Lições que a nanotecnologia nos ensina para a regulamentação da IA

Novas tecnologias de IA estão surgindo, mas não está claro se as lições aprendidas com a nanotecnologia estão sendo aplicadas

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Andrew Maynard e Sean Dudley 4 minutos de leitura

Há 20 anos, a nanotecnologia era a inteligência artificial de sua época. Embora tenham detalhes específicos completamente diferentes, ambas compartilham desafios semelhantes para garantir um desenvolvimento responsável e benéfico. 

Mas, à medida que novas tecnologias de IA surgem e ganham força, ainda não está claro se as lições aprendidas no passado estão sendo aplicadas.

No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a nanotecnologia passou de uma ideia radical e de nicho para a aceitação mainstream. Mas havia um problema. Na esteira da forte resistência pública às culturas geneticamente modificadas e das críticas ao DNA recombinante e ao Projeto Genoma Humano, surgia a preocupação de que a nanotecnologia poderia enfrentar uma reação semelhante se fosse malconduzida.

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Assim como acontece com a IA hoje, questões sobre o impacto nos empregos vieram à tona, com a automação e a exigência de novas habilidades substituindo os planos tradicionais de carreira estabelecidos até então.

Também surgiram preocupações sobre riscos existenciais – como a possibilidade de nanorrobôs autorreplicantes transformarem toda a matéria da Terra em cópias de si mesmos –, antecipando os temores que vemos hoje em relação à inteligência artificial.

Graças ao envolvimento de uma ampla gama de especialistas e partes interessadas, foram criadas iniciativas que estabeleceram as bases para o sucesso da nanotecnologia.

No entanto, muitos dos riscos associados à nanotecnologia eram menos especulativos. Da mesma forma como agora há um foco cada vez maior nos riscos imediatos da IA, nos anos 2000 havia uma ênfase na análise de desafios tangíveis relacionados ao desenvolvimento seguro e responsável.

Entre eles estavam os possíveis impactos na saúde e no meio ambiente, questões sociais e éticas, regulamentação e governança, e uma crescente necessidade de colaboração com o público em geral e outras partes interessadas.

O resultado foi um cenário complexo em torno do desenvolvimento da nanotecnologia, que prometia avanços incríveis, mas que também corria o risco de perder a confiança pública se algo desse errado.

COMO A SITUAÇÃO FOI CONDUZIDA

Um de nós (Maynard) esteve na vanguarda do enfrentamento dos riscos potenciais da nanotecnologia no início dos anos 2000, atuando como pesquisador, copresidente do grupo de trabalho sobre Implicações Ambientais e de Saúde da Nanotecnologia e principal consultor científico do Projeto de Tecnologia Emergente, do Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson.

Graças ao envolvimento de uma ampla gama de especialistas e partes interessadas – muitos dos quais não eram autoridades na área, mas contribuíram com perspectivas e conhecimentos essenciais –, foram criadas iniciativas que estabeleceram as bases para o sucesso da nanotecnologia. 

Entre elas estavam parcerias multissetoriais, padrões de consenso e iniciativas lideradas por órgãos globais, como a OCDE. Como resultado, muitas das tecnologias atuais têm raízes em avanços na ciência e engenharia em nanoescala.

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Nos EUA, grande parte desse trabalho colaborativo foi liderado pela Iniciativa Nacional de Nanotecnologia entre agências. No início dos anos 2000, ela reuniu representantes de todo o governo para entender melhor os riscos e benefícios dessa tecnologia.

A iniciativa ajudou a reunir um grupo diversificado de acadêmicos, pesquisadores, desenvolvedores, educadores, ativistas, formuladores de políticas e outras partes interessadas para mapear estratégias que garantissem tecnologias nanoscópicas econômica e socialmente benéficas.

Em 2003, o 21st Century Nanotechnology Research and Development Act (Lei de Pesquisa e Desenvolvimento em Nanotecnologia do Século 21) foi promulgado e consolidou ainda mais o compromisso com a participação de diversas partes interessadas.

Nos anos seguintes, houve um aumento no número de iniciativas financiadas pelo governo federal dos EUA que reforçaram o princípio do amplo envolvimento em torno de tecnologias avançadas emergentes.

DEBATE SÓ COM ESPECIALISTAS

Esforços semelhantes em todo o mundo foram cruciais para garantir uma nanotecnologia benéfica e responsável. No entanto, apesar das aspirações semelhantes em relação à inteligência artificial, não há o mesmo nível de diversidade e envolvimento.

O desenvolvimento da IA praticado hoje é muito mais excludente em comparação, e a discussão geralmente é liderada por especialistas técnicos. Com base nas lições aprendidas com a nanotecnologia, acreditamos que essa abordagem é um erro.

um grupo diversificado mapeou estratégias que garantissem tecnologias nanoscópicas econômica e socialmente benéficas.

Embora membros do público, formuladores de políticas e especialistas fora do domínio da IA possam não entender completamente os detalhes da tecnologia, muitas vezes são plenamente capazes de compreender suas implicações. Mais importante ainda, trazem diversidade de conhecimento e perspectivas para o debate, o que é essencial para o bom desenvolvimento de uma tecnologia avançada como a IA.

Assim como no surgimento da nanotecnologia, abordar os desafios da inteligência artificial é urgente. Os primeiros dias de uma nova tecnologia avançada definem sua trajetória nas próximas décadas. E, com o rápido avanço da IA, essa janela de tempo está se fechando rapidamente.

Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


SOBRE O AUTOR

Andrew Maynard é professor de inovação na Universidade Estadual do Arizona. Sean Dudley é diretor de informações de pesquisa e vice-pr... saiba mais