Como acabar com a fome em um mundo onde não falta comida

Discussões no Dia Mundial da Alimentação apontam riscos da insegurança alimentar e reforçam a importância de acelerar iniciativas públicas e privadas

Crédito: Istock

Fábio Cardo 6 minutos de leitura

O Dia Mundial da Alimentação, data promovida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ ONU) em 16 de outubro, reaquece as reflexões sobre a fome no mundo, a insegurança alimentar e as ações necessárias para garantir a oferta futura de alimentos.

De um lado, temos ameaças climáticas e sociais, inerentes às ações predatórias promovidas por empresas e pessoas. Pelo viés positivo, vemos projeções de aumento de produtividade, com mais alimentos produzidos sem aumentar a área de plantio ou para o manejo de animais.

Dados da FAO indicam que, neste momento, 3,1 bilhões de pessoas em todo o mundo não podem pagar uma dieta saudável – considerando-se a quantidade mínima de proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras necessárias.

O número de pessoas em insegurança alimentar aguda aumentou no último ano, de 135 milhões para 193 milhões. “O mundo está enfrentando vários desafios sobrepostos”, lembrou o presidente da entidade, Qu Dongyu.

Ele se referiu tanto a desastres naturais quanto aos causados pelo homem. “Alguns repetem-se anualmente, mas outros são inesperados e imprevisíveis”, decorrentes principalmente dos riscos climáticos e pragas, reforçou.

A FAO adota a defesa de duas estratégias com temas-chave: um sobre ciência e inovação e outro sobre mudanças climáticas. “Serão fatores de mudança que estimularão a implementação do Quadro Estratégico da FAO na próxima década”, disse Dongyu.

FOME E DESPERDÍCIO NO BRASIL

No Brasil temos, de um lado, abundância de alimentos e, de outro, a insegurança alimentar – uma verdadeira incoerência. É o que mostra o “Relatório Diagnóstico: Mapa da Fome e do Desperdício de Alimentos no Brasil” publicado em junho último. O estudo foi produzido pela Consultoria do Amanhã e pela Integration para a UniãoSP.

O estudo identificou que a fome afeta 33,1 milhões de brasileiros (16% da população), principalmente nos estados de São Paulo e Bahia (com aproximadamente 23% do total). Amazonas (39%) e Maranhão (37%) apresentam os maiores percentuais em relação à população do estado (os dados são de 2022).

A fome está diretamente relacionada à falta de renda, já que temos 28 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e 12 milhões de desempregados. Adicionalmente, como um fator crítico e relevante para tratar do problema, as políticas públicas são fundamentais para a solução do problema.

Generalizar também que o agronegócio nacional dá conta de suprir as necessidades alimentares dos brasileiros e erradicar a fome é algo que deve ser mais bem ponderado. Do 1,1 bilhão de toneladas de produção agropecuária no Brasil ao ano, a maior parte corresponde a monoculturas – cana de açúcar, milho, soja.

São commodities destinadas, em grande parte, à exportação, à composição de outros alimentos e às rações animais. Apenas 15% do volume total da produção correspondem a alimentos que são parte da dieta do brasileiro, o que equivale a cerca de 161 milhões de toneladas.

QUEM TEM FOME

A demografia da fome se concentra em centros urbanos (27,4 milhões), entre pessoas pretas e pardas (24,5 milhões) e em lares chefiados por mulheres (20,3 milhões). O déficit alimentar da população com fome soma um total de 7,3 milhões de toneladas por ano, o que custaria no máximo R$ 105 bilhões anuais.

Enquanto milhões não têm o que comer, 29,7% da produção nacional de alimentos é desperdiçada, por vários fatores (contra 19,3% nos EUA e 18,8% na Europa). Segundo o estudo, se aumentássemos a eficiência de aproveitamento de alimentos em 10 pontos percentuais, reduzindo o desperdício do produtor até o varejo e nos igualando à eficiência dos EUA, ainda teríamos cerca de 39 milhões de toneladas desperdiçadas por ano. Ainda assim, esse volume é 5,4 vezes a quantidade de alimentos necessários para erradicar a fome no país por um ano inteiro.

Crédito: Tom Fisk/ Pexels

Frutas, hortaliças, tubérculos e laticínios são as quatro principais categorias de alimentos desperdiçados na cadeia de alimentos e representam 45 milhões de toneladas/ano. Justamente esses quatro alimentos são necessários para cobrir as principais necessidades alimentares e garantir qualidade nutricional.

A única categoria relevante para o combate à fome que tem desperdício menor do que o déficit e um custo mais alto são carnes vermelhas. Mas, ainda assim, existe potencial a ser explorado e forma de ampliar a relevância na grade de alimentos para a população.

PROPOSTAS OBJETIVAS

A Coalizão Brasil – Clima, Florestas e Agricultura defende o aumento da produtividade no campo, com ações de descarbonização de toda a cadeia, sem destruir a natureza. Florestas regulam o clima, dando previsibilidade de chuvas, fatores críticos e essenciais para a produção de alimentos.

A Coalizão é composta por mais de 300 representantes do setor privado, academia e sociedade civil para promover ações no país com agenda de proteção, conservação, uso sustentável das florestas naturais e plantadas, agropecuária e adaptação às mudanças climáticas.

A demografia da fome se concentra em centros urbanos, entre pessoas pretas e pardas e em lares chefiados por mulheres.

Entre as ações propostas encaminhadas aos candidatos à Presidência da República em 2022, estão iniciativas de promoção da economia verde. O foco é criar condições para atrair investimentos, gerar renda e emprego.

A recomendação é fortalecer os apoios financeiro e técnico à agricultura familiar, com a adoção de tecnologias para tornar a produção mais sustentável e para a recuperação de áreas degradadas, com apoio de pesquisa e inovação.

Com foco nos agentes públicos, as propostas reforçam a necessidade de se retomar e intensificar as ações de fiscalização, agilizar diversos mecanismos de controle ambiental sobre áreas de preservação, inibindo desmatamento e ocupações ilegais de áreas públicas de proteção ambiental.

Ampliando as opções para melhorar a oferta sustentável de alimentos no país, o estudo da União SP traz diversos pontos de atenção objetivos, que podem ser abraçados pela sociedade e pelos governos.

Fonte: Coalizão Brasil

TECNOLOGIA APOIA A SUSTENTABILIDADE

As foodtechs, apoiadas pelos centros de inovação das empresas e de hubs setoriais – como AgTech Garage e CoCriagro –, são os grandes celeiros de novidades para dar sustentação e agilidade no processo de ampliar a oferta de alimentos no mundo.

“O avanço da pesquisa no campo da Internet das Coisas (IoT) permite obter excelentes benefícios nas aplicações da Indústria 4.0, não apenas em termos de desempenho de produção de máquinas, mas também em relação à proteção ambiental, graças à maior atenção aos recursos”, explica Murilo Silva, diretor de soluções da Fuse IoT.

Murilo Silva (Crédito: Divulgalção)

Segundo ele, isso leva à sustentabilidade ambiental, mas também a um melhor retorno sobre o investimento. “Podemos falar de um verdadeiro entrelaçamento entre tecnologia, economia e meio ambiente que nos leva à sustentabilidade 4.0”, acredita.

No cenário de agricultura 4.0, a IoT reduz o desperdício de recursos e permite maior controle da produção. Silva defende a adoção da tecnologia como forma de promover a eco-inovação, que implica usar fontes de energia renováveis, recuperar energia de resíduos sólidos, usar resíduos para recuperar materiais e produzir fertilizantes a partir de águas residuais, entre outras iniciativas.

A grande lacuna na implantação e sustentação do modelo tecnológico passa pela escassez de mão-de-obra especializada em trabalhar com os dados do campo. Algumas escolas com foco no setor estão conseguindo captar investimentos para oferecer cursos de curto prazo.

É o caso da Agroadvance, que recebeu recentemente aporte de capital dos fundos Baraúna e SP Ventures para ampliar a oferta de cursos com conteúdo objetivo e prático, unindo a parte conceitual e a prática da lavoura.


SOBRE O AUTOR

Fábio Cardo é economista de formação, atua em comunicação empresarial e empreendedorismo e é co-publisher do canal FoodTech da Fast Co... saiba mais