Músicas criadas por IA infestam o Spotify e podem acabar com a plataforma

Bandas como Jet Fuel & Ginger Ales estão chamando atenção – e acumulando reproduções

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Chris Stokel-Walker 4 minutos de leitura

Artistas criticam há muito tempo o Spotify por seu sistema de royalties pouco generoso e suas práticas questionáveis de moderação de conteúdo. Agora, eles estão tendo que lidar com um novo problema: a crescente concorrência de faixas criadas por inteligência artificial.

“Há diversos relatos de que [músicas geradas por IA] estão sendo recomendadas, chegando às vezes a centenas de milhares de reproduções ou mais”, afirma Ed Newton-Rex, ex-vice-presidente de áudio da Stability AI.

Ele deixou a empresa devido a preocupações com a abordagem em relação aos direitos autorais e agora é CEO da Fairly Trained, uma organização sem fins lucrativos que certifica empresas de IA quanto ao uso justo de dados de treinamento.

Entre as bandas supostamente criadas por inteligência artificial – consideradas assim em parte por não terem qualquer presença online fora do Spotify – está Jet Fuel & Ginger Ales, que já recebeu o selo de “Artista Verificado” na plataforma e conta com 414,5 mil ouvintes mensais.

Mas esta não é a única banda suspeita de ter sido criada com inteligência artificial. Awake Past 3 e Gutter Grinders também têm centenas de milhares de ouvintes mensais e compartilham características suspeitas: vocais, digamos, estranhos, logo simples e ausência de informações biográficas.

A cantora Sofia Pitcher conseguiu acumular um grande número de streams entre dezembro de 2023 e março de 2024 com faixas como “Stone Age” e “Rock”, ambas do álbum Stone Age. Mas, de acordo com uma investigação do jornal espanhol “El Diario”, ela não existe.

Quando procurado para comentar se Pitcher, Jet Fuel & Ginger Ales e Awake Past 3 são artistas gerados por IA, o Spotify não respondeu. Em uma rara entrevista à BBC, em setembro de 2023, o CEO da plataforma, Daniel Ek, disse que o aplicativo não tem planos de banir músicas criadas por inteligência artificial.

Um porta-voz da empresa afirmou que a gigante do streaming “não tem uma política contra artistas que criam conteúdo usando autotune ou ferramentas de IA, desde que não viole nossas outras políticas, incluindo nossa política de conteúdo enganoso, que proíbe falsificações”.

O Spotify já tomou medidas contra artistas supostamente gerados por inteligência artificial (as faixas de Pitcher não estão mais disponíveis). O porta-voz da plataforma não forneceu dados à Fast Company sobre quantos artistas gerados estão no catálogo do aplicativo ou qual é o impacto deles nos streams.

Apesar de a tecnologia estar no centro da discussão, o problema já existia antes mesmo da era da IA. Johan Röhr, apelidado pela mídia de “o músico mais famoso que você nunca ouviu falar”, percebeu que era possível fazer upload de músicas sob pseudônimos e lucrar com várias contas.

Embora o repasse médio seja entre US$ 0,003 e US$ 0,004, multiplicar esses streams por diferentes nomes de artistas e gêneros pode transformar pequenas quantias em valores consideráveis.

aplicativos de IA estariam explorando o trabalho de artistas, reutilizando suas músicas como dados de treinamento sem compensação.

Os 650 pseudônimos de Röhr acumularam 15 bilhões de reproduções, segundo o “The Guardian”, analistas estimam que ele tenha faturado US$ 3 milhões na plataforma só em 2022.

“Há muito tempo, as pessoas têm colocado álbuns e músicas no Spotify com pouco mais de 30 segundos, só para garantir que recebam o pagamento”, explica Kieron Donoghue, fundador da Playlist Alert e da Humble Angel Records.

No entanto, enquanto as músicas de Röhr são originais, outros não têm sido tão criativos em suas produções. “Sempre houve geradores de ‘ruído branco’ ou sons de piano relaxantes, esse tipo de coisa. E o Spotify já percebeu isso e agiu quando necessário.”

Donoghue tem uma visão otimista sobre o aumento no número de músicas geradas por IA na plataforma. “São apenas algumas pessoas tentando ganhar dinheiro rápido, como sempre fizeram e sempre farão”, diz ele. “Por enquanto, não vejo isso como uma ameaça ao sustento de ninguém.”

    Mas Newton-Rex tem uma opinião diferente. “É claro que isso vai afetar os royalties e a fonte de renda dos músicos”, alerta, preocupado com o fato de que aplicativos de inteligência artificial estão explorando o trabalho de artistas humanos, reutilizando suas músicas como dados de treinamento sem compensação.

    “O Spotify não deveria permitir músicas que usam modelos treinados com o trabalho de outros músicos sem permissão”, argumenta Newton-Rex. Quanto àquelas que cumprem este requisito, ele diz que “deveriam ser rotuladas para que as pessoas possam escolher se querem ouvi-las ou não” e que o Spotify não deveria recomendá-las.


    SOBRE O AUTOR

    Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais