Como a IA ajudou a “reunir” os Beatles para gravar uma nova canção

A nova música, que conta com vocais de John Lennon, levou 50 anos para ser finalizada – e só foi possível com a ajuda da inteligência artificial

Créditos: Anthony Roberts/ Manuel Sardo/ Unsplash

David Salazar 4 minutos de leitura

Toda vez que ouvimos Beatles é difícil não ficar imaginando “e se?”. E se eles nunca tivessem se separado? E se John Lennon nunca tivesse sido assassinado? Quantas outras canções poderiam ter sido criadas?

Agora, temos um vislumbre interessante de qual seria a resposta para algumas dessas perguntas com “Now and Then”, a nova faixa que está sendo anunciada como a última música dos Beatles.

Coproduzida por Paul McCartney e Giles Martin, a canção incorpora elementos dos quatro rapazes de Liverpool – incluindo os vocais de John Lennon, que foram originalmente gravados em uma fita na década de 1970.

Now and Then” esteve em desenvolvimento por décadas, e sua existência pode ser atribuída, em parte, aos membros remanescentes da banda, a Yoko Ono, ao produtor e diretor de cinema Peter Jackson e ao machine learning.

Antes de trabalhar no projeto “The Beatles Anthology”, de 1995, que incluiu um documentário para a televisão, três álbuns duplos e um livro, a viúva de Lennon enviou quatro fitas demo a McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

Quando os três Beatles se reuniram em estúdio, eles conseguiram transformar duas dessas demos em canções completas, “Free as a Bird” e “Real Love”. Também gravaram algumas partes de guitarra e bateria para acompanhar a faixa “Now and Then” de Lennon. Mas a produção se mostrou inviável: a qualidade da gravação era muito ruim e a voz estava abafada pelo som do piano e de uma televisão ao fundo.

A demo permaneceu nos arquivos de McCartney até recentemente, quando o trabalho de Jackson no documentário “The Beatles: Get Back”, lançado em 2021, abriu as portas para a mixagem de áudio com inteligência artificial.

Crédito: John Downing/ Getty Images/ Rawpixel

Jackson e sua equipe desenvolveram a tecnologia para a série, usando-a para isolar e melhorar vozes e instrumentos de gravações mono feitas na década de 1970, como parte de um documentário chamado “Let it Be”, lançado simultaneamente ao álbum.

McCartney pediu que aplicassem a tecnologia ao registro de “Now and Then”, e eles finalmente conseguiram isolar adequadamente os vocais de Lennon do som de fundo. Com ajuda da tecnologia, o artista se dedicou a transformar a demo em uma música completa dos Beatles.

Além de gravar suas próprias partes de baixo e harmonias, McCartney recuperou rifes de guitarra que Harrison havia gravado em 1995, convocou Starr para tocar bateria e pediu a Martin que escrevesse acordes para os instrumentos de cordas. Também criou um solo de guitarra inspirado em Harrison. O resultado é uma canção surpreendentemente coesa, apesar de ser montada com elementos de diferentes décadas.

Martin enfatiza que os fãs não devem se preocupar com a tecnologia usada para criar a música. A indústria vem trabalhando nesse sentido há muito tempo. Ele tentou usar uma versão mais rudimentar para revisitar o catálogo dos Beatles alguns anos atrás, “mas não era suficiente”. A tecnologia usada em “The Beatles: Get Back” foi um divisor de águas.

O produtor também destaca a importância de as pessoas compreenderem que a criatividade humana ainda está no centro da música. Mesmo que a IA estivesse envolvida, ela não foi usada para criar vocais sintéticos de Lennon.

“Era fundamental para nós garantir que os vocais fossem de John, e não uma versão gerada por machine learning”, afirma Martin, cujo pai, George Martin, foi por muito tempo produtor da banda.

Embora esse esforço esteja sendo usado, em parte, para promover o relançamento dos álbuns da antologia 1962-1966 e 1967-1970 (conhecidos como “álbum vermelho” e “álbum azul”), Martin deixa claro que não se trata de uma jogada de marketing.

Ele diz que foi um projeto movido pelo amor, principalmente por parte de McCartney. “As pessoas podem achar difícil acreditar, mas não foi ideia de algum executivo de marketing”, diz ele. “Paul fez isso por conta própria e depois me chamou para ajudar.”

Na verdade, a música soa exatamente como o que é: uma oportunidade para voltar a um período em que faziam música juntos, com letras de Lennon que parecem ser premonitoriamente nostálgicas. É uma despedida, sem dúvida, mas por quatro minutos e oito segundos, os Beatles estão de volta à vanguarda da música.

“Eles usaram as ferramentas disponíveis de maneira inovadora – seja criando loops de partes gravadas em fita ou rifes de guitarras invertidos”, diz Martin.

A tecnologia pode ter mudado, mas o espírito inventivo que ajudou a criar “Revolver” e “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” permanece – e está evidente na nova canção. “Adoro ver os Beatles explorando novas tecnologias, como fizeram quando meu pai trabalhava com eles”, completa.


SOBRE O AUTOR

David Salazar é editor associado da Fast Company. saiba mais