Do underground ao mainstream: coletivo de arte MSCHF agora é agência
CEO fala revela os motivos e inspirações por trás do lançamento e seus planos para o futuro

Você talvez já seja fã da MSCHF – mesmo sem saber.
O coletivo de arte do Brooklyn, em Nova York, passou os últimos cinco anos atraindo a atenção do mundo com seus lançamentos, como os Satan Shoes (uma versão do tênis Air Max, da Nike, com uma gota de sangue humano de verdade no solado), os Big Red Boots e até jogo para o aplicativo Venmo inspirado no reality show “Survivor”.
Com uma equipe de cerca de 30 pessoas, a MSCHF sempre adorou provocar marcas, produtos, a cultura pop e até seus próprios investidores. Ao longo dos anos, colecionou processos de gigantes como Nike e VF Corp. por transformar produtos em experimentos artísticos.
Agora, porém, o coletivo resolveu mudar de estratégia: em vez de apenas cutucar as marcas, quer trabalhar junto com elas. O grupo está lançando a Applied MSCHF, uma consultoria criativa que pretende atender de cinco a dez clientes por ano e que está reorganizando toda a estrutura do coletivo para dar vida ao projeto.
A MSCHF já havia feito colaborações pontuais – como um troféu irônico para ricos criado para a Tiffany e o carro enferrujado para a Mattel. Mas sua nova empreitada vai muito além disso: a proposta é unir marketing, design industrial, design digital e até arquitetura em uma empresa de consultoria criativa completa.
“Em vez de pagar advogados para nos processar, as marcas deveriam gastar esse dinheiro com a gente”, brinca Gabe Whaley.
MSCHF COMO SERVIÇO
Nos primeiros anos, a MSCHF ficou conhecida por criticar e debochar do capitalismo. Lançou colecionáveis provocativos, como as Kill Pills (pílulas de “suicídio” que eram apenas açúcar) e projetos artísticos ousados como “Severed Spots”, que transformou uma pintura do artista britânico Damian Hirst avaliada em US$ 30 mil em 88 minitelas.
Mesmo assim, o grupo mantinha um certo ar de mistério. Quando acompanhei sua primeira retrospectiva, na Coreia do Sul em 2023, o coletivo já tinha um acervo digno de museu e já havia conquistado fama internacional – mas seguia relativamente anônimo.
Hoje, seus fundadores são referências no meio criativo e suas produções despertam inveja em muitas marcas. O negócio, que já movimenta dezenas de milhões de dólares, é sustentado por lançamentos de produtos, que incluem tênis, roupas, colecionáveis e obras de arte.
Para criar a Applied MSCHF, o coletivo está se transformando em uma holding. As divisões de calçados, colecionáveis, moda e arte terão liderança e orçamento próprios. No centro, ficará uma equipe criativa e jurídica responsável por apoiar todas as áreas e também atender clientes externos.
“Estou muito empolgado com a ideia de explorar formatos maiores, mais complexos e talvez permanentes”
Esse modelo, explica Whaley, permitirá atrair parceiros, gerar receita e viabilizar projetos em maior escala. O cofundador Kevin Wiesner já havia dito, no ano passado, que sonhava em construir um prédio. Agora, ele quer transformar o transporte público de uma cidade inteira.
“Estou muito empolgado com a ideia de explorar formatos maiores, mais complexos e talvez permanentes”, diz Whaley, sugerindo parcerias com organizações que tenham grandes ambições.
Segundo ele, os projetos da Applied MSCHF poderão ser coassinados ou feitos em white label, indo desde consultoria até a criação de novos negócios. O pagamento também será flexível: contrato fixo, royalties ou até participação societária.
Embora tudo isso ainda soe um pouco vago, esse modelo segue uma tendência atual, na qual diretores criativos atuam quase como influenciadores. Kendrick Lamar, por exemplo, além de lançar músicas e clipes, também comanda as empresas de consultoria pgLang e Project 3. Whaley cita ainda o falecido designer de moda Virgil Abloh e sua rede de empresas e parceiros como o modelo de sucesso que a MSCHF pretende seguir.
Ele reconhece, no entanto, a contradição: o grupo que ficou famoso por criticar o consumo agora passa a alimentá-lo.
“No fim, a MSCHF usa a cultura como matéria-prima – esse é o nosso meio. Em termos mais aspiracionais, trata-se de ampliar nosso repertório com os materiais disponíveis”, diz Whaley.
“Muita gente acha que somos contra grandes marcas pelo histórico dos nossos trabalhos. Mas a verdade é que nunca houve animosidade. É que elas sempre nos deram ótimos materiais para explorar.”
A EVOLUÇÃO DA MSCHF
Com o tempo, a MSCHF também mudou a maneira como enxerga seu papel na cultura. Whaley conta que, quando conheceu jovens designers de outros países que admiram o coletivo, passou a se sentir mais à vontade em ser uma referência criativa. Hoje, os líderes do grupo dão palestras em cursos de design e participam de podcasts.
“Já entendemos que não somos mais aquele coletivo misterioso que age nas sombras”, diz Whaley. “A questão agora é: como usar isso para ampliar nosso alcance, em vez de tentar voltar ao anonimato de onde viemos?”
Para ele, a Applied MSCHF é ao mesmo tempo uma jogada estratégica e uma necessidade criativa, uma forma de equilibrar os negócios com a ousadia e a imprevisibilidade que sempre foram a marca do grupo.
A Applied MSCHF é ao mesmo tempo uma jogada estratégica e uma necessidade criativa
“Hoje vejo muito valor em não seguir essa obsessão pela efemeridade”, afirma. “Foi algo importante que marcou nossa atuação nos últimos cinco anos. Mas agora todos estão correndo atrás de seus 15 segundos de fama, e esse tempo de atenção só diminui. É uma corrida que apenas leva ao fundo do poço. Por isso, acredito que este é o momento certo para pensar em coisas mais permanentes. É isso que vai definir nossa prática artística daqui para frente: menos lançamentos-relâmpago a cada duas semanas e mais experiências de grande impacto.”
A MSCHF nunca enxergou a viralidade como um fim em si. Sempre foi um meio para criar ciclos de feedback com fãs e consumidores, que deram novos sentidos a projetos muitas vezes provocativos. Wiesner chegou a definir o grupo como um “coletivo de arte performática mediada digitalmente”, sempre se perguntando: “cada participante torna o projeto melhor?”.
Hoje, no entanto, o grupo atua em uma cultura que ele próprio ajudou a moldar – um cenário em que as próprias marcas lançam colaborações absurdas em série como parte de suas estratégias de marketing.
Não resta dúvida: a MSCHF não quer ser a única a brincar com o efêmero. Seus criativos querem continuar extrapolando limites. E, se tudo der certo, a Applied MSCHF pode se tornar a base para os trabalhos mais ousados e impactantes de toda a história do coletivo.