A publicidade seria mais eficiente se tivéssemos menos (não mais) anúncios
É difícil encontrar um lugar ou momento em que não sejamos bombardeados com anúncios – mas as agências continuam buscando novas oportunidades
Uma pessoa comum vê cerca de quatro mil anúncios por dia – ou pelo menos é o que diz a internet, embora tudo indique que esse número seja inventado. Até agora, não existe nenhum estudo confiável que comprove isso.
Imagino que a intenção tenha sido fazer soar como uma quantidade absurdamente alta de propaganda. Mas fico pensando: “quem são essas pessoas que veem apenas quatro mil anúncios por dia?”
Pense em todos os formatos de publicidade a que somos expostos: desde logos em camisetas e propagandas nas redes sociais até nomes de empresas em estádios e anúncios que interrompem nossos jogos “gratuitos” online.
Até o spam que, de alguma maneira, dribla os filtros de e-mail, também é uma forma de publicidade. É difícil encontrar um lugar ou momento que não seja aproveitado para algum tipo de anúncio – embora as agências continuem tentando encontrar mais.
Tudo isso gera, claro, um grande ruído. É ruim ver marcas e anunciantes tentando a todo custo se destacar e se tornando cada vez mais agressivos no processo.
O pior, no entanto, é o impacto disso nas pessoas, que precisam fazer um esforço consciente para ignorar todo esse barulho e disputa por sua atenção. E essa situação está longe de ser inofensiva. Estudos comprovam que o excesso de anúncios contribui para a ansiedade, que pode levar a diversos problemas mentais e físicos.
Ainda assim, acredito que a publicidade possa, sim, ter um efeito positivo na nossa qualidade de vida. Mas, para isso, é preciso uma mudança de perspectiva, uma aplicação responsável da inteligência artificial, muita cooperação entre marcas, empresas de mídia e reguladores e um novo modelo para as agências de publicidade.
Essa mudança de perspectiva a que me refiro foi resumida pela famosa frase do publicitário norte-americano Howard Luck Gossage, na década de 1960: “ninguém lê anúncios. As pessoas leem o que lhes interessa; às vezes, calha de ser um anúncio”.
Sabemos que isso é verdade porque odiamos anúncios, mas passamos horas folheando catálogos, assistindo a vídeos ou navegando em sites dedicados aos nossos hobbies e paixões – alguns dos quais são, na prática, anúncios. Em outras palavras, às vezes a publicidade é interessante e as pessoas prestam atenção nela.
As promessas de big data e mídia programática só aumentaram a quantidade de anúncios necessária para uma campanha média.
Será que é possível viver em um mundo no qual só recebemos o que realmente nos interessa – o que pode incluir alguns anúncios? Seria um lugar tão mais agradável e silencioso.
E esse mundo utópico não seria bom apenas para os consumidores, funcionaria bem para as marcas, que não precisariam gastar com anúncios para pessoas que jamais comprariam seus produtos.
As agências poderiam continuar seu trabalho, afinal, a publicidade ainda precisaria ser interessante. E até os veículos sairiam ganhando, pois poderiam cobrar mais por espaços publicitários que garantissem alcance ao público certo.
Hoje, as agências já fazem um esforço nesse sentido, tentando “segmentar” o público por meio de pesquisas de mercado, compra de mídia programática e outras técnicas para alcançar os consumidores mais desejáveis. Mas essas práticas ainda são bem limitadas.
Elas comemoram quando conseguem atingir uma taxa de conversão de 2% entre as pessoas que viram um determinado anúncio, ignorando os efeitos colaterais causados pelo excesso. Até agora, as promessas de big data e mídia programática apenas aumentaram a quantidade de anúncios necessária para uma campanha média.
A inteligência artificial tem o potencial de nos levar muito além. Uma IA verdadeiramente inteligente poderia aprender nossos interesses, prever nossas próximas compras e nos mostrar apenas os anúncios que realmente queremos e precisamos ver.
Com menos conteúdo irrelevante ocupando a nossa mente, teríamos mais espaço para aprender sobre produtos e serviços que realmente importam para nós.
Claro, isso traz grandes desafios. A privacidade é uma questão enorme. As pessoas já se sentem desconfortáveis ao receber anúncios com base no seu comportamento online – ou em algo que a Alexa ou a Siri “ouviram” por acaso.
Além disso, o spam serve justamente para bombardear as pessoas com anúncios e driblar os filtros. Seria necessária uma IA altamente avançada para proteger nossa privacidade, acabar com o spam e nos mostrar apenas as propagandas que realmente nos interessam.
Será que é possível viver em um mundo no qual só recebemos o que realmente nos interessa?
Mas o esforço vai valer a pena. A publicidade desempenha um papel vital no comércio: ela nos informa e inspira. Só que a vida é curta demais para ser gasta com o fluxo inescapável, irrelevante e, por vezes, irritante de anúncios que vemos hoje.
Convoco a indústria publicitária a liderar essa revolução. As agências só têm a ganhar com o aumento de eficiência e eficácia que acredito ser possível. Na verdade, as agências terão a capacidade de atingir um ponto ideal onde serão reconhecidas como uma fonte indispensável de criatividade para resolver problemas complexos de negócios – seja com publicidade ou não.
A publicidade pode se tornar – ouso dizer – um bem social que as pessoas valorizam e aguardam com expectativa. Mas a indústria publicitária vai precisar da colaboração das marcas, dos provedores de tecnologia, parceiros de mídia e daqueles que regulam os negócios e a comunicação.
Quer mais detalhes? Estaremos de volta após esta mensagem dos nossos patrocinadores.