Filme feito com Sora mostra que IA pode ir além da apropriação cultural

Artistas se juntam à OpenAI para demonstrar as possibilidades da inteligência artificial na preservação cultural

Créditos: cortesia Rendrd

Dori Tunstall 5 minutos de leitura

Com todo o hype e receio em torno da inteligência artificial, Manuel Sainsily e Will Selviz decidiram explorar as possibilidades éticas, técnicas e artísticas dessa tecnologia. Em um novo curta-metragem de apenas um minuto e 34 segundos chamado “Protopica”, os dois artistas usaram o Sora, da OpenAI, para demonstrar como a IA pode apoiar a preservação cultural, em vez de acelerar os processos de apropriação (ou seja, o roubo e a comercialização de culturas por terceiros).

A empresa convidou Sainsily e Selviz para fazerem parte de um grupo de oito artistas que ajudarão o modelo “a avançar para ser mais útil para profissionais criativos”. Sainsily, gerente de design da Unity Technologies, e Selviz, designer multidisciplinar de novas tecnologias de mídia através de sua empresa Rendrd, usaram seu acesso antecipado à ferramenta para ajudar na preservação da língua e da cultura das ilhas de Guadalupe, uma região ultramarina francesa ao sul do mar no Caribe.

A história começa com a imagem de uma mulher idosa de pele morena, usando um turbante roxo, brincos de argola dourados e um vestido azul. Ela está deitada em uma cama com lençóis brancos em um quarto amarelo com uma janela para um jardim. A cena é bonita, mas ainda mantém o visual estranho visto em outras imagens geradas por inteligência artificial.

A narração é feita em uma língua que a princípio soa como francês, mas é, na verdade, crioulo guadalupense. Uma borboleta roxa guia o espectador para fora do quarto, passando por paisagens sombrias e oníricas com figuras brancas brilhantes que se transformam em animais e humanos dançando. Essas cenas desfazem toda a estranheza inicial e mostram uma cinematografia inédita em IA. O curta termina com a imagem de um bebê de pele morena com um turbante roxo e roupa azul.

[Image: courtesy Rendrd]

A parceria entre Sainsily e Selviz surgiu de uma experiência compartilhada de deslocamento cultural e do efeito disso em suas línguas maternas. De ascendência venezuelana e trinitária, Selviz conheceu ainda jovem o sentimento de saudade de casa e da sua cultura, tendo crescido no Kuwait e agora trabalhando no Canadá. 

Sainsily, nascido e criado nas ilhas de Guadalupe e agora também morando no Canadá, diz: “estamos realmente na vanguarda da tecnologia, nos divertindo e tentando defini-la de uma forma que represente nossa origem. Usamos a tecnologia de diferentes maneiras, nossa voz também merece ser ouvida”.

    Seguindo a jornada de qualquer cineasta, os dois artistas começaram o processo de criação de “Protopica” com pesquisas, especificamente sobre culturas afro-caribenhas. Com base em suas experiências, complementaram todo esse conhecimento com imagens atuais e de arquivos. 

    Antes de usar o Sora, eles recorreram a projetos passados focados em representações afro-caribenhas no DALL-E 2 e no ChatGPT. Então, definiram a estética da abertura e do encerramento – a anciã e o bebê –, a partir das quais a história de renascimento e propósito da alma seria contada. A pesquisa serviu como referência visual para orientar os prompts em texto para gerar imagens.

    Eles tiveram um cuidado especial em usar a IA apenas para eliminar tarefas repetitivas. “Queríamos usar a inteligência artificial apenas nos momentos certos”, conta Selviz, “As ferramentas são incríveis, mas também foi importante ficar de olho para não perdermos o controle do nosso processo criativo.”

    Will Selviz and Manuel Sainsily [Image: courtesy Rendrd]

    Esses momentos incluíram a produção de múltiplas versões do roteiro; por exemplo, a narração original era em inglês, mas Sainsily criou um GPT personalizado treinado em crioulo guadalupense, uma língua falada por mais de 430 mil pessoas e que consiste em uma mistura de francês, inglês, espanhol, bantu e línguas ameríndias. O roteiro final foi usado para criar uma narração no idioma. 

    Também usaram o Sora para gerar variações de imagens a partir de prompts. Foi necessária uma curadoria minuciosa para escolher, entre os mais de 800 resultados, os 26 finais. Por fim, usaram o modelo para criar transições complexas de uma cena para outra, o que teria levado meses para um artista de efeitos especiais fazer.

    IA PARA PRESERVAÇÃO CULTURAL, NÃO APROPRIAÇÃO

    “O nosso sonho com o ‘Protopica’ é trabalhar com delegações ou países que queiram descobrir uma maneira de seu povo aproveitar a tecnologia para manter suas culturas e línguas vivas”, diz Selviz.

    Tanto Sainsily quanto Selviz são nativos digitais que cresceram cercados de pessoas que  lhes deram acesso a tecnologias avançadas. Sainsily lembra de ver seu pai, um artista guadalupense, combinando CGI com arte tradicional no início dos anos 90. Selviz conta que aprendeu sobre tecnologia com seu primo, que é programador na Venezuela. 

    Ambos entendem as questões e preocupações em torno de tecnologias avançadas, como a IA generativa. A carreira de Sainsily, mesmo agora na Unity Technologies, tem se concentrado em achar um meio termo entre tecnologia, ética e cultura. Ele começou em 2013 como designer de experiência do usuário, depois se tornou líder de realidade expandida na IBM e pesquisador de tecnologia háptica na Immersion, no Canadá.

    Selviz reconhece que sua abordagem não resolve o problema, “mas propõe uma forma de fazer com que as pessoas sintam que ainda podem manter sua humanidade e pertencer a este futuro que usa IA em larga escala”.

    Protopica” é uma proposta tangível. Desde seu lançamento, em 16 de julho de 2024, o curta já acumulou mais de 500 mil visualizações em várias plataformas. Sainsily e Selviz criaram um grupo gratuito no Patreon que convida diretores, cineastas, escritores, pesquisadores, educadores, bibliotecários e outros profissionais da cultura a expandir a rede e continuar as discussões sobre o tema.

    E a comunidade do “Protopica” é o mais importante para ambos. “Estamos apenas tentando passar uma mensagem sobre senso de comunidade e como todos podem realmente usar esta ferramenta [Sora] de forma responsável para inspirar e ajudar as pessoas”, ressalta Sainsily.


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