Pesquisadores criam interface capaz de transformar pensamentos em palavras

Tecnologia ainda é experimental, mas pode devolver a voz a quem perdeu a capacidade de falar

Crédito: Alona Horkova/ Getty Images

Laura Ungar 2 minutos de leitura

Cientistas desenvolveram uma interface cérebro-máquina (BCI, na sigla em inglês) capaz de traduzir pensamentos em palavras em tempo real. Embora ainda esteja em fase experimental, a tecnologia tem o potencial de ajudar pessoas que perderam a capacidade de falar a se comunicarem novamente.

Em um novo estudo, a interface foi testada em uma mulher de 47 anos com tetraplegia, que ficou 18 anos sem falar após sofrer um AVC. Como parte de um ensaio clínico, os médicos implantaram o dispositivo diretamente em seu cérebro durante uma cirurgia.

“O sistema converte a intenção de falar em frases completas e fluentes”, explica Gopala Anumanchipalli, coautor do estudo publicado na revista “Nature Neuroscience”.

Outros dispositivos semelhantes costumam apresentar um pequeno atraso entre o pensamento da frase e sua verbalização, o que pode prejudicar o fluxo natural da conversa, gerando dificuldades de comunicação e frustração. Por isso, “este avanço representa um grande progresso na área”, afirma Jonathan Brumberg, do Laboratório de Fala e Neurociência Aplicada da Universidade do Kansas (que não participou do estudo).

Para testar a tecnologia, os pesquisadores registraram a atividade cerebral da paciente usando eletrodos, enquanto ela pensava em frases silenciosamente. Com base em gravações de sua voz antes do AVC, os cientistas desenvolveram um sintetizador que recria o som que ela emitiria se pudesse falar normalmente. Depois, treinaram um modelo de IA para traduzir os sinais neurais em unidades de som.

O funcionamento do sistema é semelhante às tecnologias que transcrevem reuniões e chamadas telefônicas em tempo real, de acordo com Anumanchipalli, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

O implante é colocado na região do cérebro responsável pela fala, onde capta os sinais neurais e os converte em fragmentos de fala que formam frases completas. O grande diferencial da tecnologia é que o processamento acontece continuamente, sem esperar que a frase seja concluída.

paciente de experimento sobre interface cérebro-máquina
Foto fornecida por pesquisadores da Universidade da Califórnia mostra uma participante de um estudo sobre neuropróteses da fala, em 2023 (Crédito: Noah Berger/ Universidade da Califórnia)

A cada 80 milissegundos – cerca de meia sílaba – o sistema processa os dados e os envia para um gravador. “Ele não espera a frase terminar”, explica Anumanchipalli. “O processamento acontece em tempo real.”

Essa capacidade de decodificar a fala quase instantaneamente pode permitir que o sistema acompanhe o ritmo natural da conversa, explica Brumberg. Além disso, o uso da voz original da paciente é um avanço importante para tornar a fala mais natural e pessoal.

O estudo foi parcialmente financiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), e, segundo Anumanchipalli, não sofreu impacto dos cortes recentes no orçamento da instituição.

Apesar dos resultados promissores, mais estudos são necessários antes que a tecnologia de interface cérebro-máquina possa ser lançada para o público. No entanto, com investimentos contínuos, o pesquisador acredita que o dispositivo poderá estar disponível para pacientes dentro de uma década.


SOBRE A AUTORA

Laura Ungar é repórter da Associated Press. saiba mais