Do virtual para o real: criminosos usam de violência para roubar criptomoedas

Professor de finanças afirma que o uso de força física em crimes envolvendo criptoativos é um fenômeno recente

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Dave Collin 4 minutos de leitura

Um homem afirma ter sido torturado por semanas em uma casa em Nova York. Outro, em Paris, foi sequestrado, teve um dedo decepado e só seria libertado mediante pagamento de um resgate. Um casal em Connecticut, nos EUA, foi rendido, agredido e jogado dentro de uma van.

Segundo as autoridades, todos esses casos têm algo em comum: envolvem crimes ligados a criptomoedas – um tipo de delito que está saindo do ambiente virtual e ganhando as ruas, à medida que o valor desses ativos aumenta, mas a regulamentação desse mercado vai em marcha lenta.

Embora o roubo de criptomoedas não seja novidade, o uso da força física nesses crimes é um fenômeno relativamente recente, segundo John Griffin, professor de finanças da Universidade do Texas, que pesquisa crimes financeiros.


“Esse tipo de violência é um reflexo natural da ousadia que caracteriza o universo cripto”, afirma Griffin. “Atos que em outros contextos seriam claramente inaceitáveis – como assaltar um banco – aqui parecem fazer parte do jogo.”

SEQUESTROS, INVASÕES E TORTURA PARA ROUBO DE CRIPTOMOEDAS

Em Nova York, dois investidores norte-americanos – John Woeltz e William Duplessie – foram presos recentemente sob acusações de sequestro e agressão, depois que um italiano de 28 anos relatou à polícia que teria sido torturado por semanas para entregar a senha de sua carteira de bitcoins. Os advogados dos acusados não quiseram se pronunciar.

Apesar de as investigações ainda estarem em andamento, o caso aconteceu poucas semanas após a Justiça dos EUA acusar formalmente 13 pessoas em Washington por um esquema que envolvia invasões digitais, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e invasões a domicílio para roubar mais de US$ 260 milhões em criptomoedas.

Alguns dos suspeitos teriam invadido sites e servidores para acessar bancos de dados de criptoativos e identificar alvos. Outros teriam invadido residências em busca de carteiras em hardware – dispositivos físicos que armazenam chaves de acesso às carteiras digitais.

O caso começou a ser investigado depois que um casal, ao sair de sua Lamborghini no estado de Connecticut, ser rendido, agredido e amarrado dentro de uma van.

Segundo a polícia, a ação fazia parte de uma tentativa de extorquir o filho do casal – apontado como responsável pelo roubo de mais de US$ 240 milhões em bitcoin de uma única vítima. Ele ainda não foi formalmente acusado, mas está detido por uma “contravenção federal”, segundo registros. A tentativa foi frustrada e seis homens foram presos.

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Na França, casos de sequestros de donos de criptomoedas ou de seus familiares tem preocupado o setor. Em um dos episódios mais recentes, o pai de um empresário do ramo foi sequestrado enquanto passeava com o cachorro.

Os criminosos enviaram vídeos ao filho, incluindo um que mostrava a mutilação de um dos dedos do pai, exigindo milhões de euros em resgate. A polícia conseguiu libertá-lo e prender vários suspeitos.

No mês passado, homens encapuzados tentaram colocar à força a filha de Pierre Noizat, CEO da plataforma Paymium, dentro de uma van. A tentativa só foi frustrada porque um comerciante usou um extintor de incêndio para coibir a ação dos criminosos.

Em janeiro, David Balland, cofundador da empresa francesa de carteiras digitais Ledger, e sua esposa foram sequestrados em casa, na região de Cher, no centro da França. Ambos foram resgatados pela polícia e 10 pessoas foram presas.

MUITO DINHEIRO, POUCO CONTROLE

O FBI divulgou recentemente seu relatório anual sobre crimes cibernéticos nos EUA, com registros de quase 860 mil denúncias e um prejuízo recorde de US$ 16,6 bilhões em 2024 – um aumento de 33% em relação ao ano anterior. Entre os casos, os que envolvem criptomoedas foram os que mais geraram perdas financeiras: ao todo, mais de US$ 6,5 bilhões.

Segundo especialistas e o próprio FBI, o crescimento desse tipo de crime está ligado às somas milionárias envolvidas e à pouca regulação do setor, que permite transações sem exigência de identificação.

Esse tipo de violência é um reflexo natural da ousadia que caracteriza o universo cripto.

A empresa de rastreamento TRM Labs aponta que a escalada da violência pode estar relacionada à percepção de que crimes relacionados a criptoativos são difíceis de rastrear. Também destaca que, com o grande volume de informações pessoais disponíveis na internet e com a ostentação de riqueza nas redes sociais, os donos de criptomoedas viraram alvos fáceis.

Phil Ariss, diretor de relações institucionais da TRM Labs no Reino Unido, acredita que grupos criminosos com histórico de violência agora estão migrando para o universo cripto.

“Se há uma forma de lavar ou transformar ativos roubados em dinheiro, não importa para os criminosos se o alvo é um relógio de luxo ou uma carteira digital”, afirma. “As criptomoedas já fazem parte do dia a dia, por isso, precisamos atualizar nossa noção de ameaça física e assalto.”


SOBRE O AUTOR

Dave Collin é repórter da Associated Press. saiba mais