Como seria se você se apaixonasse por uma inteligência artificial?

Pesquisas sugerem que o sentimento de satisfação é praticamente o mesmo quando trocamos mensagens com conteúdo sexual com um chatbot ou com outra pessoa

Créditos: dimdimich/ iStock

Marco Dehnert e Joris Van Ouytsel 4 minutos de leitura

Até pouco tempo atrás havia um enorme preconceito em relação a aplicativos de namoro. Há menos de uma década, muitos casais inventariam histórias sobre como se conheceram, por medo de serem julgados. Isso mudou. Virou algo tão comum que é difícil encontrar alguém que não conheceu seu parceiro no Tinder, no Grindr ou no Hinge.

Citamos esses aplicativos para mostrar a rapidez com que o que é aceito em termos de relacionamento pode mudar. Com os rápidos avanços na tecnologia nos últimos anos, é possível que, em um futuro próximo, relações (sexuais, amorosas ou de amizade) entre humanos e máquinas sejam consideradas normais. 

Em nossa pesquisa, analisamos como a tecnologia é usada para construir relações. Mas também estudamos como as pessoas desenvolvem laços afetivos com máquinas, mais especificamente sistemas de IA que operam essencialmente como chatbots e robôs sexuais, como o RealDoll ou o Sex Doll Genie.

Exploramos as diferentes formas de amor, sexo e amizade que as pessoas podem experimentar com máquinas equipadas com IA, além do que as leva a isso – e por que pode se tornar algo muito comum mais cedo do que se pensa.

MAIS DO QUE UMA SIMPLES CURA PARA A SOLIDÃO

É um equívoco comum pensar que somente pessoas solitárias ou em relacionamentos falidos usariam máquinas de IA para se satisfazer. Pesquisas iniciais mostram que quem recorre a essas tecnologias difere em poucos aspectos daqueles que não as usam. O estudo também aponta que não há uma relação significativa entre sentimentos de solidão e uma preferência por robôs sexuais.

Créito: RealDoll

Além disso, esse comportamento não parece ser influenciado pela personalidade e está mais ligado a preferências sexuais e busca por novas sensações. Em outras palavras, algumas pessoas recorrem a eles principalmente porque desejam ter novas experiências sexuais.

No entanto, a novidade não é o único motivo. Estudos mostram que as pessoas encontram muitos usos para essas máquinas que não têm a ver, necessariamente, com sexo ou relacionamento. Elas podem servir como companheiras, terapeutas ou como um simples hobby.

Resumindo, a atração surge por uma série de motivos. Muitos são os mesmos pelos quais as pessoas buscam se relacionar com outras. Mas estamos apenas começando a entender as particularidades dos relacionamentos com máquinas.

RELACIONAMENTOS 5.0

Muitos pesquisadores têm expressado preocupações éticas sobre os possíveis efeitos da companhia de máquinas. Temem que, quanto mais as pessoas se voltarem para elas, mais perderão contato com outros seres humanos.

Apesar dessa preocupação, há surpreendentemente pouca pesquisa sobre os efeitos de parceiros robóticos. Sabemos bastante sobre como a tecnologia, em geral, afeta os relacionamentos, os benefícios e danos do “sexting” (troca de mensagens sexuais) entre jovens adultos e como os aplicativos de namoro influenciam o sucesso de uma relação.

No entanto, compreender as vantagens e desvantagens dos parceiros de IA é um pouco mais complicado.

algumas pessoas recorrem a essas máquinas principalmente porque desejam ter novas experiências sexuais.

Estamos vivendo em uma era que o sociólogo Elyakim Kislev chama de “relacionamentos 5.0”, na qual “as tecnologias estão deixando de ser ferramentas para controlar o ambiente e o trabalho e se transformando em um ecossistema em si”.

O valor terapêutico é frequentemente mencionado como um benefício de se relacionar romântica e sexualmente com máquinas. Um estudo, por exemplo, discute como robôs sexuais para idosos ou pessoas com deficiência poderiam ajudá-los a explorar sua sexualidade.

Também poderiam ser usados na terapia, para reabilitar abusadores. No entanto, existe uma quantidade limitada de pesquisas sobre esses usos, que levantam uma série de questões éticas.

Além disso, temos pouco conhecimento sobre como esse tipo de relação se compara com os relacionamentos entre pessoas. Porém, nossas primeiras pesquisas sugerem que o sentimento de satisfação é praticamente o mesmo quando trocamos mensagens com conteúdo sexual com um chatbot ou com outra pessoa.

NAMORADO ROBÔ

Como vimos com os aplicativos de namoro, os avanços tecnológicos no contexto dos relacionamentos enfrentam inicialmente muito ceticismo e reprovação. Porém, não há dúvida de que as pessoas são capazes de formar vínculos profundos com sistemas de IA.

Crédito: Replika.AI

Um exemplo disso é o aplicativo Replika. Ele é vendido como um “companheiro de IA que se importa” – um namorado ou namorada virtual que interage com o usuário de forma profundamente pessoal, incluindo “sexting” e conversas picantes.

Em fevereiro, a Autoridade Italiana de Proteção de Dados ordenou que o aplicativo parasse de processar os dados dos usuários do país. Como resultado, os desenvolvedores mudaram a forma como o Replika interage – e alguns desses usuários expressaram sentimentos de tristeza, luto e desgosto, não muito diferentes das emoções que sentimos após terminar um relacionamento com uma pessoa.

Os legisladores ainda estão tentando descobrir como regular o relacionamento entre humanos e máquinas. Mas já sabemos que a tecnologia faz parte das nossas relações, e é provável que relacionamentos com robôs e sistemas equipados com IA se tornem mais comuns em um futuro não muito distante.

Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o original.


SOBRE O AUTOR

Marco Dehnert é doutorando em comunicação e Joris Van Ouytsel é professor assistente de comunicação interpessoal, ambos da Arizona Sta... saiba mais