Sustentabilidade apoia o crescimento da produção e qualidade do cacau brasileiro

Crédito: Fast Company Brasil

Fábio Cardo 6 minutos de leitura

O Brasil foi um dos maiores produtores de cacau do mundo, chegando a 400 mil toneladas/ano e igualando em quantidade com outros países africanos na década de 1980. Hoje, estamos longe da liderança na produção, ocupando a sétima posição, com cerca de 250 mil toneladas, segundo dados do IBGE.

Um dos pontos mais relevantes nesta cultura é que está em contínuo processo de crescimento em termos de quantidade e de qualidade ao longo dos anos, apoiada por práticas de sustentabilidade. Há um intenso trabalho por parte de organizações não governamentais junto às comunidades de produtores, buscando melhorar a vida dos agricultores e obter produtos com melhor qualidade.

Uma dessas organizações é o Instituto Arapyaú, que realiza o Programa de Desenvolvimento do Sul da Bahia, região onde se concentra grande quantidade de produtores. Desde 2008, a entidade trabalha em parceria com diferentes atores para fomentar redes, influenciar políticas públicas e gerar conhecimento. As três frentes de atuação são o fortalecimento da cadeia do cacau, a melhoria da educação pública e o fortalecimento institucional.

“Trabalhamos o programa desde 2008, mas somente em 2014 tivemos condições de canalizar os esforços para modernizar e impulsionar a cultura, com a inserção dos pequenos agricultores. Hoje, a produtividade na área aumentou, com melhor qualidade das amêndoas e mais renda para os agricultores”, destaca Ricardo Gomes, gerente do programa.

MAIS RENDA, MAIS QUALIDADE

Diferente do setor cafeeiro, que historicamente sempre teve força e mobilização, o do cacau ainda carece da boa articulação de produtores, processadores, mecanismos de financiamento e instrumentos de mercado que permitam posicionar melhor o produto nos mercados interno e externo. A coordenação desses elementos promove aumento de renda e faz com que ela chegue com mais equidade ao pequeno produtor.

Os problemas mais críticos na produção de cacau no mundo são o trabalho infantil e a má distribuição de renda para o agricultor.

“As grandes indústrias de chocolate têm programas de promoção social e econômica junto aos pequenos produtores rurais. No entanto, o cacau é uma commodity, com preço internacional. Há reduzida flexibilidade nos preços para remunerar com mais equidade toda a cadeia”, explica Gomes.

A coordenação do trabalho entre as entidades de apoio é fundamental para garantir a evolução dos programas de suporte à cultura do cacau. O Instituto Arapyaú, junto com Instituto humanize e Taboa, trabalham no sentido de fortalecer comunidades pelo acesso a conhecimentos, crédito e estímulo à cooperação. Os programas focam principalmente em melhorar a qualidade e a produtividade.

No sul da Bahia, o cultivo de cacau é feito em dois modelos: por pequenos produtores pelo cabruca, à sombra de árvores da mata atlântica, e em Sistemas Agroflorestais (SAF) com cacau cabruca, que integra a produção com outros cultivos. Ambos estimulam a conservação e geram um fruto com mais qualidade e resistência às pragas.

Os cacaueiros são plantados entre a vegetação nativa e a expansão de área para cultivo é mais limitada. Nesse modelo, o importante é permitir que o cacau absorva as características do microclima e do ecossistema da floresta: temperatura, sombra, água (não necessita de muita), nutrientes, aromas da mata no entorno, para se obter um produto com características de sabor e aromas diferenciados.

No sul da Bahia, cacau é plantado em meio à vegetação da mata atlântica

Segundo Ricardo, a cabruca ainda permite rendas complementares aos agricultores, que podem conciliar o uso da terra para o cultivo de outras culturas acessórias. Dessa forma, gera uma renda extra e reforça o trabalho da fixação do trabalhador no campo, incluindo os mais jovens, que veem perspectivas de renda e de futuro profissional.

No Pará, que concorre em volume de produção com a Bahia, encontram-se plantações de cacaueiros em grandes extensões. Isso permite maior produtividade por área plantada e um produto de qualidade, com características diferenciadas em relação ao cultivo cabruca.

APOIO AOS PEQUENOS PRODUTORES

Alguns dos problemas mais críticos na produção de cacau no mundo são o trabalho infantil e a má distribuição de renda para o agricultor. Essas questões são bastante evidentes nos países africanos, onde há muito investimento das indústrias no sentido de reordenar as atividades e promover melhores condições de vida para as comunidades.

No Brasil, a produção de cacau conta com muita atenção de ONGs e empresas que atuam para coibir essas práticas, oferecendo apoio e soluções para fomentar o crescimento sustentável do setor. A oferta de subsídios técnicos e financeiros aos produtores está atrelada a assumirem compromissos de gestão, incluindo não permitir trabalho infantil e adotar práticas de manejo.

Por se tratar de uma commodity, preço do cacau segue a cotação do mercado internacional

A Dengo Chocolates, nascida no sul da Bahia, tem como proposta produzir com sustentabilidade. A empresa foi criada em 2016 por Guilherme Leal, um dos sócios-fundadores da Natura, e Estevan Sartoreli, engenheiro e ex-funcionário da Natura, com o propósito de renovar a indústria de chocolates a partir de práticas com impactos positivos na cadeia produtiva. A empresa demonstra atitude já na compra do cacau, chegando a pagar valores acima do preço de mercado aos produtores.

A Mondelez participa do programa Renova Cacau, junto com a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e com uma cooperativa de produtores rurais. O projeto trabalha com pesquisa técnica e renovação de cacaueiros no sul da Bahia, a partir da constatação de que a produtividade estava comprometida por serem plantas antigas. A iniciativa promove o plantio de novas árvores e de boas práticas de cultivo. A renovação tem resultado em melhor produtividade e mais renda para o agricultor.

Já a Nestlé mantém o programa de certificação Nestlé Cocoa Plan. O foco são questões relativas à produção em áreas livres de desmatamento e uso de sistemas agroflorestais, sem utilização de defensivos agrícolas, com ênfase na produtividade e rentabilidade das lavouras. O número de propriedades rurais no programa saltou de 270, em 2019, para 1.093 em 2020. A meta é ter 100% da cadeia brasileira de fornecimento de cacau certificada até 2025.

RESULTADOS APURADOS

Os esforços em torno da promoção da atividade cacaueira já mostram resultados positivos junto às comunidades. O aumento da renda média e a melhoria da produtividade são os primeiros indicadores notáveis e mais sensíveis para os produtores. Isso gera um ciclo positivo de confiança no trabalho de apoio oferecido pelas ONGs, com mais engajamento.

Desde 2018, os produtores contam com a Indicação Geográfica Sul da Bahia, selo de forma peculiar de produção cabruca, que ressalta os aspectos de qualidade. Ricardo, do Arapyaú, destaca que isso promove a notoriedade do produto pois leva em conta a qualidade e todo o aspecto social em torno da atividade. O selo é administrado pela Associação Cacau Sul Bahia, que conta com cerca de três mil associados.

Os 45 mil produtores rurais do estado também podem aumentar a renda com a venda de créditos de carbono originados em suas propriedades. As culturas cabruca e SAF ajudam na preservação e recuperação de áreas degradadas da mata atlântica. O estoque de carbono já financiou uma apólice de seguro para produtor rural, usando critérios paramétricos apurados com tecnologia – mais uma opção para geração de renda.


SOBRE O AUTOR

Fábio Cardo é economista de formação, atua em comunicação empresarial e empreendedorismo e é co-publisher do canal FoodTech da Fast Co... saiba mais