Cessar-fogo: marcas precisam parar de “fazer a cabeça” do consumidor

Conforme a carga mental das pessoas aumenta, a grandes marcas precisam rever suas táticas publicitárias

Crédito: Eugene Mymrin/ GettyImages

Bryan Goodpaster 5 minutos de leitura

Você tem tido dificuldade para escolher o que vestir antes de sair de casa? Ou tem demorado para decidir o que quer comer no café? Se sim, saiba que não está sozinho. De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), 32% dos adultos estão tão estressados ​​que têm sofrido até mesmo para tomar decisões cotidianas.

Muita coisa mudou nos últimos dois anos e a pandemia alterou radicalmente nossas perspectivas. A questão da carga mental existia bem antes da Covid-19, mas a enxurrada de eventos nos últimos dois anos tornou o dia a dia ainda mais desafiador e cansativo.

Como indica o estudo da APA, a maior parte das pessoas simplesmente tem menos tempo disponível para si mesmas e para suas questões pessoais do que antes da pandemia. Essa mudança tem levantado questões profundas para diversas marcas líderes de mercado.

Talvez tenha chegado a hora declarar um cessar-fogo na longa batalha para “marcar presença” na mente dos consumidores. Se a cabeça de todo mundo já está sobrecarregada, então o marketing precisa encontrar outras formas, menos invasivas, de fazer com que as marcas se tornem relevantes na vida das pessoas.

REVENDO A ABORDAGEM DO “MINDSHARE”

Em primeiro lugar, as velhas abordagens da publicidade precisam ser radicalmente revistas. Foi em 1980 que Al Ries e Jack Trout incitaram as marcas a trabalhar o mindshare. Seu livro, “Positioning: The Battle for Your Mind” (Posicionamento: A Batalha por Sua Mente), argumentava que uma medida-chave do sucesso de uma marca era ocupar mais espaço na mente dos consumidores do que seus concorrentes.  Assim, o marketing começou a medir a quantidade de conhecimento ou popularidade do consumidor em torno de um determinado produto.

o marketing precisa encontrar formas menos invasivas de fazer com que as marcas se tornem relevantes na vida das pessoas.

Nas últimas quatro décadas, o cenário do marketing esteve baseado nessa abordagem, com as marcas buscando se posicionar para conquistar a mente do consumidor – encarada não como a mente de uma pessoa real, mas apenas como um “território mental a ser disputado e conquistado”. Hoje, porém, o mundo está muito diferente, pois os consumidores não têm mais espaço mental sobrando, e muito menos para as marcas capturarem.

Algumas empresas reconhecem isso e estão se adaptando. A Nike tem apontado novos caminhos. Em novembro de 2021, lançou o programa Mind Sets, que expandiu seu foco da realização física para incluir o bem-estar mental. É um reconhecimento de que até mesmo atletas de ponta, como Simone Biles, Naomi Osaka e Ben Simmons não sentem mais que podem “aguentar a pressão e simplesmente seguir em frente”.

REVENDO AS FORMAS DE INTERAÇÃO

Os próprios fundamentos dos negócios mudaram. Ao contrário do que se dizia, o tal “novo normal” não vai se estabelecer, pois os consumidores não estão interessados ​​em retornar ao status quo.

Atravessando as consequências da pandemia, agora navegamos pela polarização em massa e por uma maior conscientização coletiva em relação às questões sociais. A luta existencial levou muita gente a reconsiderar totalmente a forma como leva a vida.

Essa mudança está bem documentada no recente livro de Britt Wray, “Generational Dread: Finding Purpose in the Age of Climate Crisis” (O Medo Geracional: Encontrando Propósitos na Era da Crise Climática.) A autora mostra como a eco-ansiedade está causando esgotamento, ansiedade e perturbação do funcionamento diário.

os consumidores não têm mais espaço mental sobrando, e muito menos para as marcas capturarem.

Na maioria das vezes, as pessoas estão lidando com esse medo tornando-se mais seletivas e mais intencionais em suas escolhas de consumo. Marcas e empresas estão mais sujeitas às crescentes expectativas dos consumidores do que nunca.

De acordo com um estudo da McKinsey, em apenas oito semanas de lockdown, as pessoas adotaram e incorporaram a mesma quantidade de novas formas de comunicação digital que era esperada para os próximos sete anos.

Alimentada pela pandemia, a instalação e implementação de quiosques de autoatendimento e sem contato humano e de check-ins móveis aumentou 66% apenas nos hotéis dos EUA.

Se antes as marcas costumavam se concentrar na interação humana e nas respostas personalizadas em tempo real, agora elas precisam oferecer plataformas que possam fornecer agência pessoal e experiências humanas otimizadas.

REALINHAMENTO CULTURAL

Em muitos casos, a mudança na mentalidade empresarial precisará ser ainda mais profunda. O modo como as marcas agregam valor em nossas vidas mudou fundamentalmente. Trinta anos atrás, as pessoas até podiam estar mais abertas à sua intrusão barulhenta e impetuosa – até certo ponto. Mas os tempos mudaram.

Nada disso quer dizer que as marcas não podem mais desempenhar um papel em nossas vidas. Mas elas precisam, antes, garantir que são relevantes para essas vidas. Em muitos casos, trata-se de (re)alinhar significativamente o ethos de uma marca com a cultura contemporânea.

Os profissionais de marketing podem se inspirar em nomes como Ben & Jerry’s. Em meio ao materialismo dos anos 80, a marca optou por passar uma mensagem que fosse além do sorvete.

O público se tornou muito crítico em relação a declarações e slogans vazios, que não são apoiados por ações reais.

Ela se posicionou como “uma empresa de justiça social, que vende sorvete para poder alimentar as causas que defende”. E continua a se envolver em campanhas como “O silêncio NÃO é uma opção”, alinhada ao movimento Black Lives Matter.

Nos últimos anos, essa postura foi adotada por outras empresas. A “Campanha pela Real Beleza” da Dove foi revolucionária, mostrando corpos de todas as formas e tamanhos em sua propaganda, abrindo caminho para um novo modelo de representação feminina inclusiva.

A marca abriu espaço para modelos plus size e convidou a cantora Lizzo, sem dúvida uma das faces mais reconhecidas da beleza inclusiva, para ser uma de suas embaixadoras.

A chave para tudo isso é garantir que a presença da marca seja conquistada de uma maneira que pareça autêntica. O consumidor se tornou muito cauteloso e crítico em relação ao greenwashing ou, pior ainda, em relação a declarações e slogans vazios, que não são apoiados por ações reais.

Anúncio por anúncio, marca por marca, dia a dia, a ortodoxia de disputar o território mental dos consumidores está sendo substituída por uma abordagem que respeite o espaço mental das pessoas. Estar mais atento ao propósito e aos seus objetivos – em 2022, é isso que pode conquistar a verdadeira fidelidade a uma marca.


SOBRE O AUTOR

Bryan Goodpaster é vice-presidente de prospectiva e estratégia cultural da agência global de design e experiência de marca Marks. saiba mais