Um café feito com menos grãos – mas a cafeína está garantida

A mudança climática ameaça a produção de café, mas algumas startups estão encontrando uma nova maneira de ter seu sabor sempre à disposição

Crédito: Minus

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

Por mais que estejam bem documentados, os impactos das mudanças climáticas às vezes podem parecer muito abstratos. Como ter uma compreensão palpável do número de emissões de gases de efeito estufa? Como se identificar com os efeitos das mudanças que estão acontecendo do outro lado do mundo?

Mas a mudança climática já está tendo impactos diretos e tangíveis em nossa alimentação. Michael Hoffmann, professor de Cornell que se concentra na relação entre mudança climática e alimentação, tem uma frase que adora dizer quando dá palestras sobre o assunto: “o derretimento das geleiras já é ruim, mas o desaparecimento do café é algo assustador”.

Crédito: Minus

De fato, o café é uma das bebidas mais populares do mundo, e sua relação com a mudança climática é dupla: não apenas a produção impacta negativamente o meio ambiente como também a mudança climática está ameaçando a própria existência do café.

O cultivo está diretamente ligado ao desmatamento e à degradação do solo. Além disso, estima-se que são necessários 140 litros de água para produzir apenas uma xícara de café.

Até 2050, a expectativa é de que as condições climáticas – como o aumento das temperaturas e as secas – reduzam pela metade a área adequada para o cultivo de café.

No livro “Nosso cardápio em mudança: Mudanças climáticas e os alimentos que amamos e de que precisamos”, Hoffmann adverte que, se você ama seu café, então precisa reduzir sua pegada de gases de efeito estufa. Por outro lado, algumas empresas estão começando a trabalhar em alternativas ao café e à cerveja, sem grãos.

FÓRMULA INCLUI INGREDIENTES RECICLADOS

Maricel Saenz, fundadora e CEO da Minus Coffee, é da Costa Rica, país onde o café sempre foi popular – e importante, uma forma de se conectar com suas raízes culturais ou com amigos e colegas.

“Não quero viver em um mundo sem café”, diz ela, observando que está desenvolvendo um produto substituto, mas que oferece uma experiência genuína de café.

Quando fundou a Compound Foods, empresa controladora da Minus, Saenz queria usar ferramentas biotecnológicas para lidar com as mudanças climáticas e produzir alimentos com mais eficiência. “O café parecia o alvo ideal”, diz ela.

Em vez de cultivar, processar, torrar os grãos e preparar a bebida, a Minus Coffee produz um café sem grãos, por meio da fermentação. A empresa usa ingredientes reciclados, incluindo raízes de chicória, sementes de tâmara e legumes (como lentilhas). Eles são torrados, moídos e preparados em um lote de fermentação com cafeína, a fim de criar uma mistura semelhante ao café.

Trabalhando com cientistas de alimentos e fermentação, a equipe da Minus estudou o microbioma do café de diferentes lugares do mundo, para entender as condições em que ele cresce e para ajudar a desenvolver sabores.

“Nossos cientistas estão tentando chegar a esse produto por meio de pesquisas, entendendo como desenvolver esses sabores, o que faz o café ser ‘café’, para recriá-lo usando insumos de baixo impacto no meio ambiente, através da fermentação”, explica Saenz.

A fermentação é uma tecnologia de eficácia já comprovada no setor alimentício, usada para transformar sabores. Segundo a empresária, isso permite que a Minus tenha versatilidade com o que pode desenvolver.

A fermentação também desempenha um papel na produção de café comum. Para Michael Hoffmann (que não tem nenhuma associação com a Minus Coffee), o processo para criar uma “alternativa ao café” dessa maneira faz sentido.

“O café é apenas um monte de produtos químicos, por assim dizer. Os compostos que dão aquele sabor e aroma incríveis, em parte, são fermentados”, explica o professor. “Assim, é lógico que, se alguém quiser recorrer a lentilhas e tâmaras e se fermentá-las da maneira certa, pode obter sabores e aromas semelhantes.”

Uma grande vantagem, acrescenta, é que os grãos não precisam ser transportados e as culturas podem ser cultivadas localmente, reduzindo a pegada de carbono do produto.

MENOR IMPACTO AMBIENTAL

A Minus diz que seu café usa 94% menos água e gera 91% menos emissões de gases de efeito estufa do que o café

Até 2050, a expectativa é de que as condições climáticas reduzam pela metade a área adequada para o cultivo de café.

tradicional. Seu cold brew (um café gelado de fermentação, seu único produto atual, embora haja planos de expansão) é produzido com sementes de tâmara, chicória, sementes de girassol, alfarroba, lentilhas e sementes de uva – além de cafeína.

Em outubro do ano passado, a Minus fez um lançamento beta, dirigindo um food truck pela cidade de São Francisco, na Califórnia (onde a empresa está sediada), com entrega de amostras e venda de latas de café gelado. De acordo com uma pesquisa da Minus, 95% desses clientes classificaram o café sem grãos como melhor do que a bebida normal.

A empresa levantou US$ 5,3 milhões em investimentos e planeja se lançar comercialmente no final de 2023.

Mas o café da Minus Coffee não é a única bebida sem grãos sendo criada.  A Atomo é outra empresa que trabalha com “café sem café” e tem uma história de teste de sabor semelhante.

Quando distribuiu amostras de sua bebida para cerca de 30 estudantes da Universidade de Washington, 70% deles preferiram o café da Atomo ao do Starbucks, de acordo com a empresa.

A Atomo também fabrica cafés gelados em lata e diz que seu produto usa 94% menos água e gera 93% menos emissões de carbono em comparação com o café gelado convencional.


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais