Banco de dados interativo permite avaliar conduta policial

Crédito: Fast Company Brasil

Talib Visram 4 minutos de leitura

Os EUA estão pleiteando uma reforma na polícia do país, mas o debate sofre com a presença de informações desencontradas. Isso ocorre porque os dados sobre a conduta policial e seus impactos muitas vezes não existem, são difíceis de encontrar ou são coletados pela própria instituição. Mas agora, uma plataforma pública de dados e análises sobre a atividade policial pode servir como base — e ajudar as comunidades a fiscalizar, identificar excessos e defender políticas melhores.

O aplicativo interativo Justice Navigator é o resultado de uma colaboração entre o Center for Policing Equity (CPE) — uma organização sem fins lucrativos que coleta e analisa os dados sobre uso da força policial, blitz de veículos e abordagens de pedestres — e a Google.org, o braço filantrópico da Big Tech. Desde o brutal assassinato do adolescente Trayvon Martin, na Flórida, em 2012, o CPE vem coletando dados e publicando extensos relatórios no National Justice Database. A nova ferramenta será capaz de transformar esses relatórios gigantes e exaustivos em análises visualmente atraentes e palatáveis, permitindo que as pessoas vejam claramente as diferenças da abordagem policial entre raças.

(Crédito: cortesia da Justice Navigator)

“O Justice Navigator é uma maneira completamente nova de acessar não apenas os dados, mas a análise deles”, diz Phillip Atiba Goff, cofundador e CEO do CPE. “Já [está] disponível tanto para agentes da lei que desejam promover mudanças quanto para comunidades que desejam responsabilizá-los e reivindicar melhores políticas.”

O problema era o fato de que os relatórios, com milhares de páginas, demoravam meses para serem produzidos e eram longos e difíceis de entender. A Google.org juntou-se ao projeto em 2017, interessada em trabalhar com o CPE que “[apesar de] pequeno e fragmentado”, tinha “uma meta ambiciosa de repensar a segurança pública”, afirmou Maab Ibrahim, que lidera as iniciativas de justiça racial e inclusão da Google.org. A organização contribuiu com uma equipe de 10 profissionais e um investimento de US$ 5 milhões para ajudar na produção desses relatórios, reduzindo pela metade o tempo de processamento. Agora, depois de uma série de novos investimentos, um segundo time de 14 profissionais da Google.org construiu o site interativo para transformar “relatórios em PDF em algo muito mais fácil de entender, navegar e replicar”, destaca Ibrahim.

(Crédito: cortesia da Justice Navigator)

Os dados se concentram especificamente nesses três objetivos — entender, navegar e replicar –, já que isso torna a compreensão mais fácil e, acima de tudo, ajuda a analisar ocorrências em diferentes grupos raciais. “A simples produção de dados pode levar a uma maior polarização ideológica”, afirma o CEO do Center for Policing Equity. “E isso não traz segurança à população negra. Apenas contribui para deixar todos nós com mais raiva.”

Agora também é possível ver o que está contribuindo para esses números. Por exemplo, em Sacramento, na Califórnia, mesmo depois de considerar as taxas de criminalidade, pobreza e tamanho da população negra, o resultado mostrou que negros ainda sofrem violência policial 4,4 vezes mais do que brancos.

O CPE trabalha diretamente com os departamentos de polícia para acessar as informações, explica Goff, uma vez que os dados nacionais sobre crimes são extremamente escassos. A Google.org conseguiu programar computadores para encontrar com eficiência sinais de potenciais negligências ou distorções em relatórios policiais. “Se você vir um estado, como por exemplo o Mississippi, afirmar que não fez uso da força contra pessoas negras nos últimos três meses, mas registrar vinte ocorrências de uso da força por mês, provavelmente a afirmativa é falsa”, aponta Goff. “O Google nos tornou capazes de confiar na aplicação da lei – ou, ao menos, capazes de saber quando não podemos confiar nela.”

Os relatórios costumavam ser repassados exclusivamente aos departamentos de polícia e apenas tornados públicos a critério deles. Mas desde os protestos contra a violência policial no último ano, a demanda por transparência é muito maior. A CPE decidiu, portanto, tornar público todo o seu trabalho, na esperança de contribuir para que comunidades lutem pelo que precisam (como equidade racial). Após trabalhar com os dados do CPE, por exemplo, o Departamento de Polícia de Berkeley, na Califórnia, limitou a fiscalização em áreas de pouco tráfego para reduzir as disparidades raciais.

A ferramenta foi lançada em setembro, com dados e análises sobre San Diego e Sacramento, e mais de cem relatórios do National Justice Database ainda serão publicados. O CPE e a Google.org querem dar o devido tempo para divulgar os dados para a sociedade, já que é irresponsável apressar as análises. “Nunca esperam pelos dados quando querem punir a comunidade negra”, contesta Goff. “Nosso objetivo é dar a ela as ferramentas que precisa para fazer justiça.”


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais