Educação é caminho para mudar a narrativa sobre Cannabis medicinal no Brasil

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 6 minutos de leitura

Em 2008, quando já atuava na área de comunicação voltada para o segmento de saúde, João Consorte, atual CEO da McCann Health, viu-se diante de um desafio único. Um de seus clientes era a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e havia dados suficientes para comprovar que, embora o exame de toque fosse importante no ciclo de detecção do câncer de mama, quando usado sem o suporte de outros métodos sua eficácia era duvidosa, e podia levar a cerca de 20 a 30% de falsos diagnósticos negativos. Era preciso, àquela altura, diante da escalada de mortes associadas à doença no Brasil, esclarecer informações sobre o uso da mamografia como uma ferramenta mais segura de investigação e diagnóstico precoce, ampliando as chances de cura. Inspirados pelo conceito associado a uma corrida realizada no mês de outubro nos EUA batizada de “outubro rosa”, ele e sua equipe desenvolveram uma campanha cuja embaixadora era a jornalista Gloria Maria, com o conceito “Mulher consciente não aceita informação pela metade”, que incluiu um forte trabalho de PR e a inédita iluminação — rosa — de monumentos em grandes cidades, entre eles o prédio da Bienal (SP) e o Cristo Redentor.

João Consorte (crédito: divulgação)

“Tudo girava em torno de transmitir uma mensagem que pudesse alcançar a massa e fosse de fácil entendimento”, relata Consorte.

Em 2010, o câncer de mama pulou de quinto para primeiro lugar lugar em detecção. Hoje a simbólica luz rosa, bem como o conceito atrelado a ela, estendeu seus domínios para além da Femama.

“Virou um conceito da população e esse é um legado importante da conversa iniciada em 2008”, ele conclui. 

Experiências como esta provam que a educação — neste caso pela via da comunicação — pode ser um poderoso instrumento na área de saúde. Especialmente em tempos de fake news e desinformação. Porque no fundo, combater a desinformação e as notícias falsas passa pelo ajuste da narrativa para além do senso comum. A história da Cannabis vem, historicamente, carregada de elementos controversos e preconceituosos, e foi, assim, sendo sabotada por interesses de diversas ordens. Aos poucos,  dados confiáveis e informações comprovadas cientificamente abrem caminho para novos discursos, transformadores de realidades.   

Em pleno 2021, quando o Brasil vive a lenta e gradual liberação de medicamentos à base de Cannabis — saindo do cenário da completa proibição para a abertura do diálogo e do acesso — Consorte acredita que a comunicação é será uma das ferramentas mais potentes para espalhar conhecimento e, gradativamente, retirar estigmas negativos e tantas vezes equivocados em torno já comprovado potencial medicinal da planta. Recentemente, a agência desenvolveu para seu cliente Ease Labs (um grupo de empresas multinacionais com foco na distribuição e no desenvolvimento/ produção de produtos à base de cannabis) a campanha “Ciência da Cannabis”, cujo objetivo era desmistificar o preconceito em relação ao uso científico da Cannabis. Nos anúncios, belíssimas capturas microscópicas das folhas da Cannabis são acompanhadas do título “A Cannabis tem ciência que a própria ciência não conhecia” , com a intenção de amplificar o olhar pelo viés da ciência. A campanha foi premiada em diversos festivais de comunicação, entre eles o “Clio Cannabis Awards”, no qual levou sete troféus. 

Consorte diz que a ideia da campanha é aproximar a natureza da ciência e vice-versa. 

Ciência da Cannabis, by McCann Health 

“A ciência é derivada da natureza, e quando comunicamos isso de uma maneira mais clara conseguimos educar, especialmente sobre as muitas nuances da planta”, diz.

