Por que limpar a pegada de carbono da criptografia é importante

Crédito: Fast Company Brasil

Connie Lin 5 minutos de leitura

A tecnologia blockchain está chegando com tudo, mas há alguns obstáculos em seu caminho. Um deles é seu enorme impacto sobre o clima. Basta observarmos a mineração de criptomoedas. Os sistemas de pagamento por meio desses ativos financeiros digitais costumam ser o referencial mais amplamente utilizado ​​para determinar como são feitos os registros na base de dados blockchain. Contudo, já se sabe que as criptomoedas estão contribuindo cada vez mais significativamente para intensificação do efeito estufa.

À medida que essa indústria cresce, o congresso norte-americano vem finalmente discutindo  sua regulamentação. Em dezembro do ano passado, o Capitólio realizou sua primeira sessão sobre o assunto. E no último dia 20 de janeiro uma audiência no Comitê de Energia e Comércio da Câmara, intitulada Cleaning Up Cryptocurrency: The Energy Impacts of Blockchains (Limpando a Criptomoeda: Os impactos Energéticos da Blockchain, em português), reuniu executivos de mineração e dados, um professor de tecnologia e um ex-funcionário do Tesouro para debater a questão de todos os lados.

No centro do debate, pairam duas perguntas: por que a criptomoeda consome tanto carbono e como podemos diminuir esse seu apetite?

A seguir, contextualizaremos essas questões.

O PROBLEMA

Há muita conversa girando em torno das “provas de trabalho”, que se referem ao mecanismo de consenso para muitos blockchains, incluindo aqueles usados nos principais tokens de criptografia, Bitcoin e Ethereum. A prova de trabalho funciona quando os mineradores de criptomoedas – ou qualquer pessoa com um supercomputador – correm para resolver quebra-cabeças matemáticos complexos, que exigem grandes reservas de poder de processamento. Esse processo de passar alguns dados através de uma fórmula a fim de produzir um resultado chama-se hashing, e os quebra-cabeças que esses computadores estão resolvendo codificam o próximo “bloco” do blockchain – ou seja, um conjunto de transações verificadas que serão inscritas no livro digital.

Essa é uma informação muito valiosa, pois o livro-razão controla a quantidade de criptomoedas que entra na carteira digital de cada titular. Mas o cerne das finanças descentralizadas é que não há nenhuma entidade toda poderosa supervisionando essas transações, como uma câmara de compensação corporativa. Em vez disso, esse poder está nas mãos do público, que coletivamente mantém o registro do blockchain por meio de software de código aberto. A integridade desse sistema depende de um consenso em massa de 51% ou mais da rede – quanto mais pessoas fizerem hash, melhor. O incentivo, por sua vez, é financeiro: o primeiro a produzir um bloco correto e endossado por consenso é recompensado com um grande pagamento em criptomoedas. No início deste mês, o prêmio para os mineradores de Bitcoin vencedores equivalia a aproximadamente US$ 270.000, distribuídos a cada 10 minutos.

Com tanto dinheiro em jogo, a criptomoeda está sobrecarregando os mineradores – o que também significa a necessidade de mais supercomputadores funcionando a todo vapor.  Uma estimativa coloca as emissões totais de carbono da mineração de Bitcoin e Ethereum em 2021 em 78,8 milhões de toneladas, o equivalente à fumaça de escapamento de 15,5 milhões de carros na estrada.

Há também o problema do lixo eletrônico: como essa corrida entre mineradores exige ferramentas mais rápidas e poderosas, eles estão substituindo e destruindo seus equipamentos antigos, o que gera cerca de 30.700 toneladas por ano de lixo digital.

AS SOLUÇÕES POSSÍVEIS

Prova de participação: outro mecanismo de consenso, chamado de “prova de participação”, autentica o blockchain deixando uma pegada de energia muito menor. Usado por rivais do Bitcoin, como Cardano, Solana e o nascente Ethereum 2.0, a “prova de participação” também envolve uma rede de pessoas competindo para cunhar o próximo bloco de transações. Chamados de validadores, eles competem “apostando” sua própria criptomoeda em troca dos direitos. A seleção de vencedores é algorítmica e pseudoaleatória, mas tem a ver com quem colocou mais moedas por mais tempo. Outros validadores verificam, então, os blocos dos vencedores – e se corresponderem ao consenso de 51% da rede, eles recebem os pagamentos; se não o fizerem, suas apostas são cortadas como punição.

Sem a obscura solução de quebra-cabeças, a prova de participação é mais rápida e consome menos energia do que a prova de trabalho. No entanto, isso não significa que encontramos uma alternativa fácil.

Ao contrário do espírito das finanças descentralizadas (DeFi), a “prova de participação” tende à centralização em que, teoricamente, uma entidade – ou pessoa – repleta de criptomoedas poderia moldar o blockchain sozinho. Os defensores da prova de trabalho, por outro lado, afirmam que ela é o único mecanismo de verificação de blockchain testado em batalha: só em Bitcoin, ela garantiu mais de US$ 1 trilhão em ativos. Ironicamente, sua natureza de consumo de energia é fundamental: o incrível poder de computação necessário impede que os invasores monopolizem a rede de hash e verifiquem blocos inválidos.

ENERGIA MAIS VERDE 

A demanda insana de energia das provas de trabalho pode ser perversamente benéfica – ao menos é isso o que argumentaram executivos de empresas relacionadas à mineração de criptomoedas no Congresso. Eles defendem que a mineração exigiria o cultivo de recursos sustentáveis ​​como energia solar, hidrelétrica e eólica. Um deles, inclusive, argumentou que a mineração poderia oferecer um consumo básico para geradores de energia renovável que, de outra forma, não seriam capazes de vender na capacidade de produção, e mencionou que na Califórnia, em 2020, a produção de painéis solares excedeu a demanda o suficiente para alimentar 1 milhão de watts por 171 anos. A mineração também poderia aproveitar os subprodutos de energia que atualmente são desperdiçados, como as chamas de gás do petróleo de perfuração, que algumas sondas já estão explorando. Além disso, a atividade de mineração nos Estados Unidos já se agrupou em regiões com energias renováveis de baixo custo, como o Texas, onde as turbinas eólicas são abundantes, e o estado de Washington, com sua ampla energia hidrelétrica.

É claro que a questão é muito mais profunda e confusa do que isso. E, naturalmente, a audiência no Congresso mal arranhou a superfície dela.

Mesmo assim, esses debates são um bom sinal de que a criptomoeda está seguindo o caminho para as regulamentações e reformas necessárias.


SOBRE A AUTORA

Connie Lin é jornalista freelancer e colaboradora da Fast Company. saiba mais