De onde vem a carne para o churrasco do brasileiro?

Cadeia de produção e venda de carne bovina no país ainda está insegura com a origem do gado

Crédito: Istock

Fábio Cardo 5 minutos de leitura

Radar Verde, um indicador das políticas de controle dos maiores varejistas e frigoríficos brasileiros sobre a origem da carne que vendem, acaba de divulgar sua primeira pesquisa, que buscou identificar se a origem dos produtos é de áreas de desmatamento na Amazônia.

O resultado ainda não é transparente: poucas empresas responderam ao questionário e nenhuma autorizou a divulgação da classificação final gerada pela pesquisa.

O Radar Verde é uma iniciativa que tem todo o potencial para cumprir a função de apurar essas informações e elucidar melhor a questão para atender os mercados interno e externo.

É uma ferramenta de apoio para os consumidores escolherem de onde querem comprar a carne que consomem e para a sociedade como um todo compreender melhor a cadeia produtiva da carne.

O novo indicador público de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil foi criado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e pelo instituto O Mundo que Queremos, com financiamento da Iniciativa Internacional de Clima e Florestas da Noruega (NICFI) e do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Seu objetivo é mostrar quais frigoríficos e quais supermercados mostram maior controle e transparência na cadeia da carne que vendem.

A pesquisa foi dirigida aos 90 frigoríficos com registro no Selo de Inspeção Estadual (SIE) e Selo de Inspeção Federal (SIF) que operam na Amazônia e às 69 maiores redes de supermercados do Brasil segundo o ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Das empresas convidadas, 94,5% dos frigoríficos e 96% dos supermercados não quiseram participar da pesquisa.

Entre os frigoríficos convidados, 94,5% não participaram do levantamento. Outros 5,5% responderam, mas não autorizaram a divulgação de seus resultados. O mesmo aconteceu no segmento varejista: 96% dos supermercados convidados não responderam. Os 4% que aceitaram participar não autorizaram a publicação de seus resultados.

A Marfrig foi uma das poucas que aceitou participar da pesquisa. “Ciente de que novas abordagens necessitam de aperfeiçoamento, a empresa esteve constantemente engajada com os técnicos, com troca de feedbacks sobre as perguntas e as aplicações da ferramenta”, disse a empresa em comunicado enviado à Fast Company Brasil.

Sobre a não divulgação dos resultados, a empresa explica que foi uma decisão da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC) e suas associadas.

“Acreditamos que, justamente por estar em estágio inicial, a ferramenta ainda não captura as variações entre as diferentes práticas dos agentes da cadeia de valor da pecuária. Este fator poderá ser aperfeiçoado a partir dos próximos ciclos, inclusive com o aumento de participação dos demais frigoríficos e varejistas”, diz o comunicado.

QUAL É O TEMOR?

Há muita discussão sobre a origem da carne bovina que chega aos mercados, principalmente quanto a questões de sustentabilidade na produção nacional, visto que o Brasil é o maior produtor mundial. Muitos são os questionamentos sobre se o gado foi criado em área de desmatamento e na região da Amazônia.

Fazenda de criação de gado no Mato Grosso (Crédito: Paulo Vilela/ Deposiphotos)

Esta parece ser uma discussão sem fim entre empresas e governos internacionais, que frequentemente acenam com bloqueios de importação e suspensão de financiamentos públicos e privados.

O que falta para fechar essa equação, reduzindo o estresse entre as partes? Informações fidedignas certamente são essenciais para esse fim, e o Radar Verde pode ser a referência.

Ritaumaria Pereira, diretora executiva e pesquisadora do Imazon que trabalhou na elaboração do Radar Verde, recebeu de retorno do mercado que o indicador subiu demais a régua da qualidade das informações, acima do que é demandado pelos órgãos oficiais.

De acordo com os parâmetros do governo, grande parte das empresas atende aos critérios necessários para manter suas operações. Quem não atende deve entrar em processo de revisão das práticas de produção com os Termos de Ajuste de Conduta (TACs) para poder se regularizar e operar.

Desde o nascimento até a chegada ao frigorífico para o abate, o gado pode passa por 10 fazendas para cada fase da criação.

Segundo os indicadores do Radar Verde, nenhuma empresa conseguiu chegar perto dos 100 pontos, que significa total conformidade e controle de que a carne não provém de áreas de desmatamento na Amazônia.

Desde o nascimento até a chegada ao frigorífico para o abate, o gado pode passa por 10 fazendas para cada fase da criação.

“Por mais que os grandes frigoríficos tenham controles, as políticas ainda estão sendo desenhadas e precisam melhorar os resultados. As Guias de Transporte de Animais (GTAs) emitidas para o controle governamental de tráfego são feitas por lotes. É impossível saber com certeza a origem de todos os animais que estão no lote”, afirma Ritaumaria.

As inovações tecnológicas ajudam a somar transparência na cadeia da carne. Há chips com GPS que podem ser implantados nos animais – hoje muito mais baratos e acessíveis –, redes de telecomunicação, drones e sistemas de registro de rastreamento que podem mapear os animais por toda a vida, com a retaguarda de bancos de dados com criptografia e blockchain, garantindo a fidelidade das informações.

VANTAGENS ECONÔMICAS DO RASTREAMENTO

O último censo agropecuário divulgado pelo IBGE, indica que o Brasil conta com 224,6 milhões de cabeças de gado, número que supera a população do país. Já o Valor Bruto de Produção (VBP) de bovinos supera os R$ 150 bilhões/ano. Portanto, deve caber nessa conta o uso de sensores de geolocalização para pôr fim à discussão sobre a origem dos animais.

Segundo o IBGE, há 224,6 milhões de cabeças de gado no país (Crédito: Xico Putini/ Deposiphotos)

Segundo Ritamaura, a tecnologia de rastreamento existe desde 2004. “O que falta é vontade dos produtores em adotar os chips e resolver o problema”, defende.

A diretora do Imazon conta que, recentemente, durante uma reunião de apresentação de resultados do TAC no Pará, um produtor que já se tornou referência por usar a tecnologia expôs que a economia gerada com o uso do chip é excelente. Pode-se usar o mesmo chip por até três vezes na fazenda e a produtividade na criação do gado melhora, com redução de tempo no pasto. O investimento compensa.

Um dos caminhos apontados pela executiva é a pressão dos grandes frigoríficos sobre o governo para promover a adoção de tecnologia de monitoramento sobre os fornecedores indiretos.

Isso ajudaria muito a inibir diversos crimes, tais como desmatamento irregular, grilagem e invasão de áreas indígenas demarcadas. Há expectativa que a segunda pesquisa tenha melhor receptividade e respostas aprovadas para divulgação ao mercado.


SOBRE O AUTOR

Fábio Cardo é economista de formação, atua em comunicação empresarial e empreendedorismo e é co-publisher do canal FoodTech da Fast Co... saiba mais