Estar 24 horas online está esgotando líderes (e muitos não percebem)
Chega um momento em que é preciso se perguntar: “vale mesmo a pena?”

Resolver problemas, enfrentar desafios e lidar com situações difíceis traz uma dose de adrenalina. Muitos líderes afirmam se sentir mais focados e vivos sob pressão. Nos bastidores, alguns admitem que gostam da chance de se superar, tomar decisões rápidas e ser o “herói” que salva o dia. Mas qual é o preço disso?
No mundo dos negócios, é comum associar estar sempre disponível e trabalhando sem parar a comprometimento e relevância. Existe quase um “código de honra” implícito que reforça a ideia de que, quanto mais você se entrega ao trabalho, mais importante e valioso é. Levar-se ao limite acaba sendo visto como uma prova de lealdade.
O médico canadense Gabor Maté, que passou décadas estudando estresse e trauma, afirma que o estresse crônico é um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento de várias doenças, de distúrbios autoimunes ao câncer. Ele explica que o estresse desregula os sistemas hormonal e imunológico, deixando o corpo mais vulnerável. E há um aspecto pouco discutido: reprimir emoções aumenta ainda mais esse estresse.
É verdade que se desafiar e ir além dos próprios limites pode fortalecer a resiliência e a perseverança. Mas qual é o preço de viver em estado constante de alerta, sem nunca conseguir relaxar? Muitas vezes, essa “dependência” de crises cria um ciclo viciante, em que a euforia da conquista disfarça um desgaste profundo e um desequilíbrio interno.
Por mais gratificante que seja conduzir a equipe ao melhor trimestre da história, viver sempre no “modo alerta” impede o corpo de voltar ao equilíbrio. Com o tempo, isso pode resultar em problemas como distúrbios gastrointestinais crônicos, dores de cabeça e risco aumentado de infarto e derrame.
Pense em um jardim. Quando você cuida dele regularmente – regando, retirando ervas daninhas, garantindo exposição adequada ao sol –, ele cresce, com flores bonitas e colheitas abundantes. Mas, se o deixa de lado por muito tempo, as plantas enfraquecem, as ervas daninhas tomam conta, o solo perde nutrientes e as pragas aparecem. O estresse constante age da mesma forma sobre o corpo – e, com o tempo, seus sistemas internos começam a falhar.
O impacto que a exposição contínua aos hormônios do estresse pode ter é grande
Os números mostram claramente o impacto que a exposição contínua aos hormônios do estresse pode ter:
Segundo a pesquisa sobre bem-estar “CEO Health Wellness Survey”, da Echelon Health, 58,97% dos CEOs e altos executivos têm risco aumentado de problemas cardiovasculares e 35,90% sofrem de pressão alta – um dos principais fatores de risco para doenças cardíacas.
Em outro levantamento da Tailored Health com executivos seniores, 48% apresentavam uma ou mais doenças crônicas, contra 35% da população geral. Mais especificamente, 32% tinham pressão alta e 28% colesterol elevado.
O estilo de vida piora ainda mais o problema: 73% dos executivos levam uma vida sedentária, aumentando bastante o risco de doenças cardíacas. Além disso, 40% são obesos – e todos tinham pelo menos mais um fator de risco cardiovascular.
Chega um momento em que é preciso se perguntar: “vale mesmo a pena?”.
DO MODO SOBREVIVÊNCIA A UMA RELAÇÃO SAUDÁVEL COM O TRABALHO
Depois de 20 anos trabalhando com líderes nesse exato contexto, aprendi que a mentalidade de “salvador” – estar sempre resolvendo problemas e provando seu valor – acaba ficando enraizada no sistema nervoso.
Diferente de outras funções, os líderes carregam não apenas sua própria performance, mas também a de suas equipes, organizações e, às vezes, até setores inteiros. É fácil deixar a própria saúde de lado quando os resultados estão em jogo.
Mas existe outro caminho – e ele não exige abrir mão da ambição nem do impacto.
Os melhores líderes que conheço estabelecem limites claros entre vida pessoal e profissional
O primeiro passo é perceber os sinais que o corpo está enviando: aquele cansaço do meio da tarde que nem café resolve, a ansiedade de domingo à noite que rouba o sono, a impaciência com a família depois de um “dia de sucesso”. Todos esses são alertas de que é hora de mudar.
Os melhores líderes que conheço estabelecem limites claros entre vida pessoal e profissional – não como um luxo, mas como uma estratégia para manter a alta performance. Eles entenderam que práticas como meditação e técnicas de respiração profunda não são “bobagem”, mas sim ferramentas essenciais para liderar com eficiência.
E aqui está o ponto-chave: precisamos redefinir o que significa ter sucesso. E se, em vez de supervalorizar a correria, passássemos a priorizar a performance sustentável? E se reconhecêssemos que a saúde é o ativo mais valioso – mais importante que qualquer contrato, trimestre ou meta? Delegar e confiar na equipe não é perder o controle, mas sim ampliar o impacto e a capacidade de entregar resultados.
A saúde mental também precisa estar no centro dessa mudança. Coaching e terapia devem ser vistos como investimentos estratégicos, tão importantes quanto qualquer outra área do negócio. Participar de grupos com outros líderes que enfrentam desafios semelhantes pode criar um espaço seguro para se abrir e falar sobre o custo real de viver em crise constante. Desenvolver inteligência emocional e habilidades de gestão do estresse é algo que nenhum MBA ensina – mas que pode salvar carreiras e vidas.
Seu corpo não é uma fonte inesgotável de energia. Não é uma máquina que pode ser usada até quebrar e substituída. Ele precisa de cuidado, atenção e descanso de verdade.