Por que as grandes inovações do futuro virão do pensamento polinteligente

Leonardo da Vinci compreendia o poder de unir a inteligência humana à inteligência da natureza – uma abordagem para a inovação que nunca foi tão crucial quanto agora

Crédito: Hilda Weges/ Getty Images

Noubar Afeyan 4 minutos de leitura

Nos últimos anos, a fusão entre inteligência humana e inteligência artificial tem ganhado cada vez mais destaque na mídia, no meio acadêmico e no setor empresarial. Sem dúvida, essa combinação já está impulsionando descobertas notáveis em diversas áreas. Mas há um terceiro tipo de inteligência, igualmente essencial, que quase sempre fica de fora dessa discussão: a inteligência da natureza.

A ideia de que a natureza possui características que associamos à inteligência – como a capacidade de aprender, armazenar conhecimento em novos modelos mais eficientes e se adaptar continuamente – não é nova. Leonardo da Vinci já compreendia isso. Para ele, a natureza era tanto uma fonte de aprendizado quanto de inspiração. Nada escapava ao seu olhar atento: a água, o solo, as plantas, os pássaros.

Parte de sua genialidade estava na habilidade de enxergar os sistemas ocultos – forças e leis invisíveis que regem desde o funcionamento do corpo humano até o movimento dos objetos no ar.

Hoje, seguimos esse mesmo caminho ao estudar a sofisticada comunicação química das plantas, a inteligência coletiva dos enxames de insetos, as estratégias dos cavalos e os padrões complexos dos “cânticos” das baleias. Estamos começando a reconhecer, com humildade, que a natureza é muito mais inteligente do que imaginávamos.

Mas o que mais fascinava Da Vinci não era apenas a inteligência presente em cada um desses sistemas, e sim as conexões entre eles. Ao estudar o corpo humano, projetar máquinas ou criar obras de arte, ele combinava diferentes áreas do conhecimento para produzir algo que ia além da soma de suas partes.

Essa abordagem nunca foi tão relevante e possível quanto é hoje. A fusão entre a inteligência da natureza, a humana e a artificial – um conceito que chamo de polinteligência – pode ser a chave para solucionar alguns dos desafios mais complexos do nosso tempo.

IMPACTOS DA INTELIGÊNCIA DA NATUREZA

Esse modelo integrado já está revolucionando a biotecnologia. Do desenvolvimento de novos medicamentos à biologia sintética, a polinteligência está possibilitando avanços que nenhuma dessas inteligências, isoladamente, conseguiria alcançar.

Um exemplo disso é o Projeto Genoma Humano, que concluiu o mapeamento do DNA em 2003. Mais de duas décadas depois, essa combinação entre inteligência da natureza, inteligência humana e IA continua gerando descobertas, como novas sequências de DNA e mRNA que podem levar a tratamentos inovadores.

Outro exemplo é o uso da polinteligência para “decifrar o idioma” das proteínas, permitindo a criação de proteínas inéditas com funções terapêuticas específicas. Assim como uma língua tem palavras e regras gramaticais, a inteligência artificial analisa grandes volumes de dados sobre proteínas para entender as “normas” que definem sua estrutura e função.

Flor transparente com miolo azul remetendo a chips
Crédito: Freepik

Esse conhecimento permite que cientistas projetem proteínas inovadoras dentro da própria lógica da natureza, superando limitações tradicionais e abrindo caminho para novos tratamentos contra doenças complexas.

Mas os impactos da polinteligência vão muito além da biomedicina. Esse modelo de pensamento, sistemas e soluções pode desempenhar um papel essencial na mitigação das mudanças climáticas, no aumento sustentável da produtividade agrícola e na solução de outros desafios globais.

E isso já está acontecendo. A inteligência da natureza, potencializada pela IA, está sendo usada para acelerar a evolução de culturas agrícolas essenciais, como milho, trigo e soja, tornando-as mais resistentes a temperaturas elevadas e condições climáticas extremas.

O potencial da polinteligência supera até mesmo o que esperamos da inteligência artificial. Por isso, é essencial que essa transição seja conduzida de maneira responsável. As decisões que tomarmos hoje – seja em governança, ética ou no combate a vieses – precisam garantir que a IA esteja a serviço da polinteligência.

POLINTELIGÊNCIA E SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS

Para que esse conceito atinja seu potencial máximo, devemos incentivar a colaboração interdisciplinar, promovendo pesquisas que integrem diversas áreas do conhecimento.

Ao reunir formuladores de políticas públicas, cientistas, líderes da indústria e educadores, podemos unir forças para enfrentar os desafios mais urgentes do planeta. Da resiliência das cidades e conservação da biodiversidade à otimização da produção de energia, a polinteligência pode impulsionar soluções sustentáveis com impacto global.

Para Da Vinci, a natureza era tanto uma fonte de aprendizado quanto de inspiração.

Por fim – e talvez o mais importante –, será necessário mudar nossa própria percepção sobre inteligência. Precisamos abandonar a ideia de que somos os únicos capazes de definir o que é bom, correto ou inteligente.

Seja ao estudarmos os sofisticados mecanismos do corpo humano para combater doenças, seja ao descobrirmos que cavalos conseguem planejar estratégias, devemos ter a humildade – assim como Da Vinci teve – de reconhecer que a natureza opera em um nível que muitas vezes escapa à nossa compreensão.

Nosso conhecimento será sempre incompleto. Mas ele está se expandindo rapidamente e de formas cada vez mais surpreendentes, transformando não apenas o que descobrimos, mas a própria maneira como inovamos.


SOBRE O AUTOR

Noubar Afeyan é fundador e CEO da empresa de capital de risco em ciências da vida Flagship Pioneering, além de cofundador e chairman d... saiba mais