até oito vidas  e de melhorar a qualidade de vida de outras 75 pessoas.

Um dos grandes paradoxos da medicina é que o fim de uma vida pode aumentar a chance de outros sobreviverem. Quando pensamos no benefício de uma terapia inovadora ou no impacto clínico que uma vida pode ter sobre a outra, geralmente perdemos de vista que esses raros sucessos dependeram de reunir a ajuda de muita gente.

Passei a maior parte da última década treinando uma equipe que se dedica especialmente ao avanço da medicina de precisão, por meio de dados e tecnologia – que é, por definição, um tipo de estudo que depende da colaboração de muita gente.

À medida que todo o setor progrediu na utilização de dados para informar pesquisas médicas e decisões nos locais de atendimento, nos questionamos: por que a “doação anônima de dados médicos” ainda não é incentivada, como a doação de órgãos?  

BIOLOGIA + TECNOLOGIA

Se dados de diversas fontes – incluindo registros eletrônicos de saúde, imagens de lâminas de patologia, exames radiológicos e resultados de sequenciamento genômico – fossem desidentificados e se tornassem acessíveis em todo o sistema de saúde, poderíamos avançar significativamente na descoberta e no desenvolvimento terapêutico e encontrar melhores opções de tratamento.

Cada doador de órgãos tem o potencial de salvar até oito pessoas e melhorar a qualidade de vida de outras 75.

Uma visão mais abrangente do cenário atual do câncer, do que está funcionando e do que não está, poderia ajudar os pesquisadores a identificar lacunas onde novos tratamentos são mais necessários. 

Imagine um grande banco de dados sobre a saúde de uma população. As evidências do mundo real podem ser aplicadas para orientar com mais precisão e eficácia o tratamento de futuros pacientes.

Se fôssemos descrever a área da saúde do ponto de vista da análise de dados, seria justo dizer que a história da medicina nada mais é do que uma aplicação progressiva de conhecimentos à biologia.

Hoje em dia, os dados dos pacientes são a expressão mais sofisticada do que significa conhecimento aplicável. Sendo assim, o que podemos fazer para torná-lo um modelo que reúne muita gente para ajudar muita gente? 

Há uma década, se um paciente respondesse bem a uma nova terapia, esse era o máximo de informação que a equipe teria aprendido. O médico não podia ter certeza de que o próximo paciente teria o mesmo resultado.

Mas, agora, as hipóteses e conclusões baseadas em dados são mais viáveis, porque o uso de inteligência artificial permite aos pesquisadores interpretar rapidamente grandes quantidades de informações clínicas. Assim, há muito mais para informação para guiar escolhas e decisões de tratamento.

Interpretações feitas a partir desses dados podem explicar certos resultados positivos dos tratamentos. Quanto mais dados de pacientes não identificados puderem ser coletados, organizados e padronizados, maior a chance de chegarmos ao próximo avanço no protocolo de atendimento. Potencialmente, essa pode ser a diferença entre vida ou morte para doentes no futuro.

DADOS ANONIMIZADOS

Assim como os órgãos são fundamentais para o funcionamento do corpo humano, os dados de saúde são

o uso de inteligência artificial permite aos pesquisadores interpretar rapidamente grandes quantidades de informações clínicas.

fundamentais para o sistema médico-hospitalar. Quando devidamente protegidos e mantidos em anonimato, em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, esses dados podem permitir que médicos e pesquisadores aprendam com a experiência dos pacientes de hoje para salvar os de amanhã.

Já vemos isso ser feito com sucesso todos os dias, quando médicos aproveitam dados para personalizar cada atendimento de seus pacientes, identificando terapias direcionadas e ensaios clínicos promissores.

Mas como chegar lá? Como relata a UNOS (United Network for Organ Sharing, organização científica e educacional que administra a Rede de Transplante de Órgãos nos Estados Unidos), os transplantes só foram administrados inteiramente por hospitais individuais até a década de 1970.

No entanto, até hoje há pouca infraestrutura para permitir o compartilhamento de dados anônimos em escala nacional. Só conseguiremos usar melhor esses dados se eles estiverem padronizados em todo o setor e incluírem todas as populações de pacientes.

Precisamos remover as barreiras tecnológicas (investindo, por exemplo, na interoperabilidade e na padronização de dados), compartilhar dados entre hospitais e instituições de saúde e trabalhar em conjunto para criar soluções que ajudarão gerações de pacientes.

Na área de saúde, os dados dos pacientes podem criar tanto valor quanto a doação de seus órgãos, especialmente no ramo da oncologia. Embora um diagnóstico de câncer seja sempre um choque para o paciente e seus entes queridos, com a coleta anônima em massa dos dados de cada um talvez seja possível transformar essas experiências em fonte de esperança.


SOBRE O AUTOR

Eric Lefkofsky é o fundador e CEO da Tempus, empresa de medicina personalizada com tecnologia de inteligência artificial. saiba mais