Se você se importa com o meio ambiente, repense o consumo de café e chocolate amargo
Se você se considera uma pessoa engajada com a sustentabilidade do planeta e opta por consumir alimentos que tenham baixo impacto de emissões de gases de efeito estufa e reduzido consumo de recursos naturais não renováveis, terá que ponderar até o consumo de café e de chocolate amargo. O estudo “The Future of Food”, publicado recentemente pelo banco Credit Suisse, aponta que estes dois alimentos estão entre os seis que mais emitem gás carbônico na atmosfera.
E agora? Devemos mudar também este hábito de consumo para ser eco-friendly? Não é bem assim. Sustentabilidade parte do princípio do equilíbrio e da boa avaliação sobre os custos e benefícios para a humanidade, principalmente considerando o uso dos recursos naturais no longo prazo. As avaliações não devem ser rasas. Devem ponderar os recursos usados em todo o ciclo de produção, consumo e descarte de alimentos, incluindo todos os insumos da cadeia, considerando impactos e benefícios.
A cadeia de produção e distribuição de alimentos tem relevante importância na sustentabilidade do planeta. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a atividade agropecuária é a principal responsável pelo uso da água no mundo. De acordo com a entidade, 70% de toda a água consumida é utilizada na irrigação das lavouras, número que se eleva para 72% no caso do Brasil, que tem forte atuação no agronegócio. O estudo elaborado por Poor e Nemeck em 2018, citado no relatório do Credit Suisse, estima que o ecossistema alimentar representa cerca de 20% das emissões totais de gases de efeito estufa. Desse percentual, mais de 50% das emissões estão relacionadas à produção de proteínas animais, incluindo uso da terra, alimentação, emissão de gás metano e conversão de terras para pastagens.
A produção de leite, carne e ovos, por exemplo, tem grande impacto no meio ambiente. O chocolate amargo entrou na lista principalmente porque sua produção requer mudança no uso de terras, enquanto que o café impacta a partir da conversão de terras para o cultivo.
A pesquisa do Credit Suisse, datada de 2018, ao avaliar o café apontou a operação na fazenda como sendo a fase de maior impacto ambiental. Adicionemos um item que talvez ainda não tenha sido computado: a proliferação do consumo de café em cápsulas, que vem crescendo ano a ano.
A qualidade do café em cápsulas é indiscutível, sem contar com a facilidade de acesso a muitos blends, que antes não eram acessíveis. Ponto positivo para a indústria do café que está conseguindo atrair novos consumidores, incluindo jovens que não tinham hábito de consumir café. Entretanto, o volume de cápsulas de alumínio consumidas já virou novo foco de atenção ambiental: além do alumínio usado na cápsula, item que requer muito consumo de energia e recursos naturais, a indústria teve que se mobilizar para estruturar processos de coleta e reciclagem. Mais energia investida em transporte e processamento de resíduos.
Some isso na conta ambiental e projete para daqui a alguns anos para avaliar se o velho coador de papel não deveria ser mais usado.
AS INOVAÇÕES DE FOODTECHS COMPONDO A OFERTA DE ALIMENTOS
Frutas, grãos, verduras e legumes certamente são os alimentos que apresentam menor impacto ambiental em sua produção e distribuição, garantindo boa qualidade nutricional. E há muito a melhorar ainda, principalmente na redução de perdas no campo e no transporte, bem como no processamento em novos alimentos com o suporte de tecnologia.
As inúmeras foodtechs que já atuam no mercado estão trazendo novas opções de alimentos, aprimorando o processamento desde o campo. Isso representa menos perdas e desperdício de alimentos em toda a cadeia de alimentação, e grandes gargalos na oferta de alimentos em todo o mundo.
Ainda no estudo do banco, é dada muita relevância para o crescimento da produção dos alimentos proteicos plant-based, como um dos principais meios para reduzir os impactos ambientais e colocar alimentos saudáveis no mundo. Fato notável é a oferta de novos alimentos a base de plantas tais como hambúrgueres, nuggets, petiscos, entre tantos pratos prontos que continuam a chegar ao mercado.
Há também boas opções de complementos de alimentos saudáveis que se somam à oferta, incluindo frutas, viabilizados por foodtechs. A Pic-Me Natural é um exemplo de empresa que viabilizou a oferta de frutas, processadas em purê e usando embalagens assépticas em formato de pouch, de fácil transporte e consumo, sem aditivos ou conservantes.
Segundo Thiago Bürgers, fundador da empresa, a proposta da empresa é oferecer fácil acesso à alimentação saudável com frutas para quem busca melhor qualidade nutricional e facilidade no consumo. “Atualmente processamos 3 mil toneladas de frutas por ano, e temos praticamente 100% de aproveitamento da colheita. Toda fruta colhida é enviada diretamente para o processamento industrial”, ressalta Thiago. Em termos de sustentabilidade, há uma significativa vantagem se considerarmos a grande quantidade de perda de frutas frescas no processo de transporte.
As melhorias no processo industrial e a embalagem foram fatores fundamentais nesse processo de ampliar o acesso aos produtos da Pìc-Me. Seja para conservar o alimento ou para otimizar o transporte. Com muito investimento ao longo de anos, o produto atualmente consegue ter vida útil de 18 meses. A oferta de frutas em purê é pioneira no mercado nacional, mas já é bem consolidada no exterior. Somente recentemente a Nestlé e a Papapá lançaram suas opções de frutas processadas em purê e prontas para consumo.
Este é um exemplo de alimento que merece avaliação, desde a produção das frutas, passando pelo processamento, transporte e consumo. Todas as fases consomem água e energia. No entanto, acabam sendo ao menos parcialmente compensadas pelo benefício da qualidade nutricional e significativa redução de perdas e desperdícios de alimentos.
CONSUMO DE ÁGUA É UM FATOR MUITO SENSÍVEL
Outro parâmetro de sustentabilidade destacado no estudo é o uso de água para a produção de alimentos. Cerca de 90% do consumo global de água no mundo está ligado à produção agrícola, bem acima dos 70% indicados pela FAO.
Impressiona a quantidade de água necessária para a produção de queijos, seguida da produção de nozes e de peixe em fazendas. Considerando que temos um limitado estoque de água doce no planeta, este certamente é mais um recurso que deve ser ponderado com carinho na matriz de sustentabilidade dos alimentos.
Pelo parâmetro de consumo de água, parar de consumir carne vermelha, por exemplo, não é a única e principal solução para reduzir o impacto sobre este recurso. Outros alimentos que são largamente consumidos por todos têm muito mais impacto no consumo de água. Portanto, é prioritário avaliar melhor e com mais amplitude os hábitos de consumo de alimentos, se o fundamento da escolha é a sustentabilidade.
O fato é que a conta não fecha se considerarmos o atual modelo de produção. Avaliando a perspectiva de projeção de crescimento populacional e necessidades futuras de alimentos, a insegurança alimentar (com fome, subnutrição e desnutrição) é uma ameaça real. Segundo o World Bank, a população deve chegar perto de 10 bilhões de pessoas em 2050, o que demandará muito mais alimentos e mais água fresca.
O mundo todo corre hoje para zerar a pegada de carbono em suas operações. Quando se fala em sustentabilidade de operações e eventos industriais, empresariais e até artísticos, a compensação de carbono é uma chancela quase obrigatória. Investimentos enormes estão sendo realizados neste sentido.
Será que chegará o dia em que haverá créditos de compensação pelo uso da água no planeta?