Pela primeira vez, FDA aprova carne cultivada de frango nos EUA

Eric Schulze ajudou a Upside Foods a obter a primeira aprovação regulatória dos EUA para seu frango cultivado em laboratório. E esse é só o começo

Crédito: Upside Foods

Larissa Zimberoff 4 minutos de leitura

Eric Schulze ama preparar carne. Assada, defumada, empanada, grelhada, marinada – qualquer tipo de receita que você possa imaginar, ele já testou. Ou seja, Schulze é um carnívoro convicto, mas seus hábitos pessoais ficam totalmente à parte quando se trata do seu trabalho.

Schulze é vice-presidente de assuntos científicos e regulatórios globais da Upside Foods, uma das 110 startups que estão desenvolvendo carne cultivada em laboratório. É um segmento que atrai muitas pessoas que evitam comer carne de vaca, porco e aves, seja por razões ambientais, seja por razões éticas.

Em novembro do ano passado, Schulze ajudou a empresa a se tornar a primeira startup a conseguir que seu frango criado em laboratório fosse aprovado pela Food and Drug Administration (FDA). Com isso, eles já arrecadaram mais de US$ 600 milhões em investimentos.

Crédito: Upside Foods

A aprovação regulatória foi uma grande bola dentro não apenas para a Upside Foods, mas também para toda essa indústria incipiente que tem trabalhado para produzir carne por cultura de células in vitro, sem abater animais. Aliás, a McKinsey estima que até 2030 esse se tornará um negócio global, de US$ 25 bilhões.

DOS DOIS LADOS DO BALCÃO

Depois de concluir um doutorado em células-tronco e em biologia molecular pela Universidade do Sul da Califórnia, Schulze trabalhou em um laboratório na Flórida. Os reguladores perceberam seu talento depois que assistiram sua apresentação em uma conferência, pouco antes de a FDA convocá-lo para trabalhar com novos alimentos e medicamentos.

Ele foi chamado para se juntar a um grupo de ação rápida que atuava em projetos interdisciplinares. Pense em cientistas ousados, trabalhando com salmão e porcos geneticamente modificados.

“Empresas que já trabalharam de perto com órgãos do governo não enxergam os reguladores como inimigos”, diz. Foi uma parceria. “Não é você contra a outra pessoa. É você contra um desafio maior. Somos nós contra os riscos à segurança pública. Ninguém pode se dar ao luxo de errar.”

Crédito:Upside Foods

A ideia de apostar nesse ramo só surgiu quando Schulze encontrou um artigo sobre carne cultivada produzida pela Memphis Meats (atual Upside Foods). Ele estava procurando por biólogos que trabalhassem com células-tronco e enviou um e-mail ao cofundador, Uma Valeti. A dupla se conheceu nos arredores da ONU, na cidade de Nova York.

Schulze sabia que tinha sido contratado pela startup para trabalhar no desenvolvimento celular – afinal, é preciso haver células para cultivar carne em laboratório. Mas ele foi além e disse a Valeti: “você terá que lidar com legislação federal. Vai precisar de alguém que possa administrar os assuntos do governo”.

“Schulze me disse que ‘não deixaria o FDA por nenhuma outra oportunidade’”, diz Valeti, ex-cardiologista que iniciou a Upside em 2015, com o objetivo de criar uma carne que ele pudesse comprar. “As pessoas amam carne, mas odeiam os bastidores da produção.”

Valeti sabia que a jornada da aprovação regulatória poderia ser longa e durar dois, cinco ou até 10 anos. Schulze era o cara que, segundo Valeti, “tinha os trunfos na mão”. Duas semanas depois, o biólogo mudou-se para a Califórnia e tornou-se o funcionário número 7 da empresa.

APROVAÇÃO DO PÚBLICO

Schulze e a equipe da Upside – advogados, consultores e funcionários – levaram quatro anos para receber uma carta da FDA dizendo “sem mais perguntas”. Isso significa que a agência concorda com a alegação da Upside de que seu frango será seguro para consumo humano.

“Foi um passo muito importante para toda a indústria”, diz Josh Tetrick, cofundador e CEO da Eat Just.

Crédito: Upside Foods

A Upside foi a primeira nos EUA a obter a aprovação da FDA e virou exemplo. Agora, outras podem se inspirar nos protocolos de segurança da empresas e, possivelmente, combiná-los aos seus. Além disso, agências reguladoras de outros países podem usar esse caso como um guia para suas próprias estratégias.

“Queremos que os consumidores ‘saquem’ o nosso conceito”, diz Schulze. É carne “cultivada”, uma palavra que tem muitos significados. “Uma descrição padrão obrigatória do nosso produto ajudará esclarecer as coisas para todos.”

Mas será que os compradores de fato vão “sacar”? Eles entenderão o que foi necessário para criar uma versão totalmente nova de um frango? Será que o significado da palavra “frango” vai ser ampliado a ponto de passar a definir o pássaro, a carne, o kebab cultivado em laboratório e o nugget à base de plantas?

Crédito: Upside Foods

Os avanços desde que Schulze ingressou na Upside são imensos. “Já não consigo mais notar no paladar as pequenas diferenças entre o frango criado tradicionalmente e o feito pela Upside”, conta.

Mesmo depois desta vitória, ele considera que está apenas na metade do caminho até a linha de chegada. Ainda não se sabe como a carne cultivada será rotulada. Ansioso, o biólogo aguarda notícias do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Depois que a Upside conseguir a concessão da inspeção e um rótulo pré-aprovado pela agência (que está trabalhando em parceria com a FDA), poderá vender seu frango.

Mesmo que criar carne de frango pareça um passo pequeno, Schulze, como todo bom cientista, está de olho no futuro.

“Vai haver também o próximo grande passo na evolução agrícola. Em 10, 15, 20 anos, haverá algo incrível, que nem conseguimos imaginar. Isso fará com o que tudo o que estamos propondo agora pareça a coisa mais banal do mundo.”


SOBRE A AUTORA

Larissa Zimberoff é jornalista especializada em negócios relativos a alimentação e tecnologia. saiba mais