Carne cultivada: prefere uma porção de pavão ou vai uma de crocodilo?
A Vow Food está confiante de que pode convencer as pessoas a trocar o nugget de frango cultivado em laboratório por bolinho de canguru
No Museu de Ciência Nemo, em Amsterdã, uma nova exposição exibe um item que chama a atenção: uma almôndega de mamute lanoso, uma espécie extinta. Embora seja feita com DNA real e produzida por uma empresa de carne cultivada, ninguém ainda a experimentou. Nem mesmo seus fundadores.
De acordo com a Vow Food, startup australiana responsável por produzir o alimento, o feito foi uma demonstração do que as novas tecnologias da indústria de carne cultivada em laboratório podem realizar.
A produção de proteínas incomuns tem sido o foco da empresa desde a sua fundação, em 2019. Em vez de frango, carne bovina ou suína, ela está de olho em crocodilo, alpaca e búfalo d’água.
O objetivo é oferecer algumas dessas carnes incomuns para consumidores aventureiros, que, segundo a empresa, estarão dispostos a pagar mais por experiências gastronômicas experimentais. A Vow está confiante de que essa estratégia permitirá que ela se destaque em um mercado que está rapidamente se tornando saturado.
Ao contrário da carne à base de plantas, a proteína cultivada é carne de verdade. A diferença é que ela é produzida fora do animal. As empresas realizam biópsias para obter células musculares iniciais, que são estimuladas com células de crescimento dentro de enormes biorreatores.
Os dois primeiros produtos aprovados para o mercado norte-americano, fabricados pela Upside Foods e pela Good Meat, foram ambos de frango. Mas, para a Vow, uma nova tecnologia surpreendente precisa demonstrar toda a extensão de sua capacidade. Seu primeiro produto de demonstração, para atrair investidores, foi um bolinho de canguru.
“Podemos criar e oferecer experiências que antes não conseguíamos ter”, diz Tim Noakesmith, cofundador e diretor de produtos. Ele revela que agora é tão fácil cultivar células de uma tartaruga de Galápagos quanto de uma vaca.
Noakesmisth acredita que carnes exóticas serão mais fáceis de comercializar, principalmente em comparação com o frango cultivado em laboratório. Trata-se de uma carne tão comum e conhecida que não há como não compará-la com sua versão real.
Este tem sido um grande desafio para as empresas de carne à base de plantas. A proteína cultivada, por sua vez, é mais próxima da original, pois é feita a partir das células de animais.
O pavão é uma das muitas carnes que a Vow está considerando produzir. A empresa também teve sucesso em testes com crocodilos e conta com uma extensa “biblioteca celular”, com cerca de 25 a 30 espécies.
Hoje, o preço das carnes produzidas em laboratório é tão alto que um nugget de frango cultivado é muito mais caro do que um de verdade. Porém, algumas pessoas estão dispostas a pagar mais por um produto feito de forma ética. E Noakesmith sugere que também há um mercado para novas experiências gastronômicas.
No entanto, a empresa terá que passar por processos regulatórios antes de poder lançar seus produtos. Embora duas outras já tenham recebido aprovação da FDA (agência norte-americana que autoriza a venda de alimentos e remédios) para comercializar carne de frango produzida a partir de células nos Estados Unidos, elas ainda precisam de aprovação do Departamento de Agricultura, o que, segundo Noakesmith, será mais desafiador, dado o compromisso da agência com agricultores e pecuaristas. “Não temos esse problema com canguru”, diz ele.
A Vow apresentou planos nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia para aprovar seu primeiro produto: codorna japonesa. Ela espera lançá-lo em breve em Cingapura, que tem estado à frente em relação à aceitação da carne cultivada. A codorna foi escolhida porque cresce excepcionalmente rápido e “é incrivelmente deliciosa”, acrescenta Noakesmith.
Embora carnes incomuns possam conquistar o público em um primeiro momento, o plano para o longo prazo é outro. “Não acho que o futuro da carne [cultivada] esteja necessariamente em animais exóticos”, diz o empreendedor.
Com o tempo, ele acredita que haverá uma aceitação mais ampla de carnes diversas e que será possível alimentar mais pessoas de forma sustentável, à medida que os preços diminuem.
A partir de sua extensa biblioteca de células, a empresa poderá misturar diferentes carnes e diferentes tipos de células para criar produtos que atendam às demandas específicas dos consumidores
A Vow afirma que será capaz de combinar células com alto teor de proteína de um animal com células com baixo teor de gordura de outro; enriquecer um produto com ácido ômega-3; fortificá-lo com células com alto teor de ferro – ou até mesmo adicionar triptofano, para uma boa noite de sono.
“Podemos criar um produto nutritivo que resolva um problema específico”, diz Noakesmith. “Mas também podemos produzir algo que seja realmente delicioso.”