“Mídia tradicional” virou uma expressão negativa. Como ela vai sobreviver?

De CEOs de tecnologia a políticos e até jornalistas, parece que todos encontraram um novo alvo favorito: a mídia tradicional

Crédito: Mike Van Sschoonderwalt/ Pexels

Joe Berkowitz 5 minutos de leitura

Na semana passada, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou que sua empresa não usaria mais verificadores de fatos. Ele foi bem claro sobre os motivos dessa decisão. “Depois que Trump foi eleito em 2016, a mídia tradicional não parava de dizer que a desinformação era uma ameaça à democracia”, disse Zuckerberg no vídeo.

“Fizemos um esforço genuíno para abordar essas preocupações sem nos tornarmos os árbitros da verdade. Mas os verificadores de fatos acabaram sendo politicamente tendenciosos e destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos EUA.”

Zuckerberg explicou que fundou o Facebook para “dar voz às pessoas” e sempre acreditou na importância de “proteger a liberdade de expressão”. Mas, nos últimos anos, ele sente que “governos e a mídia tradicional têm pressionado por mais censura”. 

Apontar o dedo para a mídia tradicional foi uma jogada estratégica para justificar uma decisão polêmica. Há anos, a mídia é alvo de críticas, mas agora o termo “mídia tradicional” se tornou praticamente um sinônimo de toxicidade.

DE ONDE VEIO O TERMO “MÍDIA TRADICIONAL”?

O conceito de “mídia tradicional” começou a ganhar força no início da era digital. Jeff Jarvis, professor de jornalismo e crítico de mídia, lembra-se de usar o termo em meados dos anos 1990, quando trabalhava como editor da versão online da “Advance”.

Naquela época, os veículos de comunicação começaram a marcar presença na internet, separadamente das suas edições impressas. Blogs populares também começaram a surgir, mas enfrentavam dificuldades para serem levados a sério.

Enquanto jornais e emissoras de TV eram considerados legítimos, conteúdos publicados exclusivamente na internet muitas vezes nem sequer eram reconhecidos como jornalismo. Segundo Jarvis, o rótulo “tradicional” surgiu em resposta a esse preconceito. “Como a mídia tradicional zombava de nós, devolvíamos na mesma moeda”, ele explica.

O termo passou a englobar jornais, revistas, rádio e televisão. Mas, com o tempo, esses veículos perderam o monopólio da legitimidade no jornalismo. Quando blogs como o Drudge Report começaram a publicar grandes furos – como o escândalo envolvendo Bill Clinton e a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky –, o “The New York Times” e outros grandes jornais tiveram que dividir o protagonismo com a mídia digital.

Isso abriu caminho para uma era em que veículos como o “BuzzFeed News” podiam até ganhar um prêmio Pulitzer. Mas, se a legitimidade podia surgir de qualquer canto da internet, ela também podia ser questionada em qualquer veículo tradicional.

DE “TRADICIONAL” À “PROPAGADORA DE FAKE NEWS”

A eleição presidencial norte-americana de 2016 foi marcada pela circulação de notícias falsas, a maioria favorecendo Trump e atacando Hillary Clinton. Muitas dessas histórias virais eram amplamente compartilhadas no Facebook. Depois da eleição, surgiu a especulação de que essa onda de desinformação ajudou o candidato republicano a vencer.

Mas logo o presidente eleito começou a usar o termo “fake news” para desqualificar reportagens negativas sobre ele. Trump se apropriou da expressão e passou a usá-la para desacreditar notícias que seus apoiadores deveriam ignorar ou contestar. Com isso, ele enfraqueceu ainda mais o que era considerado jornalismo legítimo.

Os apoiadores do ex-presidente rapidamente adotaram sua retórica. Em 2018, uma pesquisa da Gallup revelou que quatro em cada 10 republicanos acreditavam que notícias verdadeiras que criticassem políticos eram, na realidade, “notícias falsas”.

Esse sentimento de desconfiança não se limitou a críticas a Trump: acabou se transformando em uma rejeição generalizada à chamada “mídia mainstream”. Foi nesse período que o termo “mídia tradicional” começou a ganhar a conotação negativa que tem hoje.

Ela passou a ser vista como sinônimo de “notícias falsas” ou como incapaz de se adaptar a um cenário político em que metade do país não a considerava confiável. Nos anos seguintes, com o aumento de narrativas de desinformação, a esquerda se indignava com a forma como a mídia cobria o ressurgimento político de Trump, enquanto a direita celebrava a rejeição do ex-presidente à mídia tradicional durante a “eleição dos podcasts” de 2024.

A NOVA “NOVA MÍDIA”

Como fica evidente no desprezo de Zuckerberg pelos verificadores de fatos, alguns CEOs de tecnologia agora veem as redes sociais como a principal alternativa ao jornalismo tradicional. E não são os únicos. Muitos usuários do TikTok também acreditam que suas personalidades favoritas da internet são fontes confiáveis de informação.

Enquanto a mídia tradicional e a “nova mídia” perdem espaço para o que podemos chamar de “nova nova mídia”, Elon Musk se tornou outro crítico ferrenho da velha guarda. Durante sua gestão no X/ Twitter, ele diminuiu a visibilidade de links para artigos externos e transformou a plataforma em um espaço para "jornalistas cidadãos".

Há anos, a mídia é alvo de críticas, mas agora o termo “mídia tradicional” se tornou sinônimo de toxicidade.

Na semana passada, durante a CES 2025, a CEO do X, Linda Yaccarino, anunciou planos de criar um portal de notícias dentro da plataforma e pagar seus repórteres amadores.

“O futuro das notícias não está na mídia tradicional”, afirmou Yaccarino. “As notícias da mídia tradicional hoje parecem mais um serviço de nicho, feito para agradar um público específico e cumprir um orçamento.”

Com tantas críticas vindo de todos os lados, a sobrevivência da mídia tradicional está cada vez mais em risco. O público diminuiu, e as receitas seguiram o mesmo caminho.

Em um mundo onde mudanças no algoritmo de notícias do Facebook podem gerar grandes impactos, o jornalismo se tornou um modelo de negócios cada vez mais difícil de sustentar.

Crédito: Reprodução/ ABC News

No início de 2025, imaginar um futuro sem veículos outrora poderosos não soa mais tão alarmista. A mídia tradicional está cambaleando no que Charlie Warzel, do “The Atlantic”, chamou de “uma realidade de escolha própria de aventura”, com fontes de informação praticamente infinitas.

Ainda assim, em momentos de crise, como os recentes incêndios em Los Angeles, veículos que fazem reportagens no local, com rigor na checagem de fatos e múltiplos níveis de edição, continuam a provar seu valor.

Agora, essas organizações precisam descobrir como se tornar lucrativas e confiáveis o suficiente para sobreviver como o “dinossauro” do atual ecossistema de informação. Enquanto os tomadores de decisão nas grandes publicações tentam se reinventar, o futuro do jornalismo tradicional está em jogo.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais