Miami se autodeclarou a “capital das criptomoedas”. Mas o que significa isso?

Crédito: Fast Company Brasil

Ryan Broderick 4 minutos de leitura

Em janeiro de 2021, o prefeito de Miami, Francis Suarez, foi ao Twitter para anunciar sua cidade como a nova meca das criptomoedas. “Miami acredita no #Bitcoin”, tuitou, “e estamos trabalhando dia e noite para transformar nossa cidade em um centro de inovação em criptomoedas”.

Não eram apenas palavras vazias: naquele mesmo ano, Suarez lançou o MiamiCoin, uma criptomoeda que gerou US$ 5 milhões para a cidade desde então. Livre de imposto estadual e com taxa corporativa de apenas 5,5%, não foi difícil ver o apelo que um lugar apelidado de The Magic City pode ter para uma indústria ainda recente.

Parece estar funcionando. A gigante de criptomoedas Blockchain.com, por exemplo, deixou a cidade de Nova York e alugou um escritório enorme na cidade no início deste ano. “Há bastante incentivo para tornar novos lugares hot spots”, diz a economista Jodi Beggs. “Aparentemente, é o que Miami está fazendo.”


No início de abril, em um evento chamado Bitcoin Conference 2022, a maior convenção de criptomoedas do mundo realizada em Miami, Suarez estava presente novamente. Mas, para torná-la uma cidade criptográfica, tanto o conceito quanto a própria cidade têm um longo caminho pela frente. 

“Já circulava o pensamento de ‘por que não levar nossa atividade financeira não tradicional para lugares com condições melhores?’ E acredito que esse movimento em Miami vem justamente disso.”, diz Jodi.

No entanto, a realidade não corresponde ao hype criado com os tuítes de Suarez. Miami está em quinto lugar nos Estados Unidos em investimento em criptomoedas, segundo a Bloomberg. Além disso, o aclamado MiamiCoin obteve retornos fracos para seus primeiros usuários.

Para piorar as coisas, o Bitcoin Conference deste ano não foi o sucesso que muitos esperavam. Mr. Whale, um perfil no Twitter sobre rastreamento de criptomoedas com meio milhão de seguidores, avaliou o evento como um “fracasso completo”. “Além de mais de 70% dos assentos estarem vazios, muitos dos convidados mais esperados nem ao menos compareceram”, tuitou Whale.

Mas há questões maiores aqui: uma cidade que tenta adotar o Bitcoin de forma institucional é, indiscutivelmente, contrária à própria natureza da criptomoeda, cujo apelo é não estar vinculada a nenhum governo específico. Outro problema para uma cidade criptográfica é que ninguém quer gastar seus Bitcoins.

“Se a expectativa é que sua criptomoeda dê retorno, usando-a de forma especulativa, você não vai querer comprar [nada com ela]”, explica Beggs.

“NÃO TEM ESSA DE TRUQUES AQUI”

Se a pessoa quiser fazer um real uso para o Bitcoin, existem alguns restaurantes na cidade que o aceitam. Mas, ao fazer uma pesquisa no Google por “Bitcoin em Miami” vemos, sobretudo, caixas eletrônicos espalhados por toda parte. Embora encontrar algum deles seja praticamente impossível.

Em Miami Beach, havia quatro caixas eletrônicos Bitcoin, mas os terminais estavam escondidos em minimercados e instituições financeiras na Washington Avenue. Encontrá-los é difícil e usá-los é ainda mais complicado.

Todos os quatro caixas eletrônicos na Washington Avenue exigiam uma conta especial e uma carteira criptográfica que correspondia ao caixa eletrônico que você desejava usar. O que significava que teria que transferir seu Bitcoin de sua carteira para uma nova antes de poder realizar qualquer transação.

Além disso, a maioria dos caixas eletrônicos não continha dinheiro, ou seja, mesmo se você tivesse a conta e a carteira necessárias para ativá-lo, tudo o que poderia fazer seria comprar Bitcoin, algo que se pode fazer facilmente na maioria dos aplicativos de criptomoedas.

Encontrar caixas eletrônicos em Miami Beach é difícil. Usá-los é ainda mais complicado.

Mas a Washington Avenue não é o verdadeiro coração do boom de criptomoedas da cidade. Wynwood, um antigo centro industrial, está sendo transformado em “Silli-coin Valley” (um trocadilho com Vale do Silício e Bitcoin). A região abriga um museu de selfies, uma organização sem fins lucrativos chamada Crypto Corridor e o Blockchain Institute of Technology. Mas, mesmo lá, é difícil encontrar alguém que realmente utilize Bitcoins.

Na verdade, parece haver um enorme receio e descontentamento da população que trabalha e vive na cidade, em meio às intermináveis ​​conferências de criptomoedas. Ocorrerão pelo menos mais 15 grandes eventos do tipo em Miami até junho.

Uma residente de Miami Beach chamada Nicole, que mora perto do centro de convenções que recebeu o Bitcoin Conference 2022 no início de abril, não tem vergonha alguma em expressar opinião contrária à recente tentativa de transformar a cidade em um centro de criptomoeda.

Ela afirma acreditar que Suarez só está fazendo isso porque investe de forma pesada em Bitcoin, não por realmente desejar que uma moeda descentralizada ganhe espaço na cidade. Em novembro do ano passado, Suarez disse que receberá todo o seu salário, no valor de US$ 97 mil, em Bitcoin, embora essa não seja sua única fonte de renda – ele também é advogado.

“[Investidores de criptomoedas] estão muito autoconfiantes”, diz Nicole. “Eles acreditam ser especiais por causa dessa tecnologia. Mas sou meio conservadora quanto a isso. Ainda acredito em dinheiro físico. Algo que vem e vai e que pode desaparecer em segundos me parece mais um jogo de azar do que qualquer outra coisa.”


SOBRE O AUTOR

Ryan Broderick é jornalista e escreve sobre tecnologia e cultura cibernética. saiba mais