Google ganha de novo: nova lei beneficia a big tech mais do que o jornalismo

Jornalistas e especialistas em mídia afirmam que a nova legislação da Califórnia beneficiará principalmente a gigante das buscas, pois a isentará de pagar taxas

Créditos: Viktor Forgac / Unsplash/ Google

Trân Nguyen 4 minutos de leitura

Em breve, o Google destinará milhões de dólares à Califórnia para ajudar a manter empregos no jornalismo local em um acordo inédito nos EUA. Mas profissionais e especialistas do setor afirmam que os termos beneficiam principalmente a gigante das buscas.

O acordo, que foi negociado a portas fechadas e anunciado na semana passada, vai direcionar dezenas de milhões de dólares públicos e privados para manter veículos de notícias locais. Críticos alegam que essa é uma manobra clássica das big techs para evitar o pagamento de uma taxa que poderia ter sido imposta caso uma nova legislação fosse aprovada.

Em troca, os legisladores concordaram em retirar um projeto de lei que exigiria que as empresas de tecnologia apoiassem financeiramente os veículos com os quais lucram.

Ao arquivar o projeto, o estado desistiu de obrigar o Google e as plataformas de mídia social a pagar regularmente aos editores para vincular conteúdos jornalísticos, de acordo com Victor Pickard, professor de política de mídia e economia política da Universidade da Pensilvânia. A Califórnia também abriu mão de uma quantia muito maior de financiamento que poderia ter sido garantida sob essa legislação.

O Google afirma que o acordo vai beneficiar tanto o jornalismo quanto o setor de inteligência artificial no estado. “Esta parceria público-privada se baseia na nossa longa história de colaboração com o jornalismo e com o ecossistema de notícias locais, ao mesmo tempo em que desenvolve um centro nacional de excelência em políticas de IA”, disse Kent Walker, presidente de assuntos globais e diretor jurídico da Alphabet, controladora do Google, em comunicado.

Os governos estaduais nos EUA têm buscado maneiras de ajudar empresas de jornalismo que estão enfrentando dificuldades. O setor tem passado por um longo declínio, com o colapso dos modelos de negócios tradicionais e a queda nas receitas de publicidade na era digital.

Com a transição da mídia impressa para a digital, o caminho natural para os veículos de notícia foi depender cada vez mais do Google e do Facebook para distribuir seu conteúdo. Mas, enquanto viam suas receitas de anúncios despencarem nas últimas décadas, a gigante das buscas se tornava um império da publicidade digital, gerando mais de US$ 200 bilhões por ano.

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Desde 2005, mais de 2,5 mil jornais fecharam nos EUA, e cerca de 200 condados não possuem mais nenhum veículo de notícias local, segundo um relatório da Escola de Jornalismo da Universidade Northwestern.

A Califórnia e o Novo México estão financiando programas de bolsas para jornalistas locais. Este ano, Nova York se tornou o primeiro estado a oferecer um programa de crédito fiscal para que veículos de notícias possam contratar e manter jornalistas. Illinois também está considerando uma lei semelhante à que foi arquivada na Califórnia.

O valor estabelecido no acordo, que foi estipulado em US$ 250 milhões, será direcionado para o financiamento de iniciativas de jornalismo e para um novo programa de pesquisa em inteligência artificial. No entanto, só garante o financiamento por um período de cinco anos.

O setor tem passado por um longo declínio, com o colapso dos modelos de negócios e a queda nas receitas de publicidade.

Cerca de US$ 110 milhões virão do Google e US$ 70 milhões do orçamento estadual para impulsionar empregos no setor. O fundo será administrado pela Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

A empresa também vai contribuir com US$ 70 milhões para financiar um programa de pesquisa em IA, que vai desenvolver ferramentas para ajudar a resolver “problemas do mundo real”, de acordo com Buffy Wicks, membro da assembleia que intermediou as negociações. 

O acordo não é um imposto, o que é uma grande diferença em relação ao projeto de lei de autoria de Wicks, que teria criado uma “taxa sobre links”, exigindo que empresas como Google, Facebook e Microsoft pagassem uma porcentagem da receita de publicidade para empresas de mídia por vincular seus conteúdos.

O projeto foi inspirado em uma política aprovada no Canadá que exige que o Google pague cerca de US$ 74 milhões por ano para apoiar o jornalismo.

POR QUE AS EMPRESAS DE TECNOLOGIA ESTÃO CONCORDANDO COM ISSO AGORA?

Nos últimos dois anos, as big techs lutaram contra o projeto de lei de Wicks, lançando campanhas de oposição e veiculando anúncios atacando a legislação. Em abril, o Google ameaçou bloquear temporariamente os sites de notícias dos resultados de busca de alguns usuários na Califórnia. Ainda assim, o projeto continuou avançando com o apoio dos partidos Democrata e Republicano – até a semana passada.

Desde 2005, mais de 2,5 mil jornais fecharam nos EUA.

Wicks alegou que não via um caminho viável para a aprovação do projeto e que o financiamento garantido pelo acordo era “melhor do que nada”. “Isso mostra que a política é a arte do possível”, disse ela. Mas especialistas do setor veem o acordo como uma estratégia que a empresa tem usado em todo o mundo para evitar regulamentações.

“O Google não pode abrir mão das notícias porque depende delas”, explica Anya Schiffrin, professora da Universidade de Columbia, que estuda mídia global e é coautora de um estudo sobre quanto o Google e a Meta devem aos veículos de notícias.

“Eles estão usando uma série de táticas diferentes para impedir a aprovação de projetos de lei que exigiriam uma compensação justa para os veículos”, afirma. Ela estima que a empresa deve US$ 1,4 bilhão por ano aos veículos de mídia da Califórnia.


SOBRE A AUTORA

Trân Nguyen é repórter da Associated Press. saiba mais