Espumantes nacionais ganham expressão no Brasil e no mundo
Os produtores de vinhos no Brasil estão investindo e encontrando os bons caminhos para se firmarem no mercado com produtos que ganham muito em qualidade e reconhecimento internacional. E, quem diria, o produto que hoje puxa o crescimento na produção e consumo de vinhos no país é o espumante, que cresce no mix de produção das vinícolas e já conta com diversos prêmios de qualidade nos principais mercados mundiais.
O reconhecimento se traduz em números. Os espumantes brasileiros alcançaram 30,3 milhões de litros comercializados no país entre os meses de janeiro e dezembro de 2021, cerca de 40% a mais que no mesmo período do ano anterior. Já as exportações atingiram cerca de 935 mil litros no mesmo período, aumento de 21% em relação a 2020, segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).
O que parece bom deve ficar melhor ainda: os produtores estão preparados para obter a melhor safra histórica das uvas, fruto da La Niña no sul do Brasil, que promoveu uma estiagem prolongada. Muito calor e pouca chuva são os fatores essenciais para que a bioquímica das parreiras promovesse a maturação adequada e a proteção sanitária que blindou o ataque de fungos. Portanto, zero problemas na presente safra.
Por trás desse sucesso está a ciência. A pesquisa agropecuária ajudou a impulsionar essa importante cadeia ao desenvolver cultivares, técnicas de manejo e de processamento e ao atuar na caracterização das regiões produtoras para a obtenção de selos de procedência.
Celito Guerra, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, vive o mundo da pesquisa no setor há mais de 30 anos e pôde presenciar o processo de evolução. Ele define como os principais fatores para atingir o padrão atual a dinâmica acelerada da cultura da uva e da vinificação nos últimos 50 anos, junto com aplicação das evidências de ciência e tecnologia. Sistemas de produção somados com melhorias genéticas levaram ao atual estágio de bons resultados.
CONHECIMENTO E NOVOS INVESTIMENTOS
A vitivinicultura nacional ganhou impulso com o processo de internacionalização de conhecimentos e de produtos. Passada a fase de temores e eventuais ameaças à produção com o acordo Mercosul, que não dizimou a indústria brasileira de vinhos, os consumidores tiveram a oportunidade de ampliar o conhecimento de vinhos vindos da Argentina, Chile e Uruguai, com novas referências qualitativas. Celito destaca que esse processo de experimentação ajudou a ampliar a produção nacional.
Os empresários iniciaram uma dinâmica positiva para produção de vinhos e para o cultivo das uvas, a maioria bem-sucedida. A consequência foi a atração de novos investimentos por parte dos tradicionais produtores nacionais e outros que viram a oportunidade de ter seus próprios rótulos.
Com o suporte da ciência e de enófilos, os produtores verificaram que algumas variedades de uvas não eram as ideais para a produção de vinho. Em diversas regiões, as uvas tintas tradicionais (como a cabernet) foram substituídas pelas brancas chardonnay e pinot noir, bases para grande parte dos espumantes no mundo.
Os espumantes brasileiros passaram a ter sua própria tipicidade, com características diferenciadas dos produtos-referência no mundo, como o Champagne francês, o Prosecco italiano ou o Cava espanhol. Os nacionais se distinguem por particularidades naturais de solo e clima, além de tecnológicas, de cultivo de uvas e de elaboração, respeitando o terroir nacional.
Há 30 anos, o país tinha não mais de 400 vinícolas, sendo a maior parte produzindo a partir de uvas americanas de consumo. Hoje já temos 1,2 mil vinícolas. A produção se expandiu nacionalmente, crescendo nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Minas e sertão nordestino.
Nas terras altas de Santa Catarina, os produtores têm até uma região de origem demarcada. Substituíram a produção de uvas cabernet e merlot, dando lugar a novas variedades de pinot noir e chardonnay para a produção de espumantes. Essa tendência de demarcação de regiões de produção deve ser verificada nas outras áreas do país, à medida que conseguirem atingir padrões de qualidade que justifiquem a medida.
TECNOLOGIA APOIA A CULTURA DO VINHO
Os projetos de pesquisa para melhorar a produção de espumante, buscando melhor qualidade aromas e paladar, contemplaram técnicas de viticultura de precisão. Análises de solo, clima e testes sensoriais de produtos ajudam na definição do melhor local para plantio das uvas e, posteriormente, na definição da técnica de vinificação para adaptar e extrair o melhor da uva.
A VITIVINICULTURA NACIONAL GANHOU IMPULSO COM O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS E DE PRODUTOS.
Entre as tecnologias adotadas estão estações climatológicas, sensores de solo (para avaliação física, da permeabilidade e da porosidade), instalação de sensores para monitorar a folhagem e evolução das uvas. Todos os controles geram mais informações para aprimorar a produção e adotar as inovações necessárias para se chegar aos melhores produtos.
Celito estima que, em outras regiões tradicionais produtoras de vinhos como Califórnia, algumas na França, Espanha, Portugal, Itália, Austrália e Nova Zelândia, a adoção é de cerca de 20% de metodologia para screening do terreno, controle de clima, uso de sensores e aplicativos para detectar com mais precisão a evolução dos vinhedos e para extrair dados.
No Brasil, já existem as primeiras iniciativas de aplicação dessas tecnologias. A expansão do uso nessas culturas deve se popularizar dentro de cinco a dez anos.
CASA VALDUGA, MODERNA E TRADICIONAL
Eduardo Valduga, superintendente da Casa Valduga, confirma que teremos grandes surpresas em termos de melhor qualidade dos espumantes nacionais este ano, por conta das condições climáticas e dos investimentos que a empresa realiza. Fundada em 1875, com a chegada dos imigrantes italianos ao país, a empresa investe continuamente na melhoria dos vinhedos e nos processos de vinificação.
Como em todo negócio ligado ao agro, os investimentos em vitivinicultura devem sempre ser considerados no longo prazo. “Videiras plantadas hoje iniciarão a produção em três a quatro anos, muito timidamente. Só terão boa produção após décadas. A produção do vinho tem essa limitação. Por mais que o mercado cresça, temos que respeitar o ciclo e garantir a qualidade do produto”, esclarece Eduardo, ao ser questionado sobre como planeja atender o aumento de demanda pelos espumantes brasileiros no mercado internacional .
Segundo ele, o país está no caminho correto ao trabalhar na adequação de variedades ao solo e clima locais e no uso de tecnologias que permitem melhorar a qualidade das uvas. Hoje, a empresa foca no cuidado com o solo, analisando o desenvolvimento da nutrição, dos macro e micronutrientes e definição dos melhores locais para plantio.
Os defensivos estão sendo substituídos por princípios de homeopatia para tratamento das plantas, para buscar aromas e sabores mais expressivos da fruta. As ovelhas são outras aliadas: ficam no campo, cuidando de comer o mato e adubando a terra. A criação de ovelhas tem ainda função social, gerando renda extra para os agricultores.
As práticas naturais convivem com a tecnologia. A empresa adota sensores óticos e drones com câmeras ultravioleta para monitorar a incidência de fotossíntese nas quadras. No entanto, há muita deficiência nas redes de dados no campo, mesmo próximo a centros urbanos, onde nem redes de dados 3G chegam. “Temos que investir em rede própria de fibra óptica para conseguir cobertura nas fazendas. A automação é bem-vinda, mas ainda não temos o principal, que é a cobertura de rede”, ressalta Eduardo.
A empresa prevê o lançamento, ainda este ano, de rótulos que considera excepcionais por conta das boas safras. Entre os produtos, destaca o Casa Valduga Premium, que permanece por 30 meses em cave, e o tinto Storia produzido somente quando a safra é icônica, este programado para chegar ao mercado em junho.