A foto da princesa e como a IA pode tornar a internet ainda menos confiável

As suspeitas sobre o que é ou não real aumentaram com os avanços em IA

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Chris Stokel-Walker 3 minutos de leitura

Um caso recente tem tomado conta das redes sociais de uma forma que poucos conseguiram nos últimos anos: o que estaria acontecendo com Kate Middleton, princesa de Gales e esposa do futuro rei do Reino Unido?

Ela quase não foi vista em público desde o início do ano. O Palácio de Kensington emitiu um comunicado informando que a princesa estava se recuperando de uma cirurgia e ficaria fora dos holofotes até a Páscoa. No entanto, seu sumiço da vida pública gerou especulações nas redes sociais. E, na falta de informações, surgiram teorias da conspiração.

Na tentativa de dissipar os rumores, no dia 10 de março, o Palácio divulgou uma foto dela com seus três filhos. Mas isso acabou provocando uma reação oposta, já que internautas examinaram a imagem e encontraram inconsistências, que, segundo alguns, sugerem que Kate não estava presente no momento e que a foto foi tirada.

Agências de notícias de todo o mundo retiraram a imagem de circulação, pois havia sido manipulada. Uma declaração pública da princesa admitindo ter editado a foto não foi suficiente para acalmar os ânimos.

Provavelmente, a verdade é aquela que o Palácio apresentou: Kate Middleton passou por uma cirurgia séria e está se recuperando. Mas o fato de a polêmica ter se prolongado tanto é uma prova de que o mundo, graças à tecnologia, se tornou ainda mais virulento.

Crédito: Reprodução/ Instagram

Gemma Milne, socióloga de tecnologia da Universidade de Glasgow, descreve o caso como “uma combinação de discursos interligados”. Segundo ela, o incidente levanta “questões sobre confiança na mídia digital, especialmente devido aos avanços em IA generativa, que tornaram difícil verificar a veracidade do que vemos".

"[Esses avanços] acenderam debates sobre o que pode ser considerado uma imagem ‘real’. Tudo isso em uma época na qual imagens são criadas de maneira mais explícita, em comparação com a longa história de manipulação, encenação e edição de fotos”, analisa a socióloga.

Somado a isso há discussões em torno das responsabilidades de celebridades em relação ao público – como é o caso dos fãs de Taylor Swift e o sentimento que eles têm de que ela lhes deve explicações, respostas, aparições acesso, etc. – e sobre o papel da família real em tempos de mudança, explica Milne.

EM TODO LUGAR

Outros elementos também estão em jogo, especialmente diante dos avanços da IA generativa que acompanhamos nos últimos 18 meses. Os representantes oficiais produziram uma evidência fotográfica de que a princesa está feliz e saudável e isso foi considerado como falso.

Segundo o especialista em mídia sintética Henry Ajder, isso se deve, em parte, ao impacto das ferramentas de IA generativa, que criam imagens realistas a partir de um simples comando de texto, 

“A maioria das pessoas sabe que fotos de celebridades são fortemente editadas, e esta certamente não é a primeira vez que vemos uma causar polêmica”, diz ele.

Foto falsa do papa Francisco usando um casaco da marca Balenciaga (Crédito: Reditt)

Mas a suspeita sobre o que é real e o que não é foi intensificada pelos avanços tecnológicos, que colocaram ferramentas capazes de criar imagens falsas nas mãos do público em geral – e sem muito esforço.

“O conteúdo hiper-realista gerado por inteligência artificial tornou algumas pessoas muito mais sensíveis ao que é real e ao que é gerado por IA”, observa Ajder.

os avanços em IA generativa tornaram difícil verificar a veracidade do que vemos.

No entanto, embora as pessoas estejam começando a ter consciência do poder da inteligência artificial, a verdade é que ela está presente nas nossas vidas há muito tempo. “Os recursos de IA estão em toda parte, inclusive na fotografia computacional, que está presente em todas as fotos que tiramos com smartphones modernos”, explica ele.

A polêmica em torno da foto de Kate Middleton traz à tona uma série de questões, mas, acima de tudo, ajuda a mostrar que entramos em uma nova era na qual precisamos ser mais desconfiados em relação ao que vemos. A velha expressão “ver para crer” não se aplica mais.

“Este caso pode ter chamado a atenção, mas, ao tentar responder à pergunta [o que é real e o que é IA?], ele expõe o quão sintético já é o nosso cenário midiático”, ressalta Ajder.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais