No Irã, manifestantes usam o TikTok para driblar forças de repressão

O governo tenta censurar informações, mas os manifestantes encontraram no TikTok uma solução inteligente para não serem silenciados

Crédito: Istock

Whitney Shylee May 4 minutos de leitura

As imagens dos protestos que se seguiram à morte de Mahsa Zhina Amini, de 22 anos, no Irã, no dia 16 de setembro de 2022, e os relatos da brutal repressão do governo circulam amplamente nas redes sociais. O fluxo de informações ocorre apesar dos esforços do regime iraniano para limitar o acesso à internet e censurar as informações que saem do país.

Um método eficaz que os manifestantes adotaram foi usar o TikTok, o aplicativo de compartilhamento de vídeos mais popular entre jovens que postam clipes de si mesmos cantando e dançando. A maneira como os vídeos são compartilhados na plataforma, além do uso de hashtags pelos manifestantes, ajudaram os ativistas a contornar o bloqueio de informações dos serviços de segurança do Irã e alcançar um público amplo.

Crédito: print de tela/ TikTok

Como pesquisadora que estuda jovens e a cultura participativa – arte e informação produzida por não especialistas, incluindo fanfics e jornalismo cidadão –, acredito que o TikTok está se mostrando uma ferramenta eficaz de ativismo político diante da severa repressão.

A chave da eficácia em burlar a censura do país é a maneira como o TikTok funciona. Cada vídeo gravado pelos usuários geralmente tem 60 segundos ou menos e se repete quando finalizado. Outros usuários podem editar ou “costurar” o vídeo de outra pessoa para produzir seu próprio. Eles também podem criar um vídeo em tela dividida ou fazer um “dueto”, com o conteúdo original de um lado da tela e o seu próprio do outro.

COSTURA E DUETOS

Para usar o TikTok, os manifestantes no Irã normalmente usam redes privadas virtuais (VPNs), que enviam tráfego de internet por meio de vários servidores para contornar os apagões de rede do governo apenas por tempo suficiente para postar um vídeo na rede social.

Os usuários que apoiam os protestos “curtem” os vídeos milhares de vezes, os costuram em outros e fazem duetos, que depois também serão curtidos, costurados e usados em novos duetos repetidamente.

No processo, as informações que poderiam identificar o usuário que fez o post original se dissipam. Em questão de minutos, o manifestante se torna anônimo enquanto a mensagem continua a ser espalhada.

@aundia13 This IS the Revolution. Lets not wait to fact check a dictatorship that is based on nothing but censory and lies. Cut the semantics. They are bravely fighting to finally have the world see and hear the truth. Despite all the odds being against them, they are truly unstoppable—my heroes. #iranrevolution2022 #freeiran #iran #iranian #supportiran #womanlifefreedom #mahsaamini ♬ Unstoppable (R3HAB Remix) - Sia & R3HAB

Mesmo que o vídeo seja sinalizado por violar as diretrizes da comunidade do TikTok, outros usuários compartilham, curtem e fazem duetos de forma tão rápida que fica quase impossível para a rede social remover o conteúdo original por completo da plataforma.

Em um vídeo que atingiu mais de 620 mil visualizações, a advogada iraniana-americana Elica Le Bon pede aos espectadores que compartilhem todo conteúdo relacionado aos protestos para garantir que o mundo continue prestando atenção.

Em outro, a usuária do @gal_lynette direciona seus 35 mil seguidores para vídeos de duetos instantâneos feitos por mulheres iranianas como uma forma de jornalismo cidadão para “manter sua história viva”.

O HINO DE UM MOVIMENTO

Um dos elementos-chave dos vídeos do TikTok é o áudio, geralmente uma música que indica uma linha temática em vídeos costurados ou duetos. A faixa usada em grande parte dos vídeos que retratam os protestos no Irã, com mais de 11,7 milhões de visualizações, é a música “Baraye”, do cantor e compositor iraniano Shervin Hajipour.

A letra da música é derivada de uma série de tuítes em farsi, que detalham os motivos da revolução. Hajipour foi detido por causa da canção, mas solto posteriormente. Desde então, “Baraye” se tornou um hino de protesto global.

Preocupados com a segurança do cantor, os tiktokers que apoiam os protestos se uniram para protegê-lo, postando milhares de vídeos pedindo aos usuários que votem em “Baraye” na mais nova categoria do Grammy, Melhor Canção para Mudança Social. Em outubro, a faixa recebeu 83% das 115 mil indicações, fazendo com que Hajipour e sua música ganhassem visibilidade internacional.

“Baraye” e hashtags relacionadas são recursos que ajudam a tornar o TikTok uma plataforma para políticas participativas. Enquanto o mundo assiste à onda de protestos no Irã, os usuários manipulam os algoritmos da plataforma para amplificar as vozes dos iranianos além do alcance do governo.

Existem campanhas ativas no TikTok para tudo, desde indicações ao Grammy até iniciativas que ensinam usuários como cobrar representantes locais e líderes globais. Os vídeos ensinam leigos a hospedar conteúdo de forma que não seja detectado pelas autoridades iranianas e a direcionar os usuários para protestos locais.

Eles compartilham petições para que os líderes do G7 expulsem os diplomatas do Irã e para que a ONU responsabilize o governo por seus crimes contra o direito internacional. Com as execuções de manifestantes, a campanha #StopExecutionsInIran (ou #ParemAsExecuçõesNoIrã, em português) registrou mais de 100 milhões de visualizações no TikTok.

Essas ferramentas interativas e o algoritmo da plataforma para promover conteúdo são o que transformaram o TikTok de um aplicativo de dança adolescente em uma poderosa rede global para protesto e ação política.

Enquanto os iranianos lutam por mudanças e seus apoiadores em todo o mundo inundam a plataforma para amplificar suas vozes, uma coisa parece certa: a revolução pode não ser televisionada, mas será curtida, costurada e compartilhada.


SOBRE A AUTORA

Whitney Shylee May é doutoranda em estudos americanos na Austin College of Liberal Arts da Universidade do Texas. saiba mais