IA na publicidade: do avanço tecnológico à decepção dos consumidores

Com cada vez mais empresas usando IA generativa em seus materiais publicitários, o público precisa adotar uma postura mais cética

Créditos: vchal/ Tiratus Phaesuwan/ iStock

Chris Stokel-Walker 3 minutos de leitura

Uma notícia recente chamou a atenção da internet, gerando milhões de memes: o desastroso “Willy Wonka Experience”, que ocorreu em Glasgow, na Escócia, em fevereiro, e fez muitas crianças chorarem.

A exposição viralizou depois que surgiram fotos e depoimentos sugerindo uma grande diferença entre a forma como a experiência foi promovida (com imagens chamativas e grandiosas) e a realidade (um galpão vazio, oferecendo apenas algumas jujubas e meio copo de limonada como lanche).

Embora o Willy Wonka Experience tenha enganado e desagradado o público, a verdade é que, provavelmente, esse tipo de experiência se tornará a norma no futuro, conforme mais empresas passam a usar IA generativa em seus materiais promocionais.

“Por mais tentador que seja usar IA generativa para gerar materiais de marketing de forma rápida e barata, o risco de enganar os consumidores é alto, dado que os materiais resultantes são a interpretação do modelo de inteligência artificial das instruções que descrevem o produto ou experiência, em vez de imagens reais”, afirma Stuart Smith, advogado corporativo e comercial do escritório Simkins, em Londres.

Crédito: House of Iluminatti

Mas Smith acrescenta que as regulamentações do Reino Unido determinam que a publicidade não pode enganar os consumidores. “O desastre do Willy Wonka Experience apenas enfatiza a importância desse princípio”, diz ele. 

De fato, conforme explica Ryan Gracey, sócio e especialista em tecnologia do escritório de advocacia Gordons, o órgão regulador de publicidade do Reino Unido, a ASA, mantém autoridade mesmo sobre anúncios criados com IA. “Se um anúncio enganar os consumidores sobre o produto ou serviços oferecidos, a ASA mantém seus poderes de fiscalização padrão”, diz ele.

O mesmo ocorre nos EUA, onde a Lei Lanham e a Seção 5 da Lei da Comissão Federal de Comércio podem ser usadas para contestar qualquer representação visual considerada enganosa.

"IMAGENS MERAMENTE ILUSTRATIVAS"

O debate sobre o uso de IA generativa na publicidade e o quão fielmente ela reflete a experiência real dos consumidores ao usar um produto ou serviço encontra ecos em escândalos passados.

Em 2023, as redes de fast food McDonald’s e Wendy’s venceram um processo movido contra ambas por representar falsamente o tamanho de seus hambúrgueres em conteúdos publicitários. No entanto, uma ação coletiva semelhante contra o Burger King foi autorizada a prosseguir.

os consumidores precisam ter a consciência de que o mundo hoje está repleto de imagens manipuladas.

“Um tribunal considerou que um anúncio mostrando uma mão espremendo uma laranja em uma caixa de suco constituía uma declaração falsa já que a bebida não é espremida na hora, mas sim feita a partir de concentrado”, relata a professora de direito da Northeastern University, Alexandra J. Roberts. 

Outros tribunais já consideraram anúncios enganosos com base em imagens alteradas usando ferramentas como o Photoshop – como no caso de uma empresa de brinquedos infláveis que diminuía o tamanho das crianças nas imagens para fazer seus produtos parecerem maiores.

LEI VALE PARA TODOS

“Se a IA generativa for usada para criar imagens que os consumidores acreditam ser reais e o que mostram é falso ou enganoso, essa prática pode constituir publicidade enganosa”, diz Roberts.

“Por outro lado, algumas representações podem ser mais caricatas. Então podemos nos perguntar se é razoável acreditar que estão fazendo uma afirmação factual sobre os bens ou serviços oferecidos”, acrescenta.

Por mais tentador que seja usar IA para gerar materiais de marketing de forma rápida e barata, o risco de enganar os consumidores é alto.

Em última análise, os consumidores precisam ter a consciência de que o mundo hoje está repleto de imagens manipuladas.

“Imagens publicitárias falsas geradas por IA são problemáticas, mas o mesmo pode ser dito de anúncios criados por humanos – por exemplo, uma foto alterada de uma casa no Airbnb. Não vejo razão para a lei as tratar de forma diferente”, argumenta Kristelia García, professora de direito da Universidade de Georgetown. “Espero que isso possa fazer com que os consumidores se tornem mais céticos.”

Talvez isso aconteça no longo prazo, mas não é muito reconfortante para as crianças que acabaram de vivenciar a maior decepção de suas vidas na “nada fantástica fábrica de chocolates” de Glasgow.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais