Em busca do próximo iPhone, brasileiro estimula ecossistema de celulares seminovos
Plataforma de compra e venda de celulares usados cresce na pandemia.
O Brasil tem o iPhone mais caro do mundo – mesmo em dólar. O celular da Apple é item de luxo, a ponto de qualquer possível nova feature ser tema de incontáveis publicações e discussões. Quando há lançamento de um novo modelo, filas se formam em volta das lojas. O status em torno do iPhone é tal que um mercado quase paralelo foi criado: o da venda e compra de celulares usados. Ou melhor, seminovos.
“O brasileiro é um cara super aspiracional. De fato, ele quer ter um iPhone, quer ter um Samsung. E a única forma de ter era usado”, diz o cofundador e CEO da Trocafone, Guillermo Freire. Com DNA argentino, a plataforma é líder na venda e compra de aparelhos usados no Brasil. Por aqui, já vendeu 1,5 milhão de celulares desde 2015 e tem parcerias com companhias como Vivo, TIM, Claro e Samsung.
Na América Latina, de acordo com pesquisa da Counterpoint, houve aumento de 29% nas vendas de smartphones seminovos e “refurbished” (reconfigurados) em 2021, quase o dobro da média global de 15%. De acordo com Freire, no Brasil, o crescimento é de 30%. Em parte por causa dos custos, mas também por causa do crescimento da consciência sobre sustentabilidade. “As pessoas estão percebendo que os smartphones não podem ficar parados, que eles também tem valor”, aponta Freire.
Para Freire, o que está acontecendo com os celulares é o mesmo movimento que já ocorreu com os carros. “Ninguém deixa o carro usado na garagem até virar lixo, as pessoas revendem. Com o smartphone, até então, se comprava um novo e o antigo ficava na gaveta, só esperando para virar lixo eletrônico”, compara.
A movimentação desse mercado é tal que os aparelhos usados ganharam até uma nova alcunha, “seminovos”, exatamente como os automóveis. A expectativa do IDC é que, até 2024, o mercado mundial de smartphones seminovos atinja os 354,6 milhões de aparelhos vendidos, num total de US$ 65 bilhões.
A menor variação tecnológica entre aparelhos distintos também contribui para que as pessoas fiquem cada vez mais tempo com seus celulares. Ou mesmo que optem por modelos antigos, mas de marcas “renomadas” como Apple e Samsung (as preferidas dos usuários da Trocafone).
O brasileiro passa, em média, mais de dois anos com o seu aparelho, de acordo com a pesquisa Panorama Mobile Time. Na Trocafone, os que fazem sucesso são modelos com dois ou três anos de idade.
DO FURTO AO FLUXO
A experiência que deu inicio à Trocafone foi uma que é comum a muita gente: Freire teve seu smartphone e notebook roubados. Na época, o recém pós-graduado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets) procurou comprar um iPhone 5 usado. O que era para ser uma saída menos custosa para alguém que buscava se recuperar de um furto se tornou uma grande dor de cabeça.
Além de ter demorado para achar um bom vendedor e um aparelho em bom estado, ele dificuldade na hora de acertar o pagamento, optando por pagar ao vivo ao antigo dono.
O brasileiro passa, em média, mais de dois anos com seu celular.
Ao chegar em casa, percebeu que celular não ligava e estava com problemas no conector da bateria. Ou seja, foi um golpe. “Liguei para o vendedor e para a plataforma em que tinha feito a compra, mas ninguém se responsabilizou. Tive que arrumar o aparelho”, conta.
A situação estava longe de ser única e foi o motor para a criação da Trocafone, em 2014. Desde o dia 1, o e-commerce tinha a preocupação de garantir a qualidade técnica dos aparelhos vendidos na plataforma, além de dar segurança financeira para quem estava vendendo. A empresa chegou ao Brasil no ano seguinte.
“A plataforma online era rudimentar. Nós mesmos reparávamos os aparelhos, olhando tutoriais no YouTube”, lembra Freire. Logo ao chegar no Brasil, eles estabeleceram parceria com a Samsung e viram que o trade-in trazia não só aparelhos como também pessoas interessadas.
Ao oferecer descontos em troca de aparelhos usados, os usuários trocam de celular mais vezes, o que é positivo para a marca. A Trocafone, por sua vez, recebe um número maior de aparelhos para ter em estoque.
MICROFINANCIAMENTO E SEGURO
“O B2B (business to business) foi um modelo que conseguimos escalar com diversos players no Brasil: Magalu, Viavarejo, FastShop, Vivo, Claro,TIM”, conta o executivo. A companhia também abriu lojas físicas, para que os clientes pudessem vender seus celulares, e vem testando uma máquina que faz isso. É como uma vending machine, só que a pessoa vende, em vez de comprar. A máquina escaneia o aparelho, verifica se tem avarias, identifica o modelo e dá uma estimativa de preço.
O ecossistema de compra e venda de seminovos inclui bancos, que fazem microfinanciamento para aparelhos, além de seguro. Esse último é uma fatia que interessa ao mercado financeiro, já que a procura por seguros cresceu três vezes no último ano. Estima-se que mais de 10 milhões de celulares contem com algum tipo de seguro, de acordo com a Federação Nacional dos Seguros.
A Trocafone tem usado o sistema de análise de smartphones seminovos para colocar o aparelho como um colateral em apólices de seguro. “O mercado de usados no Brasil representa 7% do total de aparelhos. Em economias mais maduras, essa fatia está em 30%. Ainda temos muito espaço para crescer”, acredita Freire.
No final, além de um grande vetor econômico, a compra de aparelhos seminovos também tem um componente ambiental, sendo um fator importante para o crescimento da economia circular. Não há nada mais sustentável do que o produto que já existe e já está rodando. E não existe iPhone mais incrível do que aquele que o usuário já tem – ou pode ter, comprando usado.