Por que a inteligência artificial parece ainda estar na era da internet discada

A IA generativa tem uma interface ultrapassada, é lenta, pode ser cara e ainda precisa evoluir muito

Crédito: Chris Gorgio / iStock

Harry McCracken 4 minutos de leitura

Se você viveu a época da internet discada, com certeza se lembra de como era acessar a world wide web antigamente. O computador discava um número de telefone e fazia sons de bipes.

Aí a gente ouvia um chiado enquanto ele tentava se conectar ao servidor do outro lado da linha. Só então podíamos acessar as maravilhas do mundo online. E quando nos desconectávamos, tudo desaparecia.

Não estou falando isso por pura nostalgia – tenho um bom motivo. A era da internet discada se parece muito com o momento atual da IA generativa. Quanto mais penso sobre as semelhanças, mais claro fica que a inteligência artificial ainda tem um longo caminho pela frente até que consiga fazer jus a todo o hype.

A semelhança mais óbvia está na aparência e na experiência. Desde a primeira vez que usei o ChatGPT, não consigo deixar de lembrar da BBS, um antigo sistema que possibilitava comunicação via mensagens de textos antes da internet como a conhecemos. 

As interfaces de usuário são quase idênticas: você digita algo em uma janela vazia, pressiona Enter e recebe uma resposta em forma de texto. Dá até para ver as respostas do chatbot de IA chegarem caractere por caractere, como se estivéssemos usando um modem antigo.

Em uma época em que a maioria das experiências de computação oferece feedback instantâneo aos nossos cliques e toques, essa parece uma maneira bem rudimentar de interagir com um software.

No entanto, a lentidão da IA não tem a ver com a velocidade da sua conexão à internet, e sim com o fato de a tecnologia estar realizando uma “magia computacional” impressionante, que sobrecarrega até mesmo os supercomputadores nos quais ela roda.

Essa demora me faz lembrar das várias vezes que desisti de fazer algo na internet, como baixar um programa de vários megabytes, simplesmente porque a espera não valia a pena.

Por exemplo, quando testei o Copilot, da Microsoft, no Word, Excel e outros aplicativos, os resultados frequentemente eram decepcionantes, considerando o tempo que levavam para aparecer – o que não é exatamente o melhor incentivo para continuar usando essa ferramenta.

Mas os paralelos entre a IA e o começo da internet vão além da tela. Hoje, estamos acostumados com uma internet de alta velocidade – sempre disponível, ilimitada e onipresente – em todos os dispositivos.

A conexão discada, por outro lado, era algo que usávamos de forma isolada, separada de todas as outras atividades no PC – cientes de que estávamos pagando por minuto. Além disso, a linha de telefone precisava estar liberada, ou seja, ninguém podia ligar para outra pessoa enquanto estivesse conectado.

As interfaces são quase idênticas: você digita algo em uma janela vazia, pressiona Enter e recebe uma resposta em forma de texto.

Os recursos de IA generativa costumam passar essa mesma sensação de isolamento e medição. O simples fato de que os aplicativos frequentemente usam um ícone brilhante para representá-la é um sinal de que a tecnologia ainda não foi totalmente integrada.

Em vez de tratá-la como um recurso padrão, muitas empresas de software estão vendo nela uma oportunidade de venda adicional. Por exemplo, o Copilot do Microsoft 365 custa US$ 30 a mais por mês, o que, na prática, faz as organizações serem mais criteriosas em relação a quem terá acesso. É como se os empregadores tivessem que decidir quais funcionários precisavam de acesso à internet ou não.

As pessoas certamente estão abraçando a IA muito mais rapidamente do que entraram no ciberespaço. As primeiras BBSs e serviços online para o grande público surgiram no final dos anos 1970. Mesmo 24 anos depois, apenas 6% dos norte-americanos tinham acesso à internet.

Créditos: ilgmyzin/ Unsplash/ Airam Dato-on/ Pexels

Hoje, de acordo com um estudo do Reuters Institute, 32% das pessoas já usaram o ChatGPT. No entanto, apenas 18% o usam pelo menos uma vez por semana – o que sugere que o serviço ainda não se tornou uma necessidade como a internet, mesmo para uma parcela significativa das pessoas que o experimentaram.

A indústria não pode fazer com que todos passem a usar a IA de um dia para o outro. Um recente artigo da Bloomberg aponta que apenas 3% dos computadores vendidos este ano serão “PCs de IA” e que as principais empresas de software estão receosas em adaptar seus aplicativos para uma fatia tão pequena do mercado.

Mesmo com uma estratégia cuidadosa, a inteligência artificial da Apple não estará pronta a tempo do lançamento do iOS 18 e de outras atualizações previstas – e não funcionará em milhões de dispositivos mais antigos ainda em uso. Nesse ritmo, quanto tempo mais levará até que todos os desktops, notebooks, smartphones e tablets estejam prontos para a IA?

    A internet só atingiu seu potencial depois do fim da conexão discada. De acordo com o Pew Research Center, somente em 2007 a banda larga conseguiu chegar a 51% dos lares norte-americanos, o que significa que 49% deles continuavam sem acesso à internet ou dependiam de conexão discada.

    A IA precisa de tempo. Um dia, ela fará o ChatGPT de hoje parecer tão antiquado quanto a AOL de 1998 parece agora. Só não espere que isso aconteça em um ano ou dois.


    SOBRE O AUTOR

    Harry McCracken é editor de tecnologia da Fast Company baseado em San Francisco. Em vidas passadas, foi editor da Time, fundador e edi... saiba mais