Bye bye, Google: mídia investe em novas estratégias de distribuição de conteúdo
Com o Google deixando de ser uma fonte confiável para atrair audiência, as empresas de mídia começam a jogar um novo jogo

O clima no mundo da mídia é de apreensão. O fantasma da inteligência artificial ronda as redações há alguns anos, mas agora a ameaça deixou o plano teórico e começou a se concretizar. Editores relatam quedas bruscas no tráfego vindo de buscas, enquanto se acumulam evidências de que chatbots de IA praticamente não geram cliques de retorno.
A chamada era do “Google Zero” – em que usuários deixam de acessar sites porque recebem respostas diretas de IAs – deixou de ser um alerta futuro e se tornou uma realidade urgente. Entrar em pânico não é uma boa estratégia, mas mudar de rota pode ser. E isso tem acontecido com frequência.
Publicações como "Wired" e "The Verge" estão redobrando os esforços em newsletters, uma das formas mais eficazes de manter contato direto com a audiência. Quando a "Business Insider" anunciou demissões recentemente, também revelou planos de investir em eventos ao vivo.
Mesmo veículos que já operam com assinaturas estão expandindo esse modelo. A "Newsweek" vai lançar novas modalidades, tanto para consumidores quanto para empresas, enquanto o "The Guardian" criou uma opção mais barata para quem prefere não receber anúncios personalizados.
Embora a IA seja o motor por trás de muitas dessas mudanças, todas elas apontam para um objetivo comum: fortalecer o relacionamento direto com o público. Ofertas como newsletters, programas de membros e eventos constroem senso de pertencimento, incentivam o hábito de leitura e valorizam o estilo, seja o da marca ou o do jornalista.
Esse movimento representa o embrião de uma estratégia de distribuição de conteúdo pós-Google. Mas ainda é uma meia estratégia, pois leva em conta apenas os humanos. Uma parcela crescente da atividade online já é realizada por bots – seja coletando dados para treinar modelos de IA ou atuando como agentes pessoais de usuários.
Segundo dados da TollBit, o tráfego automatizado já rivaliza com o de buscadores tradicionais. Quando cada usuário tiver seu próprio agente de IA, é provável que os bots dominem.
O NOVO PÚBLICO “ORGÂNICO”
Comecemos pelas pessoas. A IA pode ser ótima para resumir notícias, mas ainda falha em captar nuances de estilo e pontos de vista singulares. A consequência? Quem busca opinião ou análise consistente ainda vai precisar clicar e ler.
Conteúdos visuais e interativos também são mal traduzidos por IA. E, dado o risco conhecido de "alucinações" nos resultados, qualquer tema sensível – como saúde, direito ou finanças – tende a motivar o leitor a conferir a fonte original.
o “público-bot” está crescendo e será uma força dominante na distribuição de conteúdo.
Em se tratando de distribuição de conteúdo de mídia, modelos de assinatura e fidelização seguem relevantes, mas precisam oferecer algo único. Isso geralmente significa apostar em nichos, não em generalidades. Assuntos especializados tendem a gerar maior engajamento e lealdade.
Outro ponto forte é a interatividade. Plataformas como Substack e TikTok têm se destacado por estimular o diálogo direto entre criadores e audiência. Mas ser interativo não exige contato constante: ferramentas como enquetes, quizzes e jogos ajudam a criar hábito – e não podem ser substituídas por IA.
A ASCENSÃO DOS BOTS
Não surpreende que pesquisas (como a recente do Pew Research) confirmem que usuários de IA raramente clicam em links. Afinal, a promessa da inteligência artificial é justamente evitar que o usuário precise acessar vários sites para obter respostas.
Mas há um outro lado: os bots é que estão pesquisando e clicando – e esse tráfego é mensurável e, em tese, monetizável. O crescimento inevitável do tráfego automatizado representa ao mesmo tempo uma ameaça e uma oportunidade sem precedentes.
Uma estratégia emergente é cobrar para que bots acessem o conteúdo. Implementar pontos de acesso pagos – em que operadores de IA desembolsam uma pequena quantia por extração de dados – pode funcionar, especialmente agora que empresas como a Cloudflare facilitam o bloqueio seletivo de bots.

O problema é que isso depende da boa fé dos operadores. Mesmo que eles cooperem, as tarifas por acesso talvez não sustentem um modelo de negócio.
O que pode ajudar é vencer a próxima guerra do SEO: o AIEO (otimização para motores de IA). Estar entre as fontes primárias de uma resposta do ChatGPT ou em resumos automáticos de busca pode não gerar muitos cliques, mas, combinado a um sistema de remuneração por acesso e um conteúdo estrategicamente voltado a humanos, os ganhos podem ir além do prestígio.
pesquisas recentes confirmam que usuários de IA raramente clicam em links.
A verdade é que, no futuro da mídia, o público humano direto será menor. Com mais pessoas sendo atendidas por assistentes de IA, os veículos terão que aproveitar ao máximo os poucos leitores que ainda chegam por conta própria. E isso não é necessariamente ruim: crescer menos pode significar uma relação mais saudável entre mídia e audiência.
Mas em paralelo a isso, o “público-bot” está crescendo e será uma força dominante na distribuição de conteúdo. Aprender a lidar com essa nova audiência será essencial para a sobrevivência do jornalismo.
E se ainda existem muitas dúvidas – sobre as melhores práticas, os aspectos legais e até o retorno financeiro –, há pelo menos uma certeza: ficar parado não é uma opção.