Mercedes abandona o touchscreen: será o fim das telas no painel dos carros?
Com a decisão de trazer de volta botões e comandos físicos, o reinado das telas pode estar com os dias contados

Por anos, a Mercedes-Benz tem colocado as telas sensíveis ao toque no centro da experiência de dirigir. Está calor? Toque na tela para ajustar o ar-condicionado. Quer ouvir as notícias? Mais um toque. Precisa desembaçar o vidro traseiro? Toque de novo. Embora alguns botões físicos ainda sejam mantidos, a lógica dos modelos recentes gira em torno das telas.
Mas isso está prestes a mudar. Magnus Östberg, diretor de software da Mercedes-Benz, anunciou recentemente que o design da marca trará de volta os controles físicos.
“Os dados mostram que os botões físicos são melhores”, disse ele à “Autocar” durante o Salão do Automóvel de Munique. Segundo Östberg, a empresa vai começar a reintegrar comandos táteis a partir de 2026.
A decisão segue uma tendência mais ampla no setor. Montadoras como Hyundai já lideram esse retorno aos botões e seletores, enquanto a Volkswagen também anunciou que vai corrigir seu “problema das telas”, afirmando estar “dando um passo atrás para avançar”.
Depois de mais de uma década de telas cada vez maiores e mais brilhantes, a indústria automotiva parece finalmente reconhecer o que motoristas – e a ciência – já sabiam: botões físicos são mais seguros e mais práticos.
Em 2022, a revista sueca “Vi Bilägare” testou 11 carros modernos com telas e concluiu que os controles físicos superam de longe as interfaces digitais em tarefas básicas de direção.
Nos testes, um Volvo V70 de 17 anos – equipado apenas com botões – permitiu que motoristas concluíssem funções essenciais em apenas 10 segundos. Já nos modelos modernos com telas, as mesmas ações levaram de 23,5 até 44,9 segundos.
Não é apenas uma questão de conveniência, mas de segurança. A Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário dos EUA alerta que qualquer distração que tire os olhos do motorista da pista, mesmo por um segundo, aumenta o risco de acidentes.
DE VOLTA AO BÁSICO
O problema é que as telas, por sua própria natureza, obrigam o condutor a olhar para elas e navegar por menus para executar tarefas simples – que antes eram resolvidas com o toque de um botão ou o giro de um seletor.
"Como, nas telas, os botões não têm posição fixa, isso atrapalha a memória muscular e dificulta a localização das funções. Além disso, as telas 'brigam' pela atenção do motorista, ampliando os riscos de distração”, explica a especialista em design Amber Case.
Isso tem levado as montadoras a reverem sua dependência das telas. No início de 2025, a Volkswagen anunciou uma mudança importante de estratégia, comprometendo-se a restaurar controles físicos para funções essenciais em todos os novos modelos.
O chefe de design da marca, Andreas Mindt, chegou a admitir publicamente que a aposta excessiva em telas foi um erro. Para ele, carros não são smartphones e, por isso, precisam de uma interface própria.

A Hyundai também voltou atrás no fim de 2024, ao reintroduzir botões no Ioniq 5. A decisão veio após testes internos mostrarem a frustração dos motoristas com controles exclusivamente por toque em situações críticas. A pesquisa mostrou que interfaces totalmente digitais geram ansiedade quando o condutor precisa de acesso imediato a funções.
Já marcas como Toyota, Honda e Nissan nunca abandonaram totalmente os botões, optando por soluções híbridas: telas digitais combinadas com comandos físicos. Montadoras chinesas também seguem essa linha mista.

No caso da Mercedes, a mudança começa pelo volante, que foi redesenhado e passará a contar com “vários roletes, seletores e botões”. Esse novo volante se tornará padrão em todos os modelos da marca, sendo incorporado inclusive nos já disponíveis, com implementação prevista para começar no início de 2026.
Ao mesmo tempo, a Mercedes afirma estar investindo pesadamente em tecnologia de comando de voz, Segundo Östberg, o uso de comandos de voz no CLA "triplicou" entre os motoristas da Mercedes, resultado que ele classificou como "fenomenal".
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODE SER A SOLUÇÃO?
A integração com IA pode representar a solução futura para o dilema botões versus telas. Se o reconhecimento de voz se tornar realmente bom, os motoristas poderão interagir com seus carros por meio de conversas naturais.
Isso reflete a previsão do especialista em usabilidade Jakob Nielsen, que acredita que as interfaces de usuário tendem a desaparecer completamente à medida que a IA antecipa as necessidades do usuário. Nesse futuro, o debate atual sobre botões e telas pode ser irrelevante.

De volta ao mundo real, no entanto, as coisas precisam mudar. Mais fabricantes devem adotar o retorno aos controles físicos, mesmo que o custo de produção seja maior devido à eletrônica complexa que os volantes e botões exigem.
A Mercedes-Benz merece crédito por reconhecer o problema da tela sensível ao toque, como seus concorrentes da Volkswagen fizeram, e por tentar resolver um problema real com soluções baseadas em dados.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer antes que possamos dizer que as montadoras estão realmente priorizando os interesses dos motoristas, e não se proteger de problemas futuros.