Saúde já é o setor com mais investimento em inteligência artificial

Especialistas comentam a evolução do uso da tecnologia e principais questionamentos éticos de seu uso na área médica

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Rafael Farias Teixeira 6 minutos de leitura

A inteligência artificial já está presente em quase todas as indústrias de manufatura e serviços, com uma longa história de possíveis utilizações. Mas a chegada da IA generativa fez crescer o interesse pela algoritmização. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa tecnologia é uma grande promessa, com potencial para melhorar a atenção à saúde.

A IA já vem sendo usada para melhorar a velocidade e a precisão do diagnóstico e da triagem de doenças; para auxiliar no atendimento clínico; fortalecer a pesquisa em saúde e o desenvolvimento de medicamentos; apoiar diversas intervenções de saúde pública, como vigilância de doenças e resposta a surtos e gestão de sistemas de saúde.

De acordo com o relatório “Artificial Intelligence Index Report 2022”, da Universidade de Stanford, o setor privado investiu US$ 11,3 bilhões em pesquisa e inovação com IA para medicina e saúde em 2021, um aumento de 40% em relação ao ano anterior. Nos últimos cinco anos, os recursos somaram US$ 28,9 bilhões, tornando a IA o setor com maior nível de investimento privado.

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Segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o grande investidor em pesquisa em IA na saúde no mundo é a Alphabet (holding que controla o Google). O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), as universidades Stanford e Harvard (EUA) e as de Oxford e Cambridge (Reino Unido) também se destacam.

No Brasil, USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estão entre as que mais se dedicam a esse campo de pesquisa.

"Na área de saúde as coisas sempre são mais lentas, mas várias aplicações já estão sendo desenvolvidas utilizando as linguagens de aprendizado profundo. Em dois ou três anos essa será uma das indústrias de serviços que mais vai extrair benefícios da IA", afirma Guilherme Hummel, coordenador científico do HospitalarHub, evento e plataforma de geração de negócios e networking do setor de saúde

O AI for Health, programa filantrópico criado pela Microsoft para capacitar organizações sem fins lucrativos, pesquisadores e organizações, por exemplo, utiliza inteligência artificial para criar visualizações interativas sobre os níveis de risco da Covid-19, o progresso até zero (P0), Rt, testes e análise de propagação.

Crédito: AI for Health

SAÚDE MENTAL

Muitas empresas e startups do mercado de saúde têm investido na incorporação da IA em suas atividades. Um dos nichos em pleno desenvolvimento é o de saúde mental.

"O uso é mais incipiente, já que as interações, em caso de surtos, precisam ser, muitas vezes, medicamentosas. Além disso, qualquer interação não exitosa entre IA e paciente pode trazer uma grande consequência negativa, a depender da vulnerabilidade emocional da pessoa", explica Carolina Dassie, CEO da IVI.

Carolina Dassie, (Crédito: Divulgação)

A empresa desenvolveu um aplicativo que, por meio do uso de inteligência artificial, faz prevenção ativa de doenças mentais e promoção à saúde em ambientes corporativos.

Segundo Carolina, pode-se usar a IA indiretamente, no acompanhamento da jornada do paciente mental – por exemplo, para entender suas preferências de navegação – de acordo com os protocolos clínicos presentes em um algoritmo.

O portal Lacrei é outro exemplo: usando IA, o usuário pode encontrar um profissional de saúde que se identifique com ele ou que se apresente habilitado a atendê-lo, auxiliando nas necessidades específicas da comunidade LGBTQIA+.

FUTURO DA IA NA SAÚDE

Para Hummel, as IAs vão mudar tudo nessa área. "Trata-se da maior revolução dentro das cadeias de saúde desde a chegada da internet. As transformações vão do usuário final, passando pelos profissionais de saúde e players do setor, chegando a todas as entidades e instâncias públicas que atendem a população. Ninguém ficará de fora", afirma.

Para ele, essa revolução acontecerá em menos de uma década, impactando inclusive a expectativa de vida das pessoas e aumentando a qualidade dos serviços prestados. No entanto, a questão do custeio da saúde não será totalmente equacionada por essa (ou qualquer outra) tecnologia.

Muitas empresas e startups do mercado de saúde têm investido na incorporação da IA em suas atividades.

O centro do problema ainda é a relação demográfica populacional versus a oferta de serviços clinico-assistenciais. Os 8,2 bilhões de habitantes, ou, melhor, de pacientes, exigem curvas de atendimento muito aquém do que já dispomos ou do que disporemos até meados deste século", explica.

Para Carolina, é preciso sempre ter muita precaução e testar bastante antes de qualquer “novidade” ser divulgada para o paciente. "Dito isso, acredito que a IA trará imensos benefícios e nos ajudará a resolver diversas dores do mercado da saúde. Mas, talvez, em uma velocidade menor que em outros mercados."

Hummel acredita que estamos próximo de um novo modelo, a “medicina generativa”, lastreada pelas IAs generativas, que será capaz de aglutinar informações genéticas, celulares, orgânicas e holístico-comportamentais para prevenir, predizer, personalizar e promover a “saudabilidade do paciente”.

"A medicina generativa marcará uma notável evolução na prática clínica, integrando os vetores da medicina personalizada, preventiva e preditiva para gerar novos eixos de competência e desempenho a serviço da saúde do indivíduo", afirma Hummel. "Ela vai antecipar cuidados de saúde mais precisos e, acima de tudo, sob medida para cada paciente."

QUESTÕES ÉTICAS E REGULATÓRIAS

Já em 2021, a OMA publicava o estudo “Ethics and Governance of Artificial Intelligence for Health” (Ética e governança da inteligência artificial para a saúde), resultado de dois anos de consultas realizadas por um painel de especialistas internacionais.

A medicina generativa vai antecipar cuidados de saúde mais precisos e sob medida para cada paciente.

O relatório já ponderava que o uso não regulamentado da IA na saúde poderia subordinar os direitos e interesses dos pacientes e das comunidades aos interesses comerciais de empresas ou governos. Também enfatiza que esses sistemas, testados em sua maioria em países com alta renda, podem não funcionar nos de baixa ou média renda. 

Os autores do estudo sugerem que os sistemas de inteligência artificial devem ser projetados com diversidade de ambientes socioeconômicos e de saúde, além de pensar na capacitação e preparo dos profissionais de saúde.

"As questões regulatórias em IA, que estão apenas começando a ser estudadas, devem atingir segurança e privacidade de dados; responsabilidade jurídica da cadeia de fornecimento da plataforma; direitos autorais; consentimento do usuário e mais", afirma Hummel.

"Na realidade, não há nada na regulação da inteligência artificial que não recaia sobre qualquer outra tecnologia, até porque a maioria delas já está operando com IA, ou estará em pouco tempo, como computação em nuvem, aplicativos pessoais, dispositivos médicos etc."


SOBRE O AUTOR

Rafael Teixeira Farias tem mais de 14 anos de carreira em jornalismo e marketing digital, além de sete livros de ficção já publicados. saiba mais