Crianças e telas: quanto mais expostas, maiores os efeitos no desenvolvimento

Novo estudo sugere que a exposição a telas pode levar a sinais de autismo na infância

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Sarah Bregel 4 minutos de leitura

Já tínhamos nossas suspeitas de que a TV não faz bem para crianças pequenas. Mas agora há evidências que indicam que os efeitos podem ser piores do que imaginávamos.

Um novo estudo sugere que, para crianças com menos de dois anos, o tempo em frente à televisão está associado a diferenças sensoriais, semelhantes às observadas no transtorno do espectro autista na infância.

O estudo, publicado na revista médica “JAMA”, revelou que crianças que assistiam à TV ou DVDs com um ano de idade tinham duas vezes mais chances de manifestar um “processamento sensorial atípico” aos 36 meses. Isso significa que processavam estímulos sensoriais de maneira diferente em comparação com outras crianças da mesma idade.

Após os 18 meses, cada hora extra de exposição à tela por dia foi associada a um aumento de 20% na probabilidade de diferenças sensoriais.

os anos da pandemia registraram um aumento significativo no uso de telas por crianças de praticamente todas as idades.

Para chegar a estas conclusões, os pesquisadores analisaram os resultados de pesquisas realizadas com 1,5 mil pais e cuidadores sobre as respostas sensoriais de seus filhos, incluindo como reagem à luz, ruído e texturas.

O estudo se concentrou no tempo em frente à televisão ou assistindo a DVDs, pois os dados foram coletados há 10 anos, muito antes de celulares e tablets estarem nas mãos de crianças de todo o mundo. 

Isso torna os resultados ainda mais alarmantes, considerando que as crianças de hoje têm opções de entretenimento muito mais diversas do que apenas assistir a programas como “Bob Esponja Calça Quadrada” ou “Bob, o Construtor” por uma hora ou duas.

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Embora a Academia Americana de Pediatria desaconselhe o uso de telas para crianças menores de dois anos, com exceção de chamadas de vídeo com a família, a maioria começa a usá-las bem antes de completar essa idade.

Um estudo de 2022 descobriu que apenas cerca de um quarto das famílias segue essas orientações para a faixa etária mais jovem. Atualmente, 75% das crianças com menos de dois anos já estão expostas a telas, e 64% das crianças de dois a cinco anos ultrapassam as recomendações.

Julianna Miner, especialista em saúde pública e autora de “Raising A Screen-Smart Kid” (Criando Crianças Inteligentes com Tela), acredita que, desde que as telas se tornaram amplamente disponíveis, os pais têm contado com elas para entreter seus filhos.

“A TV como opção de entretenimento tem sido consistentemente usada (e alguns diriam que usada demais) pelos pais desde a década de 1950”, diz Miner. “Ao contrário dos smartphones e tablets, para os quais ainda não temos pesquisas suficientes sobre a relação entre o uso e os efeitos, há muitos estudos revisados por pares sobre como a televisão impacta as crianças e seu desenvolvimento.”

IMPORTÂNCIA DO TEMPO EM FAMÍLIA

Ainda assim, os anos da pandemia registraram um aumento significativo no uso de telas por crianças de praticamente todas as idades, incluindo as mais novas. Crianças menores de cinco anos passavam cerca de 2,65 horas a mais por dia em frente a telas.

É fácil imaginar o motivo, já que os pais estavam tentando equilibrar o trabalho em casa com o cuidado das crianças. Mas agora, esta nova pesquisa sugere que pode ser hora de reavaliar o uso de telas, especialmente quando se trata de bebês. “Os dados estão começando a mostrar isso, o que justifica adiar e limitar o tempo de tela o máximo possível para nossos filhos”, diz Miner.

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Ela acredita que “os esforços para fazer os pais reduzirem o tempo de tela não foram exatamente bem-sucedidos”, em parte porque é extremamente difícil lidar com tantas “mensagens conflitantes sobre a segurança, saúde, aprendizado e bem-estar das crianças”.

Nesse sentido, a Sara Siddiqui, que trabalha no departamento de medicina pediátrica e adolescente do Langone Huntington Medical Group, da Universidade de Nova York, diz que “é compreensível que às vezes seja difícil evitar as telas”.

“Tentamos transmitir às famílias a importância da comunicação direta com os filhos pequenos, priorizando a interação e mantendo contato visual ao mostrar emoções, como gargalhadas e risos. Ler para as crianças, fazendo perguntas abertas, é muito incentivado durante o tempo em família.”

Atualmente, 75% das crianças com menos de dois anos já estão expostas a telas, e 64% das crianças de dois a cinco anos ultrapassam as recomendações.

Embora o estudo possa aumentar a preocupação dos pais em relação à TV, Siddiqui destaca que ele “sugere uma associação, e não um efeito causal, com diferenças sensoriais mais tarde na vida”.

No entanto, parece confirmar pesquisas anteriores sobre tempo de tela e bebês: um estudo de 2023 descobriu que bebês que passavam, em média, duas horas por dia na frente de telas tiveram um desempenho pior mais tarde, aos nove anos, em funções executivas.

Os pesquisadores definem essas funções como “um conjunto de habilidades cognitivas superiores essenciais para a autorregulação, aprendizado e desempenho acadêmico, bem como saúde mental”. 

Parece que, quando se trata do desenvolvimento cerebral de bebês, não existe tempo de tela saudável, seja assistindo a “Bob Esponja” ou “Bob, o Construtor”.


SOBRE A AUTORA

Sarah Bregel é uma escritora, editora e mãe solteira que mora em Baltimore, Maryland. Ela contribuiu para a nymag, The Washington Post... saiba mais