E se pudéssemos investir em pessoas no lugar de empresas?

Os empresários Daniil e David Liberman pretendem reduzir a desigualdade através de uma plataforma de investimento em pessoas. Uma ideia que levanta questões desconfortáveis

Crédito: Rawpixel

Shalene Gupta 4 minutos de leitura

E se pudéssemos investir em pessoas no lugar de empresas?

Os irmãos Daniil e David Liberman querem criar um mundo onde isso seja possível. No ano passado, junto com suas irmãs, Maria e Anna, fundaram a Libermans Co., uma holding que detém todos os seus ativos, investimentos, lucros e dívidas. Até o momento, está avaliada em US$ 400 milhões e eles esperam estar cotados na bolsa de valores até 2023.

Esta ideia deu origem a outra: e se todos pudessem fazer o mesmo? Agora eles estão trabalhando para criar uma plataforma chamada Humanism, que permite que se invista em pessoas.

Filhos de cientistas russos, também fazem parte da elite tecnológica. Sua startup Product Science, que torna aplicativos móveis mais rápidos, angariou US$ 17,5 milhões de 25 investidores. Para a Humanism, eles têm um fundo de US$ 15 milhões e esperam aumentá-lo para US$ 50 milhões até o final deste ano.

Os irmãos Liberman trabalham para criar uma plataforma chamada Humanism, que permite que se invista em pessoas.

O piloto do projeto, que planejam abrir ao público no ano que vem, incluirá de 20 a 30 fundadores de empresas de tecnologia escolhidos a dedo. Sua lógica, em parte, é sustentada por uma estatística de 2010-2011 da aceleradora de startups Y-Combinator: apenas 5% das empresas foram avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão, mas 11% dos fundadores criaram startups que atingiram este marco. Então, por que não simplesmente investir em fundadores?

“O crédito é muito caro quando se é jovem”, explicam os irmãos. Eles esperam reduzir as desigualdades, permitindo que os fundadores acessem capital mais barato, através de investidores.

FUNDADORES COMO EMPRESAS C

Espera-se que os fundadores do grupo inicial se incorporem a uma empresa C, ou C-corp, onde serão proprietários totais, e assinem um contrato de compromisso que defina as atividades profissionais, mas não pessoais.

“Queríamos começar com um grupo familiarizado com investimentos”, contam os irmãos Liberman. O projeto piloto permitirá que eles resolvam problemas, como proteger os indivíduos da pressão dos investidores, para que não tentem seguir o ritmo do preço das ações, como CEOs costumam fazer. O plano é alcançar potenciais investidores por meio da mídia.

Mas também sonham em estender esse grupo a todas as profissões: médicos, advogados ou artistas. É aí que surgem inúmeras perguntas e o conceito se torna mais denso.

A ideia é reduzir desigualdades, permitindo que fundadores acessem capital mais barato, através de investidores.

Com base na educação formal e na profissão (e com os dados certos), é possível ter uma boa ideia de quanto alguém ganhará ao longo da vida e como criar uma avaliação para essa pessoa – por exemplo, olhando a diferença salarial entre um taxista e um médico,

Por razões legais, os irmãos Liberman estão começando com fundadores adultos. Mas, com o tempo, quando tiverem uma melhor compreensão de quais regulamentos devem implementar, esperam incluir estudantes do ensino médio, para que possam pagar pela faculdade e abrir empresas.

QUANTIFICANDO TUDO

Recentemente, o cirurgião geral Vivek Murthy, autoridade máxima em saúde pública dos EUA, citou o uso irresponsável de mídias sociais como um dos fatores que agravam a crise de saúde mental entre jovens. Como a Humanism se encaixa nisso, já que as pessoas literalmente saberiam o valor em dinheiro de suas vidas?

“Esta é uma pergunta válida”, responde Daniil. Primeiro, ele sugere a limitação dos dias de negociação de ações, para que as pessoas não pensem em sua avaliação 24 horas por dia. Mas ressalta que há uma dimensão diferente para a saúde mental: o acesso à riqueza. As gerações mais jovens têm muito menos poder aquisitivo do que seus pais na mesma idade. E a Humanism pode mudar isso, afirma.

A premissa da Humanism levanta uma questão desconfortável da forma mais direta possível – quanto vale cada ser humano?

Por fim, eu quis saber, como garantiriam que isso não agravasse as desigualdades existentes. Vivemos em um mundo onde as pessoas são valorizadas de forma diferente por várias razões: cor da pele, gênero, sexualidade, diplomas.

Daniil reconhece que eles não têm todas as respostas, mas cita planos de criar um fundo de índice no futuro, onde as pessoas seriam agrupadas, para que os investidores não conheçam seu gênero ou raça, por assim dizer, e invistam em um grupo inteiro.

BOM PARA QUEM?

Ainda assim, enquanto os irmãos falavam, não pude deixar de pensar que a Humanism parecia boa apenas para pessoas como os próprios Liberman: gente que sabe lidar com dados, capaz de arrecadar dinheiro, pessoas com grandes sonhos.

As empresas de tecnologia mudaram, de fato, o mundo tal como o conhecemos. O Facebook queria criar um mundo mais conectado, e agora todos podemos ver as fotos do gato da vovó, mesmo que também vivamos em um mundo mais dividido e polarizado por algoritmos que priorizam publicações que geram mais raiva.

O Instagram queria construir uma comunidade e o fez, mas também causou impactos negativos na nossa autoestima. O Airbnb queria criar um mundo onde as pessoas pudessem pertencer a qualquer lugar. Hoje, podemos nos hospedar em residências nas Ilhas Faroé, por exemplo, mas os preços dos aluguéis dispararam e há escassez de moradias.

A premissa da Humanism levanta uma questão fundamentalmente desconfortável da forma mais direta possível: quanto vale cada ser humano? Os irmãos Liberman têm algumas respostas, mas não todas.


SOBRE A AUTORA

Shalene Gupta é jornalista e escritora, co-autora do livro "The Power of Trust: How Companies Build It, Lose It, Regain It". saiba mais