Estúdios de Hollywood precisam agir agora ou a IA vai tomar o seu lugar

Atores e roteiristas temem ser substituídos por inteligência artificial. Mas os estúdios também deveriam estar preocupados

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Michael Grothaus 8 minutos de leitura

Uma das muitas preocupações legítimas dos atores e roteiristas em greve é que Hollywood possa substituí-los por IA. Os estúdios já propuseram escanear os rostos dos figurantes, pagar-lhes apenas uma vez e usar suas imagens em projetos futuros para sempre, sem qualquer tipo de remuneração adicional (atualmente, eles recebem entre US$ 100 e US$ 200 por dia de gravação).

Também se recusaram a negociar com os roteiristas sobre o uso de IA para escrever filmes e séries. Essa recusa levou muitos dos grevistas a temerem que Hollywood possa usar a inteligência artificial como uma ferramenta para reduzir custos (algo que a indústria do entretenimento está buscando ativamente). Humanos precisam ser pagos; a IA não.

Mas esse plano poderia, inadvertidamente, levar os próprios estúdios à ruína. Por quê? Porque até a década de 2030, é provável que a inteligência artificial os tenha tornado obsoletos.

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HISTÓRIAS GERADAS POR IA

Lembra quando você era criança e, antes de dormir, queria ouvir uma história? Sua mãe, pai ou babá então inventava uma na hora. É o que a IA será capaz de fazer no futuro. Mas, muito além de apenas histórias curtas em áudio, ela poderá gerar filmes inteiros sob medida.

Esses filmes terão uma variedade de personagens, temas, tramas e trilhas sonoras emocionantes – tudo gerado por inteligência artificial, mas com a aparência de produções de Hollywood.

A grande diferença é que esse conteúdo não será produzido em estúdio. A IA não precisa deles, só precisa de si mesma. E poderá oferecer ao público algo que Hollywood não pode: filmes adaptados aos gostos individuais de cada pessoa.

A verdade é que os atores e roteiristas não estão lutando apenas pelo seu próprio futuro, mas também pelo dos estúdios.

Imagine ter um voo de oito horas pela frente e poder pedir à IA em seu tablet para gerar uma trilogia de espionagem exatamente com essa duração, ambientada em, digamos, Tóquio, a cidade para onde você está viajando.

Agora imagine, além de tudo, poder se ver no papel principal. A inteligência artificial será capaz de gerar um longa como esse com a mesma facilidade com que pais inventam uma história de ninar para seus filhos.

Em um mundo no qual qualquer um pode ter acesso ao filme que imaginar diretamente em seu smartphone, tablet ou smart TV, por que os investidores colocariam dinheiro em produções pelas quais as pessoas precisam ser convencidas a pagar para assistir? Os estúdios logo ficariam obsoletos.

Vale ressaltar que não sou o único que pensa assim. A atriz, escritora e diretora Justine Bateman publicou uma thread interessante no Twitter em maio com previsões semelhantes. E ela pode falar sobre o tema melhor que ninguém, já que, além de ter uma carreira consolidada em Hollywood, também é programadora e possui formação em ciência da computação.

Se você está lendo este artigo e acha tudo isso um absurdo, talvez não esteja prestando atenção suficiente na velocidade com que a IA generativa está evoluindo. Veja o tuíte abaixo, que mostra o progresso impressionante do Midjourney. Em apenas 15 meses, suas imagens passaram de estranhas até chegar ao ponto de serem quase indistinguíveis de fotografias reais.

Agora, observe como modelos que geram textos, como o ChatGPT, estão cada vez melhores. A versão 3.5 foi lançada no final de novembro de 2022. A 4.0, apenas três meses e meio depois, em março de 2023. As diferenças em termos da complexidade das histórias que cada versão pode gerar são surpreendentes.

O ChatGPT 3.5 produzia textos rudimentares, que não se comparavam às histórias escritas por humanos. Porém, como apontado pelo “Search Engine Journal”, a nova versão é capaz de gerar textos usando dialetos regionais e suas histórias apresentam enredos, personagens e narrativas mais coesas.

até a década de 2030, é provável que a inteligência artificial tenha tornado os estúdios obsoletos.

A próxima etapa é combinar essas duas tecnologias, como pesquisadores e empresas já estão fazendo. Em breve, teremos um sistema de IA capaz de produzir filmes roteirizados sob demanda. E essas tecnologias serão exponencialmente melhores em questão de meses. Imagine como estarão daqui a alguns anos.

“Ainda assim”, podem dizer os produtores, “os estúdios poderiam usar a inteligência artificial apenas para substituir roteiristas e atores. Jamais criariam uma IA generativa que qualquer um pudesse usar para gerar filmes com a mesma qualidade de produções hollywoodianas.”

Atores fazem manifestação em frente ao escritório da Netflix, em apoio aos roteiristas em greve (Crédito: Mario Tama/ Getty Images)

A questão é que os estúdios não são os únicos que podem criá-la. Alguma gigante da tecnologia ou nova startup certamente o fará. Convenhamos, se você acredita que a Amazon se recusaria a lançar um Fire TV Stick com capacidade de gerar conteúdos personalizados, talvez não conheça tão bem assim a empresa de Jeff Bezos. Sem dúvida, seria um grande sucesso.

O Vale do Silício nunca teve problema em eliminar indústrias ultrapassadas, e o próximo alvo será Hollywood.

É importante lembrar que os escritores estão tão vulneráveis quanto os estúdios. Falo isso com propriedade, pois também sou escritor. Depois de estudar cinema no final dos anos 1990, mudei meu foco para jornalismo e literatura para ter mais controle sobre o processo de contar histórias.

As novas gerações podem deixar de notar as diferenças entre histórias humanas e aquelas inteiramente geradas por IA.

Há cerca de seis anos, comecei a me interessar por IA generativa, principalmente por causa dos deepfakes. Escrevi um livro de não-ficção sobre a tecnologia, e meu mais recente romance, “Beautiful Shining People” (Pessoas Sorridentes e Belas), será lançado nos Estados Unidos em outubro. Nesta obra, exploro como a IA mudará nossa sociedade e nossas relações, para melhor e para pior, nas próximas décadas.

Depois de pesquisar muito e escrever esses dois livros, estou cada vez mais convencido de que, em um futuro próximo, o Kindle será capaz de gerar livros de ficção sob demanda, adaptados aos gostos individuais do leitor, incluindo enredo, cenário e quantidade de páginas.

OS ESTÚDIOS PRECISAM AGIR, E RÁPIDO

Como, então, os estúdios podem evitar a obsolescência em um mundo impulsionado pela IA? Na verdade, não tenho certeza se isso será possível. Mas, se eles têm alguma esperança de sobreviver, precisam agir o quanto antes.

Primeiramente, terão que aceitar as demandas dos roteiristas e atores quanto ao uso da IA e encontrar formas de garantir que eles não serão substituídos. Em seguida, precisarão trabalhar com esses profissionais para fazer o que fazem de melhor: criar uma nova narrativa.

Hollywood precisa lançar uma campanha o mais rápido possível para convencer o público de que histórias humanas – isto é, aquelas criadas por pessoas de verdade – são as únicas que valem a pena ser contadas e, sobretudo, pelas quais vale a pena pagar para assistir.

Roteiristas em greve (Crédito: Philip Pacheco/ Bloomberg/ Getty Images)

Isso não é apenas marketing; é algo que eu e todo escritor, roteirista e diretor que conheço acreditamos plenamente. Filmes, peças e livros são feitos para explorar a condição humana. Somente nós, seres humanos, sabemos como é sermos nós mesmos, como é viver, amar e sofrer.

Quando entendemos isso, nos tornamos mais conectados uns com os outros e nos sentimos mais compreendidos. É uma sensação incrível quando assistimos ou lemos algo criado por outra pessoa e de repente percebemos: “ah, quem criou isso teve os mesmos pensamentos que eu!”. Isso nos faz sentir menos sozinhos.

É por essa conexão emocional que o público estará disposto a pagar. Conteúdos gerados por inteligência artificial jamais poderiam nos tocar dessa forma, pois sabemos que ela não compartilha genuinamente nossos pensamentos, experiências ou dificuldades, independentemente do que cria.

Os filmes terão uma variedade de personagens, temas, tramas e trilhas sonoras emocionantes, tudo gerado por IA, mas com a aparência de produções de Hollywood.

Tudo o que a IA produz é uma imitação, que causa profunda estranheza nos espectadores – não apenas nos nossos sentidos, mas também na alma. Naturalmente, essa falta de conexão pode deixar de existir quando a IA se tornar consciente e tiver algo próprio a dizer, mas provavelmente estamos a pelo menos meio século disso.

Dito isso, devo admitir que essa percepção pode não parecer tão óbvia para as gerações futuras. Tenho 45 anos e tive contato com a arte antes da IA. Mas tenho a sensação de que as novas gerações podem se acostumar com conteúdos produzidos artificialmente. Com o tempo, podem deixar de notar as diferenças mais profundas e significativas entre histórias humanas e aquelas inteiramente geradas por IA.

Para elas, o que a inteligência artificial produz pode se tornar a norma, fazendo com que os filmes criados por seres humanos percam seu valor. Se este for o caso, por que não pedir que seu tablet gere um longa personalizado em vez de pagar para assistir uma produção de Hollywood?

A verdade é que os atores e roteiristas não estão lutando apenas pelo seu próprio futuro, mas também pelo dos estúdios. Por isso, é fundamental que cheguem a um acordo o quanto antes. Caso contrário, a IA provavelmente se encarregará de escrever um novo final para essa história. Um final sobre o qual os estúdios não terão nenhum controle.

O tempo está se esgotando.


SOBRE O AUTOR

Michael Grothaus é escritor, jornalista, ex-roteirista e autor do romance "Epiphany Jones". saiba mais