Estamos destruindo a capacidade de concentração de uma geração inteira, alerta Jonathan Haidt
Em evento promovido pela deputada Marina Helou e a Fundação Lemann, autor de A Geração Ansiosa critica big techs e destaca papel do Brasil

Em um evento para convidados em São Paulo, o psicólogo social Jonathan Haidt, autor do best-seller "A Geração Ansiosa", foi direto: “estamos destruindo a capacidade de concentração de uma geração inteira. Se não pararmos, isso será ainda mais grave do que a atual epidemia de depressão e ansiedade”.
O evento foi promovido pela Fundação Lemann e pela deputada estadual Marina Helou, responsável pela lei que proíbe o uso de smartphones e dispositivos eletrônicos nas escolas de São Paulo.
Na plateia estavam autoridades públicas, educadores e lideranças sociais. Entre eles, os secretários de educação de São Paulo, Renato Feder, e do Paraná, Roni Miranda; o secretário municipal de educação de São Paulo, Fernando Padula; o deputado federal Pedro Campos (PSB); as deputadas estaduais Ana Paula Siqueira (Rede/MG) e Patrícia Alba (MDB/RS); a vereadora Marina Bragante (Rede), a juíza Vanessa Cavalieri e lideranças do Movimento Desconecta.
Com base em mais de uma década de estudos sobre o impacto das redes sociais e dispositivos móveis no desenvolvimento infantojuvenil, que resultou no livro de sua autoria, Haidt mostra como a partir de 2012 o mundo entrou em uma “reconfiguração massiva da infância”, com consequências drásticas para a saúde mental e o aprendizado de crianças e adolescentes.
“Perdemos a infância baseada em brincadeiras. Ganhamos a infância baseada em telas. Isso tem um custo alto para o cérebro em formação”, afirmou. Segundo ele, os efeitos são ainda mais perversos entre jovens em situação de maior vulnerabilidade, já que a economia da atenção não afeta todos igualmente.
SMARTPHONES, DOPAMINA E A ECONOMIA DA DISTRAÇÃO
No encontro para convidados, Haidt fez uma apresentação em que selecionou dados e gráficos a partir de seu livro sobre o aumento de casos de automutilação e pensamentos suicidas entre adolescentes, especialmente meninas, desde o início da década passada.
as big techs sabem como tornar suas plataformas menos prejudiciais, mas perderiam engajamento.
O psicólogo destacou também o impacto neurológico do uso excessivo de telas, associando os estímulos digitais constantes a um colapso nos sistemas de recompensa do cérebro.

“Tudo fora da tela vira chato. Os meninos, especialmente, têm sido capturados por ciclos de dopamina rápida em jogos, pornografia, vape e apostas esportivas. Estamos entregando a socialização dos nossos filhos a extremistas na internet”, alertou.
O PODER DAS BIG TECHS
Para o autor, a explosão de transtornos como falta de atenção, ansiedade, depressão e automutilação entre jovens está diretamente ligada à forma como plataformas como Instagram, TikTok e YouTube moldaram o ambiente digital – e o quanto continuam permitindo que ele seja profundamente tóxico.
“Redes como TikTok e Instagram são, basicamente, máquinas de comparação social e validação pública, algo que é devastador para o cérebro adolescente em desenvolvimento, principalmente para as meninas”, apontou.
Haidt enfatizou que as big techs sabem exatamente como tornar suas plataformas menos prejudiciais, como desabilitar contagens públicas de likes ou impedir que desconhecidos interajam com menores de idade. Mas que perderiam engajamento – o que significa perder dinheiro.
Além das redes sociais, Haidt também lançou um olhar crítico sobre o setor de tecnologia educacional. Para ele, as edtechs foram promovidas como ferramentas de transformação da educação, mas os dados mostram que, com raras exceções, elas causam mais danos do que benefícios.
O PAPEL DO BRASIL
Apesar do diagnóstico alarmante, Haidt reforçou os caminhos que ele já aponta no livro para reverter a crise em que estamos: proibir smartphones antes dos 14 anos, adiar o uso de redes sociais até os 16, impedir o uso de celulares nas escolas e garantir mais autonomia para as crianças no mundo real.

Para ele, o Brasil já deu passos enormes com a lei que proíbe smartphones nas escolas e com iniciativas como o Movimento Desconecta, que propõe acordos coletivos para evitar o uso precoce dos dispositivos.
Segundo Haidt, o país pode desempenhar um papel global de liderança. “A Austrália foi a primeira. Mas são o segundo e o terceiro países que mostram ao mundo que isso é um movimento, não um caso isolado. O Brasil é grande, tem influência. Vocês podem mudar o rumo da infância no século 21.”
A deputada Marina Helou reforçou o compromisso com a implementação da política nas escolas e destacou a urgência do debate.
AUTONOMIA, CONFIANÇA E RESPONSABILIDADE
Jonathan Haidt abordou ainda outro fator essencial para a reconstrução de uma infância saudável: a confiança. “Os dados mostram que o Brasil é um dos países com menor confiança social. Mas é justamente quando confiamos que as crianças podem sair, brincar, se virar, que elas se tornam autônomas e resilientes."
Ele apresentou a iniciativa Let Grow, que propõe pequenos desafios de independência para as crianças, como ir à padaria sozinhas ou preparar o próprio café da manhã.
Em um cenário no qual a tecnologia avança mais rápido do que a legislação, Haidt fez um alerta: “estamos ficando mais estúpidos à medida que as máquinas se tornam mais inteligentes”.