Novo anúncio do Gemini, do Google, mostra mal-entendido sobre IA

Nem tudo precisa de um atalho. Às vezes, é o próprio ato de fazer que importa

Créditor: Google

Grace Snelling 4 minutos de leitura

Lembra quando você era criança e tinha um ídolo que era sua principal referência? Talvez o amasse a ponto de escrever uma carta para dizer o quanto o admira, escolhendo cuidadosamente cada palavra para expressar exatamente o seu sentimento.

Agora, imagine uma IA fazendo todo esse trabalho emocional por você. Para muitos, essa parece ser a proposta infeliz do novo anúncio do Google, “Dear Sydney, que está sendo exibido durante os Jogos Olímpicos de Paris.

O vídeo mostra um pai assistindo sua filha crescer e se apaixonar por corrida. No caminho, ela descobre a campeã olímpica norte-americana Sydney McLaughlin-Levrone, que logo se torna sua principal referência de sucesso. O pai então usa o Gemini para escrever uma carta para a atleta em nome de sua filha. 

O resultado é um anúncio que tenta parecer sincero, mas que acaba sugerindo que a criatividade de uma criança deve ser substituída por frases geradas por inteligência artificial. Em um momento em que narrativas apocalípticas sobre IA dominam as discussões, essa história soa insensível demais e não contribui em nada para a imagem do Google.

O Gemini aparece quando o anúncio mostra como o recurso AI Overview pode ajudar a encontrar rapidamente respostas para uma busca relacionada a esportes, como “como ensinar técnicas de corrida com obstáculos”. Até aí, tudo bem. O problema começa na metade do vídeo, quando o narrador decide pedir ao Gemini para escrever uma carta para McLaughlin-Levrone em nome de sua filha.

“[Minha filha] quer mostrar seu amor por Sydney. Sou bom com palavras, mas isso precisa sair perfeito”, diz o narrador. “Então, Gemini, ajude minha filha a escrever uma carta para dizer à Sydney o quanto ela é inspiradora. E não deixe de mencionar que ela planeja quebrar seu recorde mundial um dia.”

Dear Sydney” usa a linguagem e a imagética da chamada “autenticidade da marca” para despertar emoções nos espectadores, destacando palavras na tela como “amor” e “inspiração”. De fato, a história é inegavelmente comovente: uma jovem menina encontrando inspiração em uma atleta olímpica – uma receita aparentemente infalível para o sucesso.

AUTENTICIDADE NÃO É PARA ROBÔS

Mas a busca pela autenticidade se perde quando fica claro que, no fundo, é uma proposta de substituir a conexão humana por um mediador robótico. 

A busca pela autenticidade se perde quando fica claro que é uma proposta de substituir a conexão humana por um mediador robótico

“[A carta] deveria ser escrita por ela mesma, usando a linguagem imperfeita e pura da admiração infantil... isso é muito triste para mim”, escreveu um usuário no X (antigo Twitter) sobre o anúncio. “Em vez de colocar os sentimentos da filha em um programa de computador, por que ele simplesmente não a ajudou a articular seus pensamentos?”

Outro usuário acrescentou: “assistir ao anúncio do Gemini partiu meu coração, como alguém que ensinou muitas crianças a escrever. Sugerir que uma menina tão jovem deve usar IA para escrever uma carta ao seu ídolo olímpico é tirar dela a possibilidade de viver experiências importantes.”


    A IA FUNCIONA MELHOR COMO ASSISTENTE CRIATIVA, NÃO COMO SUBSTITUTA

    É comum ouvir críticas contrárias à inteligência artificial no setor criativo, envolvendo desde temores de que a tecnologia vai acabar com empregos até as inúmeras falhas grotescas produzidas por ela. Mas, como muitos profissionais sabem, a IA também pode ser uma ferramenta para aumentar a criatividade – basta ver, por exemplo, como os designers da Mattel estão usando inteligência artificial para criar novas embalagens para produtos da Barbie.

    No fim das contas, a IA é apenas uma ferramenta: sua moralidade é determinada por como empresas e indivíduos escolhem usá-la. Os profissionais de marketing podem tirar vantagem disso destacando aplicações práticas – que, na vida real, não são exatamente abundantes. Inserir esta tecnologia em um contexto emocional quase sempre acaba parecendo, na melhor das hipóteses, insensível – e distópico, na pior.

    Profissionais de marketing poderiam mostrar a IA como uma tecnologia assistente, não uma substituta, da criatividade.

    Parece que grandes empresas como a Google ainda não compreenderam como a hesitação em torno de uma tecnologia cada vez mais poderosa afetará a recepção de anúncios como “Dear Sydney”. A Apple, por exemplo, recentemente recebeu muitas críticas por um vídeo que mostrava várias ferramentas criativas e instrumentos sendo esmagados em uma prensa hidráulica, para ilustrar as possibilidades incríveis de seu novo iPad Pro.

    O anúncio foi acusado de desestimular a criatividade. A peça falhou em posicionar seu produto como um complemento interessante para as alegrias da vida – como, digamos, tocar violão –, passando a mensagem de que você poderia muito bem jogá-lo pela janela assim que comprasse o iPad.

    Os profissionais de marketing poderiam mostrar a IA de uma outra forma: retratando a tecnologia como uma assistente, não uma substituta da criatividade. Claramente, “Dear Sydney” foi uma grande bola fora. 


    SOBRE A AUTORA

    Grace Snelling é colaboradora da Fast Company e escreve sobre design de produto, branding, publicidade e temas relacionados à geração Z. saiba mais