Novas tecnologias ajudam a reduzir a perda e o desperdício de alimentos
Segundo a FAO, com o total de alimentos perdidos e desperdiçados no mundo seria possível alimentar 1,26 bilhão de pessoas
Em um mundo onde mais de 828 milhões passam fome (dados da ONU de 2021), um terço de todos os alimentos produzidos não é consumido. Cerca de 14% são perdidos entre a colheita e o transporte e quase 17% do que é disponibilizado aos consumidores têm como destino o lixo de varejistas, restaurantes e residências. As informações contam do último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), intitulado “Índice de Desperdício de Alimentos”.
O World Resourses Institute (WRI) indica que cerca de 41 mil toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano no Brasil. Só o setor de bares e restaurantes é responsável por aproximadamente 15% desse total. Em outras palavras, desperdiça-se cerca de seis mil toneladas de alimentos em restaurantes.
Segundo a FAO, que promove o Dia Internacional para a Consciência sobre Perdas e Desperdício de Alimentos em 29 de setembro, a redução da perda e do desperdício representa uma oportunidade de gerar benefícios climáticos imediatos, enquanto melhora a sustentabilidade geral de nossos sistemas alimentares.
Qu Dongyu, presidente da FAO, aponta que reduzir as perdas de frutas e legumes em 50% resultaria na oferta adicional de alimentos suficientes para atender população mundial que passa fome, além de reduzir a emissão de gases de efeito estufa. “Com o total de alimentos perdidos e desperdiçados poderíamos alimentar 1,26 bilhão de pessoas”, afirma.
A TORNEIRA DAS PERDAS ESTÁ ABERTA
Os gases de efeito estufa são gerados em todas as etapas do ecossistema de alimentos, independentemente de o alimento produzido ser consumido ou não. Em particular, os resíduos alimentares que apodrecem nos aterros sanitários geram metano, um potente gás de efeito estufa que tem 84 vezes o poder de aquecimento do dióxido de carbono ao longo de um período de 20 anos.
A perda de alimentos e o desperdício são responsáveis por 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para um clima instável e eventos climáticos extremos, como secas e enchentes.
Essas mudanças afetam negativamente o rendimento dos cultivos em todo o mundo, reduzem a qualidade nutricional dos alimentos, causam rupturas na cadeia de fornecimento e ameaçam a segurança alimentar.
Novas tecnologias podem dar suporte às práticas para melhorar a gestão dos alimentos. O processamento e a embalagem, junto com o transporte e o desperdício, estão empurrando a cadeia de fornecimento de alimentos para o topo da lista de emissores de gases de efeito estufa em todo o mundo.
FOODTECHS REDUZEM PERDAS E DESPERDÍCIOS
Existem muitas empresas, tecnologias e aplicativos que estão ajudando na redução das perdas e do desperdício. Entre elas, Food To Save, Too Good to Go, Olio, Karma, Nowaste, para citar algumas.
No Brasil, uma das empresas que estão nesta missão é a Connecting Food. Pensando no paradoxo que é a fome e o desperdício de alimentos, a engenheira de alimentos Alcione Silva idealizou a empresa em 2016 – a primeira foodtech de impacto social do Brasil que atua na gestão inteligente de redistribuição de alimentos excedentes.
Atualmente, a empresa atende mais de 380 organizações da sociedade civil (OSCs) em 116 cidades de 15 estados. Trabalha nas cadeias de produção, comercialização e distribuição de alimentos. Entre os clientes que contribuem para a redução dos impactos da fome e todas as suas implicações sociais estão Grupo Pão de Açúcar, iFood, Assaí Atacadista e Nestlé.
A empresa trabalha com as áreas de perdas, quebra, gestão da qualidade, sustentabilidade e gestão de estoque que fazem uso intensivo desse tipo de dado, inclusive para melhorar seus processos de gestão de perdas e de desperdício de alimentos.
A ferramenta permite que os clientes tenham acesso aos indicadores de desempenho desse trabalho. “Temos indicadores sociais, ambientais e econômicos relacionados às doações de alimentos. Esses dados também ajudam as áreas internas das empresas a ganharem mais eficiência na gestão de perdas”, explica Alcione.
SEGURANÇA E QUALIDADE DOS ALIMENTOS
O sistema tecnológico da Connecting Food não é de garantia de qualidade, e sim de gestão. A qualidade dos alimentos é garantida pelo capital humano, com o treinamento e acompanhamento das equipes, realizando todo o monitoramento das doações.
a redução da perda e do desperdício se alimentos representa uma oportunidade de gerar benefícios climáticos imediatos.
“Dessa forma, garantimos a qualidade dos alimentos que estão sendo doados. Criamos essa rede entre as organizações sociais e as equipes doadoras, que fazem a separação para garantir que cheguem apenas alimentos de qualidade nas organizações sociais”, diz Alcione.
Um bom exemplo é o trabalho que está sendo desenvolvido com o Proença Supermercados, rede com 19 lojas no extremo noroeste do estado de São Paulo. A Connecting Food começou a atender duas lojas no final do ano passado; depois, expandiram para 10. No momento, estão com um projeto em andamento para atingir todas as 19 unidades.
Em quase um ano de trabalho, foi nítida a evolução do Proença Supermercados, não só do ponto de vista das doações em si, mas também no que diz respeito à visão da liderança sobre ESG. A Connecting trouxe para a empresa segurança em relação ao destino das doações, além da organização do processo, que antes era feito de maneira muito informal.
Nesse contexto, foi criado o programa Doação do Bem, com o desenvolvimento de estratégia de comunicação própria. A iniciativa faz parte do pilar social da empresa – algo que, de início, era um tabu, pois a liderança acreditava que a doação de alimentos excedentes não era positiva para imagem corporativa. Com seu trabalho a Connecting destacou o pioneirismo da empresa, considerando seu tamanho e a região atendida.