Em 2019, a Anvisa liberou o registro do canabidiol, mas poucas empresas entraram com o pedido de registro do produto. A primeira delas foi a Prati Donaduzzi, que produz hoje algumas versões de sua solução de canabidiol com CBD isolado, o fitofármaco Canabidiol Prati Donaduzzi, já vendido sob prescrição médica e cuja versão mais concentrada (200mg/ml) pode chegar a custar R$ 2.375,00 em farmácias. Já a Easy Labs, cliente da McCann Health, tem hoje, segundo Consorte, em fase de protocolo de registro junto à Anvisa, um produto fitoterápico (que não isola elementos da planta, como no caso dos fitofármacos), e que se aprovado terá um custo mais acessível.

“O canabidiol é um produto incrível, de eficácia comprovada em inúmeros países, mas dependendo de como ele é produzido, pode perder o viés técnico-científico e cair no descrédito. Por isso o Brasil caminha a passos não muito largos nessa área, considerando as inúmeras questões polêmicas inerentes a um país como o nosso.  Fazer as coisas de maneira atabalhoada pode prejudicar a reputação de um produto que tem, comprovadamente, eficácia científica. Não é sobre fumar maconha na esquina que estamos falando”, diz. 

E justamente porque a conversa em torno do uso medicinal da Cannabis precisa se descolar do seu uso recreativo é que a educação se faz necessária, valendo-se tanto de campanhas de comunicação, quanto da educação mais “formal” via cursos, hoje existentes em diferentes formatos e propostas e que servem não só para a qualificação profissional, como para ampliar o debate em torno do tema. E ajudar a combater, com conhecimento, as muitas armadilhas da enxurrada de fake news e desinformação que são, infelizmente, velhas conhecidas da área de Saúde como um todo. 

UMA PÓS GRADUAÇÃO EM CANNABIS MEDICINAL

Em março deste ano, um grupo de especialistas lançou a primeira pós graduação do país em Cannabis Medicinal, validada pelo MEC, com docentes que fazem parte da cena canábica dentro e fora do Brasil. A ideia de uma formação Lato sensu e multiprofissional nasceu em janeiro de 2019, após o sucesso do curso de férias sobre Sistema Endocanabinoide do Prof. Lauro Pontes na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.

O grupo formado pelo psicólogo Lauro Rodriguez Pontes, pela médica Jackeline Barbosa e pela historiadora Clara Holanda decidiu que era o momento de formar especialistas no tema, e construiu o programa de ensino com esse foco – logo redesenhado para tornar-se integralmente digital, com metodologias inovadoras do grupo de educação médica Inspirali (e apoio da OnixCann) voltadas para a construção da aprendizagem adulta, apoiada por facilitadores, todos Mestres ou Doutores qualificados nas metodologias ativas.

Sidarta Ribeiro (crédito: divulgação)

Fazem parte do grupo docente da Pós nomes como o neurocientista Sidarta Ribeiro, os médicos Ana Hounie, Eduardo Faveret e João Menezes, o neurocientista Fabrício Pamplona, o aromatólogo Fabian Lászlo, o jornalista Evandro da Conceição,  a farmacêutica, especialista em inovação, pesquisa e desenvolvimento de medicamentos Camila Abreu, e o  engenheiro agrônomo especialista em cultivo de plantas medicinais e Cannabis Dennys Zsolt. 

“Sempre acreditamos na educação como forma de alcance do saber, diminuindo preconceitos e quebrando paradigmas. O curso foi criado a partir do nosso sonho de fazer a Cannabis sair do lugar marginal onde foi colocada, e alcançar todo o potencial que possui, não apenas como planta medicinal, mas como fonte de energia, nutrientes, insumos, e diversas outras aplicações, através da educação 360 graus.”, diz Jackeline Barbosa, coordenadora de ensino da Pós. Para montar o programa da Pós o grupo partiu de aspectos sócio-históricos, jurídicos, ambientais, botânicos e farmacológicos até chegar às trilhas de conhecimento e aplicações específicas.

“Queremos qualificar especialistas que realmente façam a diferença em suas áreas de atuação”, diz Jackeline.

O balanço até aqui, segundo ela, é muito positivo: o ano foi fechado com quatro turmas e a quinta turma será aberta para matrículas em março de 2022. 


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais