Conheça a designer de games que previu a Covid há 10 anos

De acordo com Jane McGonigal, a pandemia não era algo inimaginável. “Apenas não havia pessoas falando publicamente sobre o assunto.”

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Next Big Idea Club 4 minutos de leitura

Em janeiro de 2020, quando o coronavírus começou a aparecer nas manchetes em todo o mundo, a caixa de entrada de Jane McGonigal foi inundada por e-mails de executivos do Vale do Silício, funcionários do governo e líderes de organizações sem fins lucrativos. Todos com a mesma pergunta: “Jane, você não fez uma simulação de uma pandemia de doença respiratória?”

Sim, ela havia feito. Lá em 2010.

McGonigal é uma designer de games. Ela desenvolve simulações que ajudam a imaginar o inimaginável. Em 2010, convidou quase 20 mil pessoas para se aventurar por um mundo fictício assolado por uma pandemia global. “Quais hábitos você mudaria?” ela questionava. “Que interações sociais evitaria? Você poderia trabalhar de casa?”

Uma década depois, quando a Covid-19 passou de uma ameaça local para uma crise global, McGonigal começou a receber mensagens de pessoas que participaram da simulação. “Não estou surtando”, disse uma delas com alívio. “Já superei todo o pânico e a ansiedade quando participei da simulação há 10 anos.”

De acordo com as mais recentes pesquisas em psicologia e neurociência, todos nós podemos aprender a não entrar em pânico e agir com equilíbrio treinando nossos cérebros para refletir sobre o impensável. Mas como é esse treinamento? Em seu novo livro, “Imaginable” (Inimaginável), McGonigal compartilha técnicas com base em evidências que você pode usar para imaginar como será o futuro.

Como você passou de desenvolvedora de jogos para futuróloga?

Em 2001, quando estava entrando no doutorado, comecei a refletir sobre como jogos online poderiam trazer soluções para os problemas do mundo real. Mas, naquela época, não havia muitos jogos que realmente lidassem com os desafios do mundo.

todos podemos aprender a não entrar em pânico e agir com equilíbrio treinando o cérebro para refletir sobre o impensável.

Após estudar o tema por seis anos, decidi que seria responsável por dar vida a esses jogos e ajudar a aplicar soluções em contextos do mundo real. E o contexto em que acabei me concentrando foi tentar antecipar futuros difíceis de prever, para que pudéssemos descobrir quais seriam os riscos e oportunidades inesperadas. E é exatamente isso que faço há 15 anos.

Pode compartilhar alguns detalhes do que você e sua equipe fizeram?

2020 foi um ano muito estranho para futurólogos. Meu trabalho no Institute for the Future envolveu a criação de simulações sociais. Em 2010, convidamos milhares de pessoas para passar semanas em uma rede social privada. Ela era como o Twitter, o Facebook ou o Discord, mas tudo que era postado e compartilhado era sobre um futuro hipotético.

Este futuro se passava entre 2019 e 2020; e naquela época, nossa simulação se concentrava em como sobreviveríamos e nos adaptaríamos a uma pandemia respiratória que se iniciou na China e que, a partir de lá, teve um efeito cascata. Não víamos o cenário sob uma perspectiva de saúde pública ou de epidemiologia, apenas.

Também pensávamos em como sobreviver e nos adaptar às interrupções na cadeia de suprimentos, à desinformação e às teorias da conspiração nas redes sociais, além de incêndios florestais e ondas de calor extremas devido às mudanças climáticas. E foi exatamente isso que vivemos em 2020.

Em 2010, a designer convidou quase 20 mil pessoas para se aventurar por um mundo fictício assolado por uma pandemia global.

O que me deixou meio angustiada por um tempo, e me fez querer escrever Imaginable, foi a massiva veiculação de notícias e manchetes usando a palavra “inimaginável” para descrever a pandemia e suas consequências. Mas estava longe de ser algo que não poderíamos imaginar. Apenas não havia pessoas falando publicamente sobre o assunto.

Em uma de nossas simulações, tivemos 20 mil participantes e, em outra, oito mil. Minha meta é chegar a 20 milhões – acredito que isso ajudaria a nos preparar para o futuro.

Quais cenários futuros você acha que as pessoas deveriam considerar?

Coisas às quais devemos estar atentos: restrições de acesso à internet impostas por governos são ações que estão se espalhando por todo o mundo. Se você não está ciente desse fenômeno e não está preparado para viver semanas ou meses com o governo desligando a internet, isso é algo para se pensar.

Precisamos nos preparar para viver semanas ou meses com o governo desligando a internet.

Outra questão é a migração climática. Temos que estar dispostos a refletir sobre os riscos futuros de onde vivemos. Moramos em um lugar seguro e resiliente ao clima e que provavelmente receberá outros que estão migrando de regiões inseguras? Se sim, devemos estar preparados para um crescimento na densidade urbana e a acolher pessoas que foram deslocadas à força.

Também devemos refletir sobre o que fazer caso sejamos nós que precisemos migrar. Isso é algo que todos os futurólogos sérios pensam – os movimentos migratórios dentro de um mesmo país ou para além de suas fronteiras. Como oferecer suporte econômico, social e psicológico? Como se sentir em casa em um novo lugar?

Esse é um tema problemático que exige muita imaginação, inovação e criatividade. Se eu pudesse fazer com que todas as mentes mais inteligentes do planeta trabalhassem em algo juntas, seria pensando nesses movimentos. Esse é o cenário futuro que mais se beneficiaria da nossa imaginação, e também da inovação.

Este artigo foi publicado originalmente na revista Next Big Idea Club.


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