Há 30 anos, filmes como “A Rede” previam as maravilhas e os horrores da internet
Em 1995, surgiram os primeiros filmes que colocaram a cultura digital no centro da trama. Seus criadores relembram o que elas acertaram sobre o futuro online

Nos anos 1990, receber um e-mail era quase um evento – algo comparável a ouvir uma batida inesperada na porta ou chegar em casa e se deparar com uma festa surpresa. Esse clima de novidade está eternizado no filme “Assédio Sexual”, suspense lançado em 1994.
O longa começa com uma garotinha usando o “computador da família”, até que solta casualmente: “Paaai, você tem um e-mail!”. A fala é dirigida ao personagem de Michael Douglas, um executivo do setor de tecnologia, mas também aos espectadores da época – era o futuro chegando.
Até então, a maioria das pessoas nunca tinha visto um e-mail. Ainda assim, os anos 1990 já vibravam com o ritmo acelerado da revolução digital. Filmes como “A Rede” e “Piratas de Computador” colocaram a cultura online sob os holofotes.
“Piratas de Computador” acompanha um grupo de adolescentes prodígios da computação – incluindo Angelina Jolie em seu primeiro grande papel – que se vê envolvido em uma conspiração corporativa. Já “A Rede” traz Sandra Bullock como uma analista de sistemas que tem sua identidade apagada.
Rever esses marcos do cinema digital de 1995 é perceber o quanto eles anteciparam tanto as promessas quanto os perigos da vida conectada. A Fast Company conversou com os criadores de ambos os filmes para entender o que mudou – e o que continua surpreendentemente atual – nesses últimos 30 anos.
Nenhum dos dois filmes foi um sucesso de bilheteria, mas ambos conquistaram um status cult, especialmente por retratar a internet justo quando ela começava a entrar na vida doméstica.
“Na época, ninguém tinha feito um filme realmente ambientado nesse universo”, lembra Jeff Kleeman, produtor executivo de “Piratas de Computador”. “Eu pensava: alguém vai fazer isso em breve – e espero que sejamos nós.”
Kleeman acompanhou a produção desde o início. O primeiro roteiro já trazia um bom grau de autenticidade técnica e um ritmo vibrante. Os diálogos pareciam realmente saídos da boca de adolescentes.


Já o roteiro original de “A Rede” quase não falava de internet. Era a história de uma mulher que contratava um hacker para forjar seu currículo e conseguir um emprego em uma agência de publicidade – até que ele se tornava obcecado por ela.
A virada veio quando o roteirista John Brancato teve um estalo após ler um livro sobre roubo de identidade. A cena em que o hacker apaga os registros bancários e os dados da protagonista, que antes aparecia só no final, passou a ser o ponto central da história.
O novo enredo focava em uma analista de sistemas que vê sua vida ser apagada da internet e precisa entender por que – e como recuperá-la. Os executivos adoraram. A trama sobre currículos falsos se transformou em um suspense tecnológico alinhado com a realidade da época.
O PEDIDO DE PIZZA MAIS FAMOSO DO CINEMA
Se em 1994 “Assédio Sexual” celebrava o e-mail como algo mágico, “Piratas de Computador” e “A Rede” mostravam o que mais era possível fazer online.
Logo no início de “Piratas de Computador”, um dos personagens invade remotamente uma emissora de TV e substitui um programa conservador por um episódio de “Além da Imaginação”. Visto hoje, parece banal – mas, nos anos 90, era quase bruxaria.
“A Rede” também traz cenas que agora parecem datadas. No começo do filme, Sandra Bullock, no papel de Angela Bennett, aparece em chats, comprando passagens aéreas online e, na cena mais memorável, pedindo uma pizza pela internet.
Outras, no entanto, parecem surpreendentemente proféticas. A protagonista trabalha com seu notebook na praia – uma prévia do trabalho remoto –, ainda que pergunte em voz alta: “onde posso conectar meu modem?”, já que o wi-fi só surgiria três anos depois.
Na época, uma conexão discada levava cerca de 30 segundos. Mas no filme a conexão é instantânea – uma licença criativa para poupar o público do barulho irritante dos modems. Ainda assim, alguns espectadores reclamaram da falta de realismo.
“NOSSA VIDA INTEIRA ESTÁ NO COMPUTADOR”
Mais do que mostrar novas possibilidades tecnológicas, os filmes sobre internet dos anos 90 já apontavam para transformações sociais, tanto boas quanto ruins. “Nossa vida inteira está no computador”, diz a personagem de Bullock. A frase resume bem o tom do filme.
Hoje isso soa óbvio. Mas, naquela época, o público ainda não tinha noção da quantidade de informações sensíveis que circulavam na internet, nem de como esses dados podiam ser alterados e impactar a vida real.
Durante boa parte do filme, a protagonista tenta convencer as autoridades de que é Angela Bennett, mesmo com todos os registros digitais dizendo que ela é outra pessoa: uma criminosa chamada Ruth Marx.

“A Rede” antecipa um problema que só piorou com o tempo: a dificuldade de saber o que é verdade no mundo digital. Com deepfakes e desinformação, ficou ainda mais complicado saber o que é real.
Já “Piratas de Computador” mostrou um lado mais positivo da manipulação da realidade online e off-line. Embora o filme não trate explicitamente da sexualidade dos personagens, dois deles – Cereal (interpretado por Matthew Lillard) e Phreak (Renoly Santiago) – têm uma estética queer e fluida.
O visual de Lillard – com tranças, maquiagem e tops curtos – era ousado para um estudante em um filme comercial de 1995. Segundo Kleeman, a ideia era mostrar que a internet podia ser libertadora: um espaço onde você escolhe sua própria identidade.
Mas a paranoia com a privacidade, presente em ambos os filmes, hoje soa até inocente – quase como um simples pedido de pizza pela internet.
A FUGA DA QUAL NÃO SE ESCAPA
Mesmo com toda sua visão de futuro, os primeiros filmes sobre a internet logo foram superados pela própria realidade, especialmente com a chegada do iPhone.
“Piratas de Computador” e “A Rede” mostravam a tecnologia como um portal para um mundo novo e fascinante. Mas tudo mudou quando computadores passaram a caber no bolso e a estar presentes o tempo todo. A internet deixou de ser um lugar para onde a gente “ia” e passou a ser uma camada constante da vida real.
Por mais que “Piratas de Computador” a retratasse como uma espécie de cidade digital, com bancos de dados em forma de arranha-céus, ainda era preciso estar diante de um computador para acessá-la.

Como outros filmes sobre a internet dos anos 90, eles sofrem do mesmo problema: muitas cenas com pessoas paradas, digitando em frente a um monitor. Depois da era dos smartphones, os cineastas passaram a sobrepor interfaces na tela e mostrar os personagens em movimento, o que deu mais dinamismo às histórias.
Na verdade, o próprio iPhone dificultou a vida do cinema. Hoje, os personagens podem resolver qualquer mistério em segundos com uma simples busca. Para manter o suspense, os roteiristas precisam desligar o wi-fi ou mandar os personagens de volta no tempo.
Talvez por isso diretores como Quentin Tarantino, Martin Scorsese e Paul Thomas Anderson prefiram fazer filmes de época: é uma forma de contar histórias sem internet.
Se nos anos 1990 a internet parecia uma fuga da realidade, hoje muita gente sonha em fugir justamente dela. E, nesse sentido, “A Rede” acertou em cheio: o filme termina com Sandra Bullock fazendo algo que, em 2025, virou sinônimo de autocuidado – ela sai de casa e vai cuidar do jardim.