Para onde irão os consumidores com o declínio das redes sociais?
Com conteúdos gerados por IA invadindo os principais pontos de contato online, o marketing precisa adaptar estratégias para alcançar o público-alvo
Existe um ditado famoso que diz: “na internet, ninguém sabe que você é um cachorro”. Essa frase – tirada de uma charge publicada na revista “The New Yorker”, pasme, em 1993 – é um comentário sobre o anonimato que a internet proporciona: nunca sabemos quem realmente está por trás da tela.
Sempre acreditei que essa máxima se manteria eternamente relevante, mas ela ganhou uma nova camada ainda mais assustadora. Hoje, a pessoa do outro lado pode nem ser um humano. Em 2023, cerca de metade do tráfego da internet foi gerado por bots.
Os conteúdos produzidos por inteligência artificial se espalharam por toda a web, da Wikipedia à primeira página de buscas do Google Imagens, tornando cada vez mais difícil distinguir o que é real do que é fabricado.
Existem muitas evidências mostrando que as pessoas – usuários comuns – não simpatizam com a IA. Elas detestam bots de atendimento ao cliente, sentem que arte e música geradas ameaçam sua humanidade e veem como desonestas as marcas que usam conteúdo criado por ela sem informar.
Esses sentimentos, claramente, vão na contramão dos interesses das grandes empresas de tecnologia, que estão investindo pesado na inteligência artificial generativa, gastando bilhões em infraestrutura para viabilizá-la.
Embora possa impressionar à primeira vista, a IA generativa está corroendo a confiança que as pessoas tinham nas plataformas digitais. Com tanto conteúdo gerado por IA invadindo os principais pontos de contato online, parece inevitável que, em resposta, os hábitos de consumo mudem.
Uma onda de desconfiança e desinteresse está tomando conta da internet, e os profissionais de marketing precisam levar isso a sério. Existe uma possibilidade real de que, em um futuro próximo, as pessoas mudem a forma como consomem conteúdo online e, assim fique mais difícil alcançá-las usando a tecnologia.
Houve uma época em que os profissionais de marketing podiam contar com a segmentação comportamental e grandes redes de anúncios centradas nas plataformas. Mas essa era está chegando ao fim, e é hora de nos prepararmos para o que vem a seguir.
UMA INTERNET RENASCENDO EM MEIO AO DECLÍNIO
Estamos nos aproximando de um momento no qual as grandes plataformas – especialmente as redes sociais – perderão sua força. Com a queda no número de usuários, a utilidade dessas plataformas para anunciantes diminui, e isso os forçará a repensar suas estratégias.
Desde 2022, o tempo que as pessoas passam nas redes sociais vem caindo continuamente, e a Gartner prevê que essa tendência deve continuar. Ao fazer essa previsão, a Gartner destacou alguns pontos interessantes.
Primeiro, 53% dos usuários consideram que “as redes sociais pioraram em comparação ao último ano ou aos últimos cinco anos”. Além disso, sete em cada 10 acreditam que a IA generativa vai piorar ainda mais essa situação.
Muitos dos que reduziram seu tempo nas plataformas sociais – seja Facebook ou Twitter (atual X) – acabaram percebendo que não precisam de uma alternativa. Uma matéria recente do “Financial Times” revela que o número de britânicos que deixaram o Twitter após a aquisição por Elon Musk é muito maior do que aqueles que migraram para o Threads ou BlueSky.
Também estamos vendo uma redefinição do que significa “rede social”. Em vez de recorrerem a grandes plataformas para interagir online, acredito que as pessoas vão migrar para comunidades menores e mais focadas em interesses específicos. Esses espaços podem variar de fóruns a servidores no Discord e grupos no Telegram.
Esses ambientes, naturalmente, são muito mais difíceis para anunciantes penetrarem do que, digamos, o Facebook ou o Twitter. E, embora a publicidade seja vista como algo comum nas redes sociais, é provável que anúncios invasivos e personalizados sejam menos aceitos nessas comunidades menores e mais intimistas.
PUBLICIDADE EM MECANISMOS DE BUSCA
O prognóstico para a publicidade baseada em buscas é mais complicado. Embora seja bastante fácil e agradável viver sem redes sociais, é difícil imaginar um mundo onde as pessoas não usem o Google para procurar informações na web.
Em fevereiro, a Gartner previu que o volume de buscas diminuirá em 25% até 2026, devido ao aumento de “chatbots de IA e outros agentes virtuais”. Dado o alto custo de execução dos modelos de IA, sua propensão a “alucinar” e a desconfiança (ou antipatia) dos consumidores em relação a essa tecnologia, esse cenário parece improvável.
Desde 2022, o tempo que as pessoas passam nas redes sociais vem caindo e a Gartner prevê que vai continuar.
É muito mais provável que a posição do Google como padrão vá decaindo, com consumidores migrando para alternativas como DuckDuckGo, Brave Search e Bing em busca de melhores resultados. À medida que o mercado de buscas se fragmenta, a publicidade baseada em buscas inevitavelmente se tornará mais complexa.
Também é possível que os consumidores fiquem mais desconfiados do conteúdo que veem nos resultados de busca e se tornem menos propensos a interagir com conteúdo patrocinado.
AUTENTICIDADE DO MUNDO REAL
Há um descontentamento real e palpável em relação à web atual. É importante lembrar que essa insatisfação deve ter começado antes mesmo da popularização da IA. Ela foi causada por uma série de fatores, como os sites caça-cliques, a curadoria algorítmica dos feeds e a qualidade cada vez mais duvidosa dos produtos que usamos.
A diferença é que, agora, as coisas estão piores do que nunca. Estamos em um ponto de virada e as pessoas vão responder mudando a maneira como consomem conteúdo online. A próxima fase da internet será fragmentada, com os usuários interagindo cada vez menos com conteúdo fora de suas comunidades e de fontes de confiança.
Para os profissionais de marketing, a única opção é um retorno à simplicidade, valorizando a autenticidade. Isso pode significar revisitar canais que perderam popularidade com a ascensão da publicidade digital, como TV, rádio e mídia exterior, ou explorar o marketing boca a boca, que soa mais humano em uma era na qual a tecnologia parece fria e impessoal.
É essencial entender que, embora as redes sociais possam estar em declínio, o desejo de socializar online persiste. As pessoas buscam comunidades online muito antes da world wide web, como as comunidades Usenet dos anos 1980. E isso vai continuar, agora em sites de nicho e grupos de mensagens.
O desafio para os profissionais de marketing não é apenas identificar esses lugares, mas entender como atuar neles. E isso não será nada fácil.