Se a IA pode gerar bons textos, o que eu ganho escrevendo melhor?

Com a ajuda da IA, escrever melhor pode até ser mais fácil, mas gerar um texto bom com a IA não é o mesmo que escrever bem

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Clara Cecchini e Bruno Rigolino 6 minutos de leitura

Um texto coerente, com início, meio e fim. Sem erros de gramática ou ortografia. Claro. Conciso. Coeso. Consistente, alinhado ao conhecimento estabelecido. Neutro, apropriado para uma ampla audiência. 

Essas são algumas das qualidades que o ChatGPT atribui a seus próprios textos. Mas, claro, não foi dessa forma que ele nos apresentou o conteúdo em resposta ao nosso prompt. Reescrevemos a resposta, afinal, a primeira frase é a mais importante de um texto – e a versão da IA provavelmente teria feito você parar de ler.

Escrevendo melhor, você ganha textos melhores. E, com a ajuda da IA, escrever melhor pode até ser mais fácil, mas é importante ponderar que gerar um texto bom com a IA não é o mesmo que escrever bem.

Com o ChatGPT, você pode fazer textos corretos e novos (no sentido de uma nova combinação de palavras), mas perde em originalidade (na abordagem e no conteúdo). Como a IA generativa usa os textos existentes para treinar e refinar seus algoritmos, a tendência é de redução da diversidade.

Essa hipótese é apresentada no artigo "Generative artificial intelligence enhances creativity but reduces the diversity of novel content“ (A inteligência artificial generativa aumenta a criatividade, mas reduz a diversidade de conteúdo novo), de 2023, dos pesquisadores Anil Dosh e Oliver Hauser. Eles compararam histórias escritas apenas por pessoas com histórias escritas por pessoas com a ajuda de ideias geradas por IA através do ChatGPT-4.

Concluíram que, embora os grupos com acesso à ferramenta de IA generativa tenham conseguido escrever de forma mais profissional do que conseguiriam sozinhos, considerando os escritores menos criativos os ganhos eram maiores nos parâmetros relacionados à boa escrita (22% para 26%) do que em criatividade (10% para 11%).

O caminho está em saber usar as ferramentas e escrever bem, desviando do falso raciocínio de que uma coisa substitui a outra.

Se você quer apenas informações friamente organizadas, há grandes chances de a IA generativa resolver o seu problema. Mas para que você iria querer um texto que não considera a sua perspectiva? Ou ainda: será que você leria um texto que não inclui a perspectiva de quem o escreveu?

Mesmo os textos do dia a dia precisam ser mais do que bem escritos por um algoritmo. Um e-mail de esclarecimento diante de uma crise, um memorando de comunicação interna sobre uma mudança, um WhatsApp no grupo da família para organizar uma festa, tudo isso se beneficia de um olhar humano para o leitor e de alguma originalidade na abordagem.

Atas de reunião? Podem ser geradas automaticamente como registro e, caso precisem ser usadas para alguma outra finalidade, passarão pelo olhar humano. 

Um texto correto não necessariamente é um texto bom. Em um artigo publicado em 2024, intitulado "Art or Artifice? Large Language Models and the False Promise of Creativity" (Arte ou artifício? Grandes modelos de linguagem e a falsa promessa da criatividade), pesquisadores da Universidade de Columbia e da Salesforce AI Research revelam o abismo entre a capacidade de escrita criativa de LLMs e escritores profissionais.

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Para chegar a essa conclusão, eles avaliaram histórias geradas por diversas ferramentas de IA nos Testes Torrance de Escrita Criativa (TTCW). As histórias escritas por profissionais alcançam uma taxa de aprovação geral de 84,7%, considerando todos os testes que compõem o TTCW, enquanto as histórias do GPT-3.5 passam em menos de 10% dos testes e do GPT-4 e Claude v1.3, em cerca de 30%. 

Apesar de as ferramentas de IA generativa serem capazes de gerar textos, aqueles produzidos por escritores profissionais continuam sendo a escolha preferida pelos especialistas participantes da pesquisa em 89% das vezes. As histórias geradas por LLMs são frequentemente atribuídas à IA ou a escritores amadores.

Isso não significa que o uso do ChatGPT no processo de escrita não possa resultar em bons textos.Mas significa que o olhar humano é essencial para além do prompt: você precisa saber avaliar a produção e assumir a autoria da versão final.

será que você leria um texto que não inclui a perspectiva de quem o escreveu?

Essa avaliação depende de quão bem você escreve e do quanto consegue identificar as qualidades de um texto bem escrito e adequado ao seu objetivo. Para ter bons textos como resultado do seu processo de cocriação com a IA, você precisa afiar as suas habilidades metacognitivas. 

Aí entra um outro ganho ao escrever melhor: o desenvolvimento do pensamento. É da década de 30 do século passado a obra seminal de Vygotsky “Pensamento e Linguagem”, na qual o psicólogo russo destaca a importância da linguagem na formação e no direcionamento do pensamento humano.

A linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas uma ferramenta cognitiva fundamental que influencia a forma como os indivíduos percebem e entendem o mundo. 

De acordo com Vygotsky, a linguagem serve como um meio pelo qual os indivíduos internalizam experiências externas, permitindo que se envolvam em processos de pensamento de ordem superior e desenvolvam funções cognitivas complexas.

Claro que ele não está se referindo apenas à linguagem escrita, mas por que abriríamos mão dela como dispositivo de autodesenvolvimento, sendo que escrevemos constantemente no nosso dia a dia?

Esse entendimento não ficou só na pedagogia russa da primeira metade do século 20. Pessoas em contextos tão diferentes de Vygotsky quanto o empreendedor Jason Fried (37 Signals), o investidor e programador Paul Graham (YCombinator) e a escritora Anne Lamott (Palavra por Palavra) formam coro ao relacionar a capacidade de escrever com clareza ao pensamento organizado e crítico.  

Voltando à nossa pergunta inicial: será que o esforço necessário para aprimorar sua habilidade de escrita em uma era de conteúdos gerados por IA ainda vale a pena? 

Sim. Mesmo que surjam novos e mais capazes modelos de IA, escrever bem continuará sendo uma competência-chave para a relevância profissional. O caminho está em saber usar as ferramentas e saber escrever bem, desviando do falso raciocínio de que uma coisa substitui a outra.

A linguagem é uma ferramenta cognitiva que influencia a forma como os indivíduos percebem e entendem o mundo. 

Obter um texto gerado por IA não é e não será o mesmo que o escrever. Apenas gerar o texto com a IA não contribui para pensar crítica e criativamente, conectando temas e problemas a situações e potenciais soluções a partir de algo que nenhuma máquina será capaz de substituir: sua perspectiva construída a partir do seu repertório e suas experiências.

“A bela escrita se torna bela quando perde harmonia e tem a força desesperada do feio”, diz uma das narradoras mais influentes de nosso tempo. Quem leu qualquer coisa da Elena Ferrante reconhece essa ideia em suas palavras.

O tempo que ganhamos ao usar as ferramentas de IA generativa pode ser usado justamente para ler mais os mestres da escrita, alimentando a energia de experimentação que levará ao aprimoramento dessa força desesperada que é a necessidade humana de criar e comunicar.


SOBRE O AUTOR

Clara Cecchini é especialista em aprendizagem organizacional, escritora, palestrante e fundadora do Clube da Escrita CC, primeira comu... saiba mais