Depois da “economia da atenção”, vem aí a era da “economia da intenção”
Imagine o filme “A Origem”, mas em vez de usar sonhos para influenciar as ações das pessoas, serão usadas ferramentas de IA

Nos anos 1990, a internet parecia um universo mágico: nova, libertadora e, em grande parte, sem o controle de grandes corporações ou governos. Trinta anos depois, dificilmente alguém a descreveria assim. O pior é que grande parte do que consumimos online hoje nem é produzido por humanos – e essa tendência só deve se intensificar com os avanços da IA generativa.
Um aspecto específico dessa tecnologia, no entanto, traz algo ainda mais preocupante do que a crescente desumanização da internet: os chatbots de inteligência artificial.
Segundo pesquisadores da Universidade de Cambridge, estamos prestes a entrar na era da “economia da intenção”, na qual previsões sobre nossas futuras ações serão vendidas para o maior lance. Sim, é tão assustador quanto parece.
O QUE É A ECONOMIA DA INTENÇÃO?
Hoje, boa parte da indústria de tecnologia funciona dentro da chamada “economia da atenção”. Nesse modelo, redes sociais como Facebook, Instagram, TikTok, X/ Twitter, Snapchat, Pinterest e YouTube competem pelo seu tempo e sua atenção. Mas elas não estão sozinhas: editoras, serviços de streaming de música e vídeo e até estúdios de cinema também estão nessa disputa.
O objetivo? Atrair seu interesse, seja para vender algo diretamente (uma assinatura, um ingresso de cinema ou um livro, por exemplo) ou, mais comumente, para vender você – ou melhor, sua atenção para anunciantes. É assim que a maioria das redes sociais lucra.
Mas há algo ainda mais valioso do que sua atenção no presente: prever suas ações no futuro. Se as empresas conseguirem antecipar o que você fará nos próximos dias, semanas ou meses, terão em mãos uma mina de ouro para monetizar.
É aí que entra a chamada “economia da intenção”, impulsionada pela inteligência artificial e por chatbots.
Em dezembro de 2024, dois pesquisadores da Universidade de Cambridge, Yaqub Chaudhary e Jonnie Penn, publicaram um
a economia da intenção pode influenciar nossas crenças, plantar novas ideologias e até manipular eleições.
artigo chamado “Beware the Intention Economy: Collection and Commodification of Intent via Large Language Models” (Cuidado com a economia da intenção: coleta e mercantilização de intenções através de grandes modelos de linguagem). Eles definem essa economia como “um mercado digital para sinais comercializáveis de ‘intenção’”.
Na prática, isso significa que empresas poderão não apenas descobrir o que você pensa e o que te motiva, mas também prever seu comportamento em diversas situações. Essas informações serão vendidas para aqueles que quiserem tirar vantagem do que você fará antes mesmo de você saber.
E como essas empresas terão acesso a dados tão íntimos? A resposta está no uso de chatbots baseados em grandes modelos de linguagem.
SEUS PENSAMENTOS PODEM REVELAR SEUS PRÓXIMOS PASSOS
Esse monitoramento de pensamentos e comportamentos será facilitado pela forma como interagimos com computadores e a com a internet. Aos poucos, estamos deixando de clicar em links e passando a conversar com assistentes virtuais e chatbots.
Usando IA, as empresas poderão prever com precisão suas futuras ações. Essas previsões serão então vendidas para anunciantes, que criarão campanhas personalizadas com base no que você pretende fazer. E esses anúncios vão aparecer de forma sutil, dentro de conversas aparentemente normais com seu chatbot favorito.

No artigo, os pesquisadores explicam: “na economia da intenção, um modelo de linguagem pode, a baixo custo, cruzar fatores como ritmo de fala, posicionamento político, vocabulário, idade, gênero e preferências do usuário com lances intermediados, maximizando as chances de atingir um objetivo – como vender um ingresso de cinema, por exemplo.”
Esse nível de publicidade personalizada baseada em intenções futuras vai muito além dos anúncios direcionados que conhecemos hoje, que ainda dependem de dados mais simples, como idade, localização e histórico de navegação.
Mas a economia da intenção não se limita a tornar os anúncios mais invasivos e a corroer ainda mais nossa privacidade. Ela também pode influenciar nossas crenças, plantar novas ideologias e até manipular eleições.
"A ORIGEM", MAS COM IA NO LUGAR DE SONHOS
Além de prever suas ações, os chatbots podem ser usados para influenciar seus pensamentos e persuadi-lo a agir de acordo com os interesses de empresas, anunciantes e até governos.
“Hoje, agentes de IA já encontram formas sutis de manipular suas motivações – como imitar seu jeito de escrever para parecerem familiares ou antecipar o que você diria, com base no comportamento de outras pessoas parecidas com você. A economia da intenção vai desafiar as normas democráticas ao submeter os usuários a formas ocultas de redirecionamento, intervenção e exploração de sinais de intenção.”
É basicamente o filme “A Origem”, de Christopher Nolan, mas, em vez de usar sonhos para influenciar suas decisões, a economia da intenção vai usar inteligência artificial.

Os pesquisadores explicam: “[os grandes modelos de linguagem] proporcionam um nível de controle sobre a personalização de conteúdo que muitas vezes se disfarça em interações antropomórficas. O potencial de manipular indivíduos e grupos supera, e muito, os métodos rudimentares usados no escândalo da Cambridge Analytica, que dependiam apenas de ‘curtidas’ no Facebook.”
O estudo conclui que a ascensão de sistemas de IA generativa funcionando como “mediadores da interação humano-computador” marca a transição da economia da atenção para a economia da intenção. Se essa previsão estiver correta – e tudo indica que está –, essa nova era já está começando.
Os pesquisadores alertam que essa mudança vai abrir caminho para que diferentes atores influenciem as decisões humanas de formas inéditas. Isso pode afetar profundamente “aspirações como eleições livres e justas, uma imprensa independente, concorrência leal no mercado e outros pilares da democracia”.
É um aviso sério – e, infelizmente, os riscos são muito reais.