Influenciadores ou conteúdo gerado por usuários: por que não os dois?

Na busca por criar comunidades, marcas investem em dois caminhos da influência digital: os grandes e os creators. Marketing vira espaço de escuta

Crédito: Tamanna Rumee/ Good Faces/ Unsplash

Camila de Lira 9 minutos de leitura

Uma grande celebridade da web, daquelas seguidas por muitos milhões no Instagram, fez um story com uma marca de bebidas. A audiência foi um estouro. Por algumas horas, o produto foi o assunto mais falado das redes.

A embalagem foi divulgada organicamente entre milhões, alguns quiseram experimentar, outros nem eram fãs daquele tipo de bebida. Dias depois, no entanto, o tema esfriou, sendo substituído por um novo trending topic. Passaram-se semanas e as vendas aos borbotões não vieram.

Essa história é fictícia, mas tem um quê da nova realidade do marketing digital, na qual conseguir acessar a audiência não é o bastante. É preciso criar uma comunidade. É preciso dialogar com o público. E, para isso, novos tipos de influenciadores entram no plano, aqueles que nem eram considerados “influencers” e sim “creators”: os usuários.

“Não dá para uma marca viver de buzz, a marca vive de relacionamento. O buzz pontual pode ser potente, mas é o relacionamento, principalmente a partir dos usuários, que gera conversa o ano inteiro”, afirma a diretora de marketing do Rock in Rio, Ana Deccache.

Escutar a indicação de quem é mais próximo é um hábito natural. Há 10 anos, os grandes nomes da web eram o “cara do lado”, aqueles com quem os usuários contavam para a conversa um a um. Com o tempo, vieram os “publis”, a legião de fãs e a audiência. De vizinho confiável, ele passou a ser uma estrela, assim como atores e atrizes que protagonizam campanhas na televisão.

“Uma pesquisa da Nielsen mostrou que 92% dos clientes confiam mais no conteúdo espontâneo gerado pelo usuário do que o de um anúncio tradicional”, diz a líder de mídia da Unilever para o Brasil e América Latina, Ana Paula Duarte.

Ana Paula Duarte, da Unilever (Crédito: Divulgação)

O surgimento de celulares de alta tecnologia, câmeras, microfones e ring lights abriu as portas para usuários publicarem seus próprios conteúdos com uma qualidade sem precedentes. Do outro lado, o surgimento de novas redes sociais, comandadas por algoritmos diferentes, pavimentou a entrada do “cidadão comum” no mundo dos influenciadores. O fenômeno TikTok foi resultado dessa mistura.

“Um microfone foi colocado na boca de cada cliente. Isso amplifica a sua voz para o bem e para o mal. Existe mais risco de uma crítica ganhar repercussão nacional. Mas também existem mais chances de as pessoas defenderem e elogiarem a sua marca”, pondera o CMO do McDonald’s Brasil, João Branco.

Influenciadores e usuários operam juntos na criação de uma comunidade que vai além da audiência, e consegue gerar conversas significativas entre si.

ENTRE CHALLENGES E DESAFIOS

“Se pararmos para pensar, todos somos influenciadores e influenciados de certa forma”, diz o  líder de estratégia de conteúdo da Ogilvy Brasil, Gabriel Nogueira.

Ana Duarte, da Unilever, comenta que tal produção traz “maior autenticidade e conexão” entre a marca e as pessoas. Já Ana Deccache, do Rock in Rio, vê poder inestimável no que é criado pelo usuário, em termos de inventividade e diversidade.

“O UGC [user generated content, ou conteúdo gerado pelo usuário] é meu KPI favorito, porque é a única forma de comprovar que, de fato, a marca entrou na vida da pessoa, que é especial, que faz parte da cultura, se gera conversa”, afirma Deccache.

Por se tratar de um evento conhecido mundialmente, o Rock in Rio já tem um alcance orgânico nada trivial. O UGC ajuda a criar a aura do evento, até mesmo em anos em que não há shows na Cidade do Rock (o festival já teve edições em Lisboa, Madri e Las Vegas). Para isso, eles inspiram a produção, pela comunidade, de vídeos, de postagens e fotos, por meio de “challenges” e dando visibilidade para quem fala sobre o festival.

Em lugar de produtora da comunicação, a marca vira gestora e inspiradora. É uma mudança nos eixos do marketing.

“Fomentamos a geração de conteúdo em épocas específicas. Pedimos vídeos dos fãs, fotos de quem já passou por momentos no festival. Fazemos uma contagem regressiva junto com as pessoas”, diz a diretora de marketing do festival.

“O desafio do conteúdo gerado pelo usuário é que a marca precisa estimulá-lo a produzir o conteúdo orgânico. Não existe ferramenta digital para isso”, comenta Eder Redder,  diretor nacional de conteúdo da Artplan e professor da Escola do Criador, voltada para creators e nano-influenciadores.

Em lugar de produtora da comunicação, a marca vira gestora e inspiradora. É uma mudança nos eixos do marketing, até mesmo no marketing de influência. O novo eixo “dá mais trabalho e exige mais flexibilidade”, pondera João Branco, do McDonald’s, já que a empresa precisa não só entender do seu produto, como também dos seus públicos e do que eles público estão falando.

Monitorar e estimular andam juntos, pois, para estar ao lado dos criadores de conteúdo menores, é preciso entender em quais nichos eles atuam. “As marcas precisam construir uma variedade de conteúdos muito maior. Os creators são uma forma de gerar essa conexão, mas, para que a comunicação funcione, as marcas também precisam aceitar adaptar-se ao contexto da comunidade em que querem se inserir”, indica o executivo.

COMUNIDADE > AUDIÊNCIA

Para as marcas nativas digitais, alimentar uma comunidade a partir da audiência é um caminho natural. Afinal, é a comunidade que vai fomentar o crescimento das vendas diretas. “Audiência engajada e comunidade são coisas diferentes. Para algumas marcas, faz sentido ter só audiência engajada. Para outras, é preciso ter uma comunidade”, comenta a diretora de arte e especialista em gestão de conteúdo Jéssica Gomes, que trabalhou na estratégia digital de marcas como Avon e Sallve.

Jéssica Gomes (Credito: Divulgação)

“A comunidade exige ainda mais da marca. Exige cuidado com as pessoas, construção de relacionamentos. Falar de comunidade significa ter níveis de engajamento e de relacionamento recorrentes. Exige uma relação de confiança com as pessoas, os criadores, os consumidores. Demanda escuta ativa”, ensina Jéssica.

Não é só levantar a conversa com a audiência, estimular a produção de conteúdo, mas também entender o que faz aquelas pessoas estarem ali. Algumas marcas adotam sistemas de assinatura, outras criam canais em aplicativos de mensagens como o Telegram. Tudo para fomentar a conversa.

A marca OMO, da Unilever, analisou sua comunidade de clientes e percebeu que a comunicação tinha que mudar. “Os consumidores buscavam mais identificação, queriam ouvir sobre os produtos por meio de pessoas reais, em realidades que se aproximassem mais do dia a dia”, conta Ana Paula.

A forma que a empresa encontrou para chegar a esse equilíbrio foi usando o poder dos microinfluenciadores dentro de suas comunidades.

UMA “NOVA” INFLUÊNCIA

Se os usuários ganharam espaço nos últimos anos, a própria influência mudou. Se antes o influencer era apenas um porta-voz, hoje até mesmo os micro são chamados para jogar pelas marcas. Essa tem sido uma forma de gerar autenticidade nas redes: sair do chamado “publi”.

Uma das companhias que se destaca na nova influência é a própria Sallve, que ganhou espaço nas redes sociais nos últimos três anos. A marca de skincare brasileira não só entrou como cresceu e se estabeleceu em um mercado que parecia dominado pelos grandes concorrentes. No ano passado, a Sallve levantou R$ 110 milhões em um investimento Série B liderado pelo Atlantico.

Gabriel Nogueira, da Ogilvy (Crédito: Divulgação)

Na companhia cocriada por Julia Petit, o foco é crescer por meio de “uma nova influência”. “É um caminho colaborativo e cocriativo, no qual a gente chega no resultado final juntos. O influenciador não aparece apenas na parte final da campanha, ele participa do sprint de criação do produto e de como a comunicação vai para o mercado”, diz Vivian Borges, especialista em influência na Sallve.

Dessa forma, a marca acaba transformando o conteúdo gerado por influenciadores em conteúdo gerado pelo usuário. Vivian cita o exemplo de Tássio Santos, maquiador profissional que cria conteúdos no Instagram @herdeiradabeleza.

Santos fez um colab com a Sallve para o protetor solar voltado para a pele negra da marca. “Como ele passou pelo processo, falou com assertividade, segurança e conhecimento e a audiência viu verdade nisso. A autenticidade é gerada por essa verdade”, conta Vivian.

Além de atuar com influenciadores “grandes”, a Sallve tem comunidades de clientes e microinfluenciadores. A empresa faz eventos para unir influenciadores, criadores e usuários em um mesmo espaço.

Ao chamar as pessoas para a conversa, a marca enriqueceu sua comunidade e gera feedbacks para a evolução de seus produtos. Além disso, criou um programa de afiliados que permite que pequenos usuários recebam pela venda de produtos da Sallve.

“É um trabalho mais árduo, leva mais tempo para executar a estratégia toda. Não é só mandar o briefing”, diz Jéssica. Para Ana Deccache, do Rock in Rio, atuar em comunidades é “matematicamente mais difícil” do que era nos anos 2000. “Há mais camadas para construir. São mais canais, comunicação com o público, interação, monitoramento”, explica a executiva.

MAS… E A CAMPANHA COM JULIETTE?

Tendo esse cenário em mente, a pergunta que fica é: seria o fim da era dos grandes influenciadores? A resposta prática é: no Brasil, ainda não. Segundo pesquisa feita pela CupomValido, a partir de dados do Statista e do Hootsuite, o Brasil lidera no poder de influenciadores sobre decisão de compra. Mais de 40% dos brasileiros já levou em conta o conteúdo de criadores e influencers para comprar algo online.

Eder Redder, da Artplan (Crédito: Divulgação) 

“A era dos grandes influenciadores não vai morrer. O que tem que morrer é a ideia de que o grande influenciador vai resolver tudo: awareness, inspiração e conversão”, diz Eder Redder. Para ele, as marcas precisam se valer de estratégias híbridas, entendendo em que momento do funil faz sentido ativar cada parte da comunicação.

Mas como seguir com essa estratégia de maneira mais eficiente? “O segredo da relevância não está no número de seguidores, que dita se o influenciador é macro ou micro, mas sim no propósito, na autenticidade e na criatividade ao explorar temas que se conectem com a audiência”, explica Gabriel Nogueira, da Ogilvy Brasil.

Da parte das marcas, a resposta está em pensar mais nos interesses do público. De acordo com João Branco, mais importante do que o tamanho do influenciador é sua capacidade de mobilizar quem a marca você está tentando atingir.

Se um influenciador é grande, mas focado no seu público desejado e a marca consegue investir o suficiente, terá um impacto ainda maior. “Se for apenas grande, mas tiver pouca credibilidade com as pessoas com quem você quer falar, eu priorizaria outras opções, ainda que menores”, diz o CMO do McDonald’s ensina João Branco, do McDonald’s – dica que vale especialmente para marcas de menor porte.

“A beleza está em ter um pouco de tudo”, finaliza Ana, do Rock in Rio.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais