Independente e sem patrocinador, Wikipédia entra na mira de conservadores
Os ataques de Elon Musk podem ameaçar a plataforma – mas esta não é a primeira vez que o site enfrenta pressão política
A mais famosa enciclopédia digital do mundo já foi alvo de intimidação política antes, mas agora pode estar diante da maior ameaça de sua história. Nos últimos tempos, tem havido uma série de ataques à Wikipédia.
Nos últimos meses, políticos do Partido Republicano dos EUA intensificaram seus ataques ao site, classificando-o como mais uma instituição “woke” – termo usado por conservadores para criticar pautas progressistas. Documentos vazados, da Heritage Foundation, um influente think tank de direita, revelaram um plano para expor certos editores da plataforma.
Em janeiro, Elon Musk, que agora ocupa o cargo de chefe do Departamento de Eficiência Governamental da Casa Branca, chamou a enciclopédia digital de uma “extensão da propaganda da mídia tradicional”.
Acusações de viés político contra a Wikipédia não são novidade. E elas não vêm apenas dos republicanos mais radicais: Larry Sanger, cofundador da plataforma – que nunca se declarou republicano –, admitiu, depois de deixar o projeto, em 2002, que, se existia uma inclinação progressista, ela não era tão grande quanto os críticos conservadores alegavam.
Em 2006, o comentarista Andrew Schlafly chegou a criar sua própria versão da plataforma, a Conservapedia. O debate sobre a suposta parcialidade da Wikipédia continuou nas duas décadas seguintes, com think tanks conservadores publicando relatórios constantes denunciando uma inclinação política à esquerda.
ELON MUSK NO CENTRO DA POLÊMICA
Até então, eram apenas críticas. Agora, Elon Musk e o movimento MAGA (“Make America Great Again”, slogan de campanha de Trump) podem representar uma ameaça real com seus ataques à Wikipédia.
O embate começou quando o verbete relativo ao bilionário mencionou que seu gesto de levantar o braço durante a posse do presidente Trump foi “comparado a uma saudação nazista”, embora acrescentasse que Musk negou haver qualquer relação.
Essa menção enfureceu Musk, que passou a atacar a enciclopédia digital no X (ex-Twitter), chamando-a de “propaganda” e sugerindo que deveríamos “cortar seu financiamento”.
A guerra cultural chegou às nossas fontes de informação, e a Wikipédia está no centro desse conflito.
A Wikipédia é financiada por doações individuais e corporativas, e não por recursos públicos. O cofundador da plataforma, Jimmy Wales, rebateu: “acho que Elon está chateado porque a Wikipédia não está à venda.”
Apesar de ser o personagem mais famoso desta ofensiva, há articulações acontecendo nos bastidores. Documentos obtidos pelo jornal “Forward” indicam que a Heritage Foundation está mirando não apenas a Wikipédia, mas também seus editores. Muitos colaboradores preferem se manter anônimos, usando pseudônimos online.
A Heritage Foundation, supostamente, estaria promovendo estratégias como rastreamento digital e análise de edições para descobrir a identidade real desses editores Ainda não está claro como essas informações seriam usadas, mas a simples ameaça de exposição pode afastar voluntários da plataforma.
Essa pressão política tem preocupado a Fundação Wikimedia. Segundo o site 404 Media, a liderança da organização realizou várias reuniões nas últimas semanas para discutir o crescente ataque ao site. Jimmy Wales afirmou que está “atento ao aumento das críticas de Elon Musk e de outros”.
Considerando que a Heritage Foundation foi a responsável pelo Projeto 2025 – um plano de ação legislativa que já começou a influenciar o segundo mandato de Trump –, essas preocupações podem ser bastante justificadas.
GUERRA CULTURAL E ATAQUES À WIKIPÉDIA
A esquerda também tem seus atritos com a Wikipédia. Progressistas criticam a lentidão da plataforma para revisar termos controversos e atualizar conteúdos sensíveis. Por exemplo, como a filha trans de Ernest Hemingway deve ser chamada? Pelo nome de nascimento, “Gregory”, ou pelo nome que escolheu, “Gloria”?
Outro exemplo: o termo “squaw”, usado para se referir a mulheres nativas americanas, mas considerado ofensivo pelo governo dos EUA, deve ser removido dos nomes de locais históricos? Essas discussões podem levar semanas para serem resolvidas. Ativistas pró-Palestina também demonstram insatisfação com a forma como a plataforma aborda o conflito com Israel.
Elon Musk e o movimento MAGA podem representar uma ameaça real à Wikipédia
Nos últimos anos, debates políticos têm se concentrado cada vez mais na linguagem. Durante muito tempo, direita e esquerda brigaram sobre quais palavras são aceitáveis. Mas agora, no governo Trump, os conservadores estão transformando essa disputa em medidas legislativas.
Sites que lidam com informações e terminologias estão sob ataque – desde bancos de dados que Trump já mandou encerrar até a remoção de referências à população trans da página do monumento de Stonewall. A guerra cultural chegou às nossas fontes de informação. E a Wikipédia está no centro desse conflito.
