Estratégias “tortas” fazem Adidas se enrolar nas suas próprias listras

A gigante global tropeçou depois do fracasso das parcerias com Ye e Beyoncé e da briga desnecessária com a marca do Black Lives Matter

Créditos: Mateus Carvalho/ Pexels/ Daniel Hernandez Moles/ iStock

Jeff Beer 4 minutos de leitura

As últimas semanas não têm sido nada fáceis para a Adidas.

No dia 28 de março, a gigante do esporte acionou o Patent and Trademark Office (Escritório de Marcas e Patentes dos EUA), em oposição a um pedido de marca registrado pelo Black Lives Matter, cujo logotipo consiste em três listras amarelas.

A Adidas argumentava que, se o pedido do BLM fosse concedido, a semelhança entre os designs poderia causar confusão nos clientes, uma vez que a marca estreante também vai atuar nas categorias de roupas e calçados.

O movimento Black Lives Matter já usa uma identidade visual com três listras amarelas em seu site e em mercadorias há algum tempo, e os valores de suas vendas são revertidos para a organização sem fins lucrativos Black Lives Matter Global Network Foundation.

Crédito: Divulgação

Menos de 24 horas após o pedido de oposição, a Adidas voltou atrás. O recuo veio depois de uma previsível reação negativa do público e do repúdio da imprensa. Se considerarmos que os produtos e a imagem da Adidas são em grande parte impulsionados pela cultura pop – esportes, música, arte – e que esses universos são amplamente impulsionados pela cultura negra, uma disputa mesquinha contra uma organização sem fins lucrativos antirracismo era obviamente uma estratégia imprudente.

Este episódio ocorreu justamente na mesma semana em que a Adidas anunciou que estava encerrando sua parceria Ivy Park com Beyoncé, e depois de um fevereiro marcado por notícias e matérias na imprensa que relatavam queda nas vendas dos produtos dessa linha e conflitos criativos com a estrela.

Crédito: Adidas

Para piorar, isso aconteceu algumas semanas depois que os resultados financeiros de 2022 revelaram uma queda da empresa na China e US$ 6 bilhões em estoque de produtos não vendidos, depois do linchamento público de Kanye West por conta de seus recorrentes comentários antissemitas.

O comportamento da estrela pop, que trocou de nome para Ye, levou ao cancelamento de seu contrato com a Adidas. Por fim, a empresa também dispensou seu CEO no ano passado.

Realmente, foi um semestre bem difícil para a Adidas.

IMAGEM DE MARCA

Desde essa grande ruptura, em outubro passado, a marca se sentiu um pouco perdida, aparentemente incapaz de recapturar o espírito de magia e criatividade que emanou durante a maior parte da última década.

Lebron James é parceiro da Nike (Crédito: reprodução/ Instagram)

Se olharmos para sua maior rival, a Nike, apesar de ter feito parcerias com estrelas globais como LeBron James, Serena Williams e Ronaldo, ela continuou investindo, sem dúvida ainda mais, em sua imagem de marca.

“A Nike, como marca, nunca ficou em segundo plano em relação a celebridades e porta-vozes do esporte”, analisa Mark Cohen, professor da Columbia Business School. “Quando algo dá errado – como aconteceu com Tiger Woods, em 2009, ou com Oscar Pistorius, em 2013 – eles conseguem seguir em frente. Eles equilibram cuidadosamente os valores de curto e longo prazo.”

Agora, a Adidas atravessa uma má fase. Mas, se olharmos pelo lado positivo, bem antes desse episódio com Kayne West, a marca já fez muitos trabalhos excelentes em parceria com celebridades que divulgaram de maneira impressio- nante suas conexões com a música, a arte e os esportes – e o fizeram de uma maneira bastante diferente da Nike.

Foi o caso, por exemplo, da coleção Adidas Star Wars para a Copa do Mundo de 2010, em que nomes como David Beckham, Snoop Dogg, Daft Punk e Jay Baruchel foram transportados para a famosa cantina ficcional de Mos Eisley.  O resultado, na época, foi um cruzamento quase sem precedentes de ícones da cultura pop que era divertido e estiloso.

A Adidas também tem estrada em contar de forma criativa histórias emocionantes sobre seus atletas famosos, como fez em uma charmosa campanha de 2007 com Beckham e Lionel Messi. A marca usou arteterapia e animação para contar histórias tocantes sobre seus superastros esportivos de uma forma genuína e única.

A pulsação criativa da marca ainda é evidente. Basta lembrarmos do outdoor líquido (“Liquid Billboard”) lançado na campanha do ano passado. A marca descobriu que 32% das mulheres em todo o mundo – e 88% no Oriente Médio – não se sentem à vontade para nadar em público. Por isso, elas são minoria nos esportes aquáticos. 

Pensando nisso, a Adidas construiu um enorme tanque de água transparente, do tamanho de um outdoor, elevado acima de uma popular praia de Dubai. A ideia era aumentar a conscientização e promover a positividade do corpo feminino. A campanha ganhou o Grande Prêmio do Cannes Lions na categoria Out-of-Home.

Esses são os tipos de projetos que a Adidas precisa multiplicar, em vez de pisar em ovos, como está fazendo ao se opor ao pedido de marca registrada do BLM e ao perseguir qualquer um que por acaso trace três linhas juntas. A inovação precisa voltar a se sobrepor às disputas. 

Como prega o próprio lema da marca, “nada é impossível”, não é mesmo?  


SOBRE O AUTOR

Jeff Beer cobre publicidade, marketing e criatividade para a Fast Company. saiba mais