Governo dos EUA amplia participação acionária em empresas estratégicas
Na prática, o governo Trump está investindo dinheiro público em empresas privadas sem a aprovação direta do Congresso ou dos eleitores

Ao longo de 2025, o governo dos Estados Unidos comprou participações em diversas empresas privadas – e tudo indica que esse movimento vai continuar enquanto Donald Trump permanecer no cargo. Se essa é ou não uma estratégia sensata no longo prazo segue sendo tema de debate, com opiniões fortes dos dois lados.
Na prática, é uma mudança significativa na política industrial do país. Em vez de apenas conceder incentivos e subsídios, o governo tem se aproximado de empresas que considera essenciais para a competitividade econômica e para a segurança nacional.
A aposta de Trump é que esse modelo funcione melhor do que os incentivos tradicionais para reconstruir cadeias produtivas críticas, reduzir a dependência da China e manter sob controle norte-americano setores vistos como estratégicos.
O problema é que, ao fazer isso, o Estado assume também o papel de investidor – uma função que nem sempre combina bem com a lógica da política.
“O governo passou a se enxergar como uma fonte de capital, e o mercado também começou a vê-lo dessa forma – isso não vai parar”, disse Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete interino da Casa Branca, em um episódio recente do podcast “The Informed Board”, do escritório Skadden Arps.
Para muitas empresas, recusar esse tipo de investimento pode nem ser uma opção. “Qualquer companhia que dependa fortemente de contratos federais ou de subsídios acaba entrando nesse radar”, acrescentou.
Os EUA já haviam comprado participações em empresas privadas no passado, mas quase sempre em situações excepcionais, como guerras e grandes crises econômicas. A diferença agora é que esse tipo de intervenção começa a ser tratado como algo normal dentro da política industrial – pelo menos na visão do atual governo.
O secretário de Comércio, Howard Lutnick, já sinalizou que essa estratégia pode ser ampliada, inclusive para empresas do setor de defesa.
O CASO DA INTEL
Até o momento, o maior investimento do governo dos EUA foi na fabricante de chips Intel, que enfrenta dificuldades financeiras. Em agosto, Trump anunciou a compra de 9,9% da empresa, usando US$ 8,9 bilhões do pacote de incentivos para a indústria de semicondutores.
Segundo o diretor financeiro da Intel, David Zinsner, o objetivo do investimento foi garantir que a empresa mantenha o controle majoritário da sua operação de fabricação de chips sob contrato.
A grande questão é que a economia norte-americana – incluindo o setor de defesa – depende cada vez mais de chips avançados usados para treinar e operar sistemas de inteligência artificial. E hoje, a maior parte desses chips é fabricada em Taiwan, pela TSMC.
o governo Trump tem se aproximado de empresas que considera essenciais para a competitividade e a segurança dos EUA.
Se a Intel conseguir produzir chips desse nível em solo norte-americano, os Estados Unidos teriam muito a ganhar. Taiwan é vista como um ponto sensível no tabuleiro geopolítico, já que fica a apenas 140 quilômetros da China – e, embora tenha seu próprio governo, é reivindicada por Pequim.
Em julho, o Departamento de Defesa dos EUA investiu US$ 400 milhões para adquirir 15% da empresa de terras raras MP Materials, tornando o Pentágono seu maior acionista. O acordo inclui ainda um empréstimo de US$ 150 milhões para ajudar a financiar a construção de uma planta de separação de terras raras na Califórnia.
O governo norte-americano também recebeu uma chamada “golden share” na Nippon Steel em troca da aprovação da fusão da empresa japonesa com a U.S. Steel, sediada em Pittsburgh, no estado da Pensilvânia.
Essa ação especial não representa uma participação acionária direta, mas garante ao governo poder de veto sobre decisões estratégicas e o direito de indicar um membro para o conselho.

Em outubro, o Departamento de Energia concedeu um empréstimo de US$ 2,26 bilhões à canadense Lithium Americas e ao projeto da mina de lítio Thacker Pass, em troca de uma participação de 5% tanto na empresa quanto no empreendimento.
No mesmo mês, o Departamento de Defesa investiu US$ 35,6 milhões para adquirir 10% da empresa canadense Trilogy Metals, responsável por um projeto de infraestrutura no Alasca voltado à extração de cobre, cobalto e zinco.
Já em novembro, o Departamento de Comércio anunciou a intenção de comprar uma participação na fabricante de ímãs de terras raras Vulcan Elements por US$ 50 milhões. O Pentágono também planeja conceder um empréstimo de US$ 620 milhões para viabilizar a construção de uma grande fábrica de ímãs de neodímio-ferro-boro.
UMA APOSTA ARRISCADA
Na prática, o governo Trump está investindo dinheiro público em empresas privadas sem a aprovação direta do Congresso ou dos eleitores. O risco é evidente: se a empresa não der certo, o prejuízo cai na conta do contribuinte.
Além disso, há um desconforto histórico dentro do próprio Partido Republicano, que tradicionalmente defende um Estado menor e vê com desconfiança qualquer tentativa do governo de influenciar o mercado.
A estratégia tem gerado críticas duras. Em um artigo de opinião para o “The Washington Post”, Scott Lincicome, do Cato Institute, disse que essas participações representam “uma guinada perigosa na política industrial norte-americana”, por abandonar princípios de mercado e politizar decisões empresariais.
“Com o governo como principal acionista, a Intel ficará sob pressão constante para alinhar suas decisões aos objetivos do partido que estiver no poder”, alertou